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Primavera Sound Porto: Tempestade de Guitarras com MAQUINA., Tropical Fuck Storm, Gel & Mandy, Indiana

Primavera Sound Porto: Tempestade de Guitarras com MAQUINA., Tropical Fuck Storm, Gel & Mandy, Indiana

Nuno Bernardo
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Ao longo de três dias não faltaram guitarradas no Primavera Sound Porto, mas a tempestade só ameaçou a partir do segundo dia.

Com a chuva e a trovoada chegaram também os mais marcantes concertos em que a distorção e a fusão de corpos foram ingredientes principais. Do krautrock de MAQUINA. ao noise e art punk de Tropical Fuck Storm, passando pelo hardcore furioso de Gel e o clubbing adaptado de Mandy, Indiana, assim se reportam mais quatro concertos da 11ª edição do festival.

MAQUINA.

Ainda no primeiro dia, ao subir a colina do Palco Super Bock, cruzámo-nos com Halison, Tomás e João, o trio que responde por MAQUINA., que com entusiasmo nos convidou a estarmos presentes logo às 16h35 do dia seguinte naquele mesmo palco. Ver esta jovem banda a conquistar palcos independentemente da sua dimensão, seja em território nacional ou fora de portas como primeira parte na digressão europeia de A Place To Bury Strangers, tornou obrigatório ver este concerto no Primavera Sound Porto para testemunhar nova etapa de consagração.

No entanto, o dia não era nada fácil. Quem chegou bastante cedo às portas do recinto, fê-lo para agarrar um lugar nas grades do Palco Porto, onde Lana Del Rey atuou no final da noite. Quem chegou cedo para ver outros concertos, teve de enfrentar a mesma fila nos portões. Só assim se explica como, à subida de palco dos MAQUINA., avistávamos escassas dezenas de pessoas. Mas não importava. “Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be)”, canção na voz de Doris Day, fez-se ouvir no PA para que depressa a banda, com Halison ao comando na bateria, fizesse o seu primeiro “check” de voz, baixo e guitarra.

Da mesma forma que se poderia alegar o horário errado para um concerto de MAQUINA., que mais condizente é com a madrugada do que com o período da tarde, também se pode ter ficado agradado com a obra do acaso. A nuvem negra, já avistada sobre os campos verdes do Parque da Cidade, aproximou-se com a velocidade de “Desterro” e uma partilha de cigarros (e beijos) durante um solo de baixo em “Body Control” ilustrou a queda do primeiro trovão, bastante audível. A chuva, grossa e gelada, não demorou a assaltar.

https://www.youtube.com/shorts/I9P1XiiF2wk

A resposta do público, que já havia quadruplicado por esta altura, foi evidente: «o que será, será», ouvimos ao lado, quando as roupas já se colavam ao corpo e os impermeáveis pareciam insuficientes para tamanha catadupa. Quis a natureza que assim fosse: o krautrock industrial de “Dirty Tracks For Clubbing” e do mais recente disco “PRATA” criou um batalhão de despreocupados, distanciando-se dos que procuraram abrigar-se debaixo de árvores e arbustos, para se dançar incessantemente até ao final do set. Só não foi momento mais catártico porque o dia mal havia começado, mas que bonita foi a festa.

PRIMAVERA SOUND PORTO 2024
_ © Hugo Lima | www.hugolima.com | www.instagram.com/hugolimaphoto

Tropical Fuck Storm

Com o fim dos The Drones, Gareth Liddiard e Fiona Kitschin viraram-se em 2017 para um novo projecto juntamente com Lauren Hammel (High Tension) e Erica Dunn (Mod Con) para uma espécie de supergrupo da cena art punk e noise rock de Melbourne. Os Tropical Fuck Storm não têm o mais ortodoxo dos nomes, mas apropria-se à música dos australianos.

Se a imperfeição fosse um som, seria o vibrato da Jaguar de Liddiard. De som seco e flutuante, pomposo quando imperativo e sempre estridente, essa guitarra dançou à cintura do frontman, que descalço nunca se mostrou desprovido de pisar e modular os pedais. Ao lado, Fiona e Erica assumiram os microfones em coro para percorrer, sobretudo, os temas do álbum de estreia “A Laughing Death In Meatspace”, que assumiu protagonismo no alinhamento apesar de outros trabalhos editados desde então. Foi daí que vimos e ouvimos “You Let My Tyres Down”, uma das melhores faixas de punk e suas variantes da última década.

Fomos brindados também com “Ann”, versão própria de um clássico dos The Stooges, “Rubber Bullies”, “Antimatter Animals” ou duas passagens por “Braindrops”, com a faixa-título e “Paradise”, que serviu para terminar a atuação. Tiveram a hercúlea missão de agarrar o festival inteiro devido a este Palco Plenitude, no segundo dia, ser o único em funcionamento na slot antes de Lana Del Rey no Palco Porto. Quem ficou e ergueu os braços, vibrou como pôde. Um aleluia, que à falta de Shellac, procuram-se bandas que possam preservar as origens noise rock do Primavera Sound. Os Tropical Fuck Storm são sérios candidatos a carregar essa tocha.

Gel

Debaixo de intensa chuva no arranque do terceiro dia, os Gel fizeram o teste piloto para o recuperado Palco Vodafone que esteve interdito na véspera. Tal como em MAQUINA. um dia antes, a ocasião serviu para misturar corpos húmidos e para libertar energia. Melhor ainda foi poder descarregar a raiva acumulada contra cancelamentos com hardcore punk. Indignação maior quando nenhum dos muitos ecrãs espalhados pelo festival serviram para comunicar ao público os cancelamentos recorrentes – neste dia foi o de Ethel Cain, por motivos de saúde – deixando os presentes reféns de atualizações nas redes sociais do festival.

Com origens na cena powerviolence de Nova Jérsia, o quinteto apresentou o tradicional e rápido hardcore com elementos de d-beat bastante evidente em “Only Constant”, álbum de estreia editado no ano passado. A esse registo somaram temas dos EPs “Gel” e “Violent Closure” e da cassete “HC For The Freaks” para uma autêntica transferência de riffs ágeis respondidos com crowdsurfing, mosh e agitação geral de quem não teve receio de enlamear os pés. Meia-hora bastava, e bastou, para conquistar os outsiders que aplaudem música extrema num festival que só por si já é bastante diverso.

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Mandy, Indiana

Algo que faltou neste Primavera Sound Porto foi música eletrónica. O infortúnio do cancelamento de Justice na véspera causou ainda mais desconforto quanto à falta de oportunidade para afters ou sessões de clubbing, agravado este ano pela exclusão do Palco BITS. Nesse aspecto, os Mandy, Indiana devem ter sido das propostas mais aproximadas, cabendo-lhes a tarefa de fechar o festival no Palco Plenitude.

Mas a eletrónica dos Mandy, Indiana não é inteiramente digital. Quem ousou dizer que não era possível fazer techno com um line-up típico de rock? Há aqui um casamento perfeito entre a melancolia do post-punk de Manchester (Joy Division, por exemplo) com a batida viciante de Berlim, onde a banda está também sedeada. O resultado é um rock experimental difícil de catalogar, mas bastante simples de se deixar levar.

A bateria de Alex Macdougall, com recurso a pads, fez os tiros de partida para as corridas dos sintetizadores de Simon Catling, que também se jogou à percussão, e da guitarra criativa do produtor Scott Fair, que se mostrou dominar a arte de todos os efeitos também eles gravados no único álbum “I’ve Seen A Way”, lançado há um ano pela Fire Talk. O reverb cristalino atropelou a distorção, os delays foram utilizados como instrumentos à parte e até ring modulation nos transportou para as capacidades oscilantes de ondas sinusoidais.

Há aqui noise febril à moda de Gilla Band (que há um ano brilharam neste mesmo Palco Plenitude), há um piscar de olho à cena de dança nova-iorquina e londrina e namoram-se os graves mais hipnotizantes de The Psychotic Monks. Em contraponto, há passagens ambientais para espaços liminares, enquanto o francês nativo da vocalista e liricista Valentine Caulfield suspira-nos para a exaustão fatalista («Putain c’que j’suis fatiguée / Y’a pas moyen d’positiver») ou para direções mais simples de seguir («Haut, bas / Bas, gauche / Gauche, droite»).

Com o instrumental bastante aguçado restou a Valentine ser a cara da mais contagiante das raves. Procurou o contacto nas primeiras filas, atrapalhando alguns seguranças que arriscaram um perímetro nas aventuras na frente de palco. O cabo de microfone pareceu curto, mas era inadiável misturar-se e convidar à dança quem poderia não ficar totalmente convencido com “Pinking Shears”, “Injury Detail” ou “Drag [Crashed]” na primeira metade do concerto. Mas para se ser franco, como é que tal seria possível? Ainda se elevaram os braços para “Peach Fuzz”, “Bottle Episode” ou “Alien 3” antes da apoteose final de “Magazine”, com vislumbre do futuro da banda. Felizmente a banda é tão urgente em palco como o é em estúdio.

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_ © Hugo Lima | www.hugolima.com | www.instagram.com/hugolimaphoto