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Rock in Rio Lisboa 2024: Extreme e o Glorioso Regresso a Casa do Shredder Nuno Bettencourt

Rock in Rio Lisboa 2024: Extreme e o Glorioso Regresso a Casa do Shredder Nuno Bettencourt

2024-06-15, Rock in Rio Lisboa
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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Um boné do Benfica na cabeça, a bandeira nacional e dos Açores às costas e uma interpretação sentida da “Portuguesa”, assim foi o regresso à pátria mãe de Nuno Bettencourt. Passados 10 anos do último concerto em Lisboa, os Extreme foram acarinhados por dezenas de milhares de portugueses e corresponderam com uma performance enérgica e carismática. A atravessar um dos melhores momentos da sua carreira, a banda de Boston veio ao Rock in Rio apresentar a novidade “Six”, mas não esqueceu clássicos como “More Than Words”, “Get The Funk Out” e “Hole Hearted”.

Formados em 1985, a afirmação dos Extreme revelou-se demorada, principalmente numa altura em que a indústria musical em Boston estava mais virada para as sonoridades alternativas de grupos como os Pixies ou The Lemonheads. Após vários anos a tocar num circuito de clubes underground a banda despertou o interesse do A&R Bryan Huttenhower e assinou contrato com a A&M Records em 1987. Já com várias músicas compostas entraram em estúdio para gravar o primeiro álbum. Porém, o processo de produção e gravação não correu como esperado, provocando assim um certo descontentamento por parte da banda em relação ao seu resultado sonoro. A editora, que também não se encontrava satisfeita com o investimento realizado, acabou por lançar o álbum homónimo a 14 de Março de 1989. No entanto, com uma sonoridade ainda pouco limada o álbum não deslumbrou a crítica, apesar de alguns momentos mais arrojados como é o caso das faixas “Kid Ego” e “Play With Me” que davam a entender que poderia existir ali algo. Feitas as contas o álbum acabaria por vender umas meras 300.000 cópias nos EUA, números muito abaixo em relação ao que bandas contemporâneas como por exemplo os Skid Row estavam a conseguir vender.

Todavia, a editora optou por lhes dar uma segunda oportunidade que a banda soube agarrar com “unhas e dentes”. Ainda o primeiro álbum não tinha sido editado e o grupo já tinha composto cerca de 80% a 90% do que viria a ser “Pornograffitti”.

Musicalmente a banda procurou reinventar-se com o objetivo de descobrir uma sonoridade mais distinta e autêntica. Para tal, revelou-se essencial a mestria de um jovem guitarrista português de seu nome Nuno Bettencourt que consigo trouxe renovações profundas para a arte de tocar guitarra, isto porque muitas das vezes Nuno compunha os seus riffs como se estivesse a compor para uma secção de metais, dando-lhes assim uma sonoridade mais funk e com métricas sincopadas, “Get The Funk Out”, “Decadence Dance”  e “Li’l Jack Horny” são três exemplos desse tipo de escrita. Por outro lado, Bettencourt procurou também desenvolver em “Pornograffitti” as suas capacidades enquanto solista virtuoso, através de passagens que vão desde o shredding ao tapping passando pelo seu vibrato bastante distinto cheio de pinch harmonics. As faixas “He-Man Woman Hater” e “Get The Funk Out” demonstram bem a capacidade e facilidade que Bettencourt tem em incorporar estes diferentes elementos nos seus solos.

Após a edição de “Pornograffitti” Nuno Bettencourt começou a ser reconhecido e idolatrado no meio da comunidade de guitarristas, nomeadamente pelos seus pares como Steve Vai e Yngwie Malmsteen que legitimaram as capacidades do guitarrista português. Este reconhecimento foi também assinalado em 1991 quando os leitores da conceituada Guitar World Magazine elegeram Nuno Bettencourt como “Best New Talent” e mais tarde no mesmo ano “Most Valuable Player”.

Após vários meses a trabalhar em estúdio o álbum estava concluído e pronto a ser lançado no dia 7 de Agosto de 1990. De forma a promovê-lo a banda selecionou as faixas “Decadence Dance” e “Get The Funk Out” como singles, ambas com videoclips que passavam no programa Headbangers Ball. Ainda assim, esta estratégia não foi suficiente para proporcionar aos Extreme o tão desejado sucesso comercial, isto porque por volta de Abril de 1991 o álbum ainda só tinha vendido cerca de 300.000 cópias. Era necessário mudar de estratégia, caso contrário este poderia ser mesmo o fim da  banda. O plano recaiu então em lançar como single uma balada acústica presente no álbum intitulada “More Than Words”, uma música que Bettencourt e Cherone tinham composto no alpendre da casa do vocalista quando a banda ainda estava a dar os primeiros passos. Naquele período as power ballads (baladas com recurso a guitarras elétricas, bateria e produção exagerada) eram muito populares no contexto musical do hair metal. No entanto, esta era uma balada totalmente acústica, algo pouco comum para a época pois ainda não existia sequer o famoso MTV Unplugged. Sem nada a perder, a banda pressionou a editora para que esta lançasse “More Than Words” como single, justificando que enquanto estavam em tour pela Europa era a canção que maior reação motivava por parte do público. A editora optou por fazer um teste passando a música na rádio apenas numa determinada zona dos EUA, ao fim do primeiro dia a faixa estava em número oito na lista de canções pedidas. Com o desenrolar da semana “More Than Words” foi subindo na lista e quando chegou ao fim de semana já estava no primeiro lugar. Rapidamente a banda gravou o famoso videoclip para passar na MTV, a ideia era fazer algo bastante simples sem grandes artifícios, exatamente com o objetivo de captar a simplicidade da música, daí a estética preto e branco e apenas Nuno Bettencourt e Gary Cherone sentados a tocar e cantar.

Quando “More Than Words” chegou ao número um da Billboard a banda encontrava-se em tour na Europa algo que provocou um sentimento ambíguo na banda pois segundo Nuno Bettencourt: «A parte boa sobre isso foi que chegou ao número um e explodiu. A parte triste sobre isso foi nós termos perdido tudo. Fomo-nos embora. E do nada recebemos chamadas das nossas famílias a dizer que está por toda a MTV e que está a subir nas tabelas. E nós ficámos do género, é a coisa com que sempre sonhámos e nem sequer a estamos a testemunhar.».

«É tão bom voltar ao país mais bonito do mundo, a minha casa, Portugal.» Uma enorme ovação levantou-se de rompante, com os mais distraídos certamente a questionarem-se porque é que aquele guitarrista fala tão bem português.

O Bom Filho a Casa Torna 

Apesar das visitas anuais que Nuno Bettencourt faz à sua terra natal da Praia da Vitória, na ilha Terceira, nos Açores, contam-se apenas cinco, as vezes, que Nuno trouxe os Extreme até Portugal Continental. O seu regresso ao país que o viu nascer é sempre um acontecimento extremamente especial e emotivo, e este que foi até à data, o maior concerto dos Extreme em Portugal não foi excepção, com momentos de profunda comunhão e devoção à pátria como os nossos emigrantes tão bem sabem expressar.

O relógio já ultrapassava dois ou três minutos depois das 18:00 quando ouvimos os primeiros acordes recheados de overdrive provenientes da Washburn de Nuno. Rapidamente entraram em palco o vocalista Gary Cheronne, o baixista Pat Badger e o baterista Kevin Figueiredo, também este luso-americano. “It´s a Monster” do clássico “Pornograffitti” abriu o concerto com uma descarga de energia imensa. Porém, as condições de escuta não foram as ideais, com o imenso vento que se fazia sentir no Parque Tejo a prejudicar não só toda a atuação dos Extreme, como também vários dos outros concertos a que assistimos. “Decadence Dance” manteve-nos em 1990 e que delicia foi ouvir aquele riff repleto de groove e palm mute, sem dúvida um dos mais desafiantes de tocar do repertório de Nuno. Com Badger e Figueiredo a segurarem que nem metrónomos a secção rítmica, esta foi uma das malhas em que Cheronne brilhou mais. O vocalista já conta com 62 anos, mas soube cuidar bem da sua voz ao longo das décadas.

Antes de “#Rebel” foi o momento de Nuno saudar todos os presentes em bom português dos Açores, algo que repetiu várias vezes ao longo da noite, tornando assim este concerto mais especial face aos outros da Thicker Than Blood Tour 2024. «É tão bom voltar ao país mais bonito do mundo, a minha casa, Portugal.» Uma enorme ovação levantou-se de rompante, com os mais distraídos certamente a questionarem-se porque é que aquele guitarrista fala tão bem português. Após “Am I Ever Gonna Change” ouviu-se uma versão mais rápida de “We Will Rock You” dos Queen, em que Nuno decidiu a aparecer com um boné do Benfica, o seu clube de coração, fazendo até lembrar a mítica capa da Guitar World em que Nuno surge a pousar na capa com uma camisola do Glorioso. Escusado será dizer que o momento tanto motivou aplausos como apupos sem maldade.

“Play With Me” antecipou o momento acústico da noite. Nuno deixou de lado a sua preciosa Washburn 4N e trouxe para palco uma Washburn de 12 corda e já todos sabíamos que vinha aí “Hole Hearted”. Já sentado na dianteira do palco, o guitarrista português sacou da sua Washburn Festival EA20S para presentear-nos com o exotismo de “Midnight Express”, demonstrando assim que, no que toca à guitarra acústica, Nuno também está na mesma liga de nomes como Al Di Meola e John Mayer.

«Fui para os Estados Unidos da América com quatro anos. Quando volto aos Açores, a Portugal, todos dizem que é onde me vêm mais feliz.», referiu o guitarrista em mais uma demonstração de amor pelo seu país.

Ainda assim, nada nos tinha preparado para o momento que se seguiu. Com uma bandeira de Portugal a esvoaçar na tela que se encontrava no palco, Nuno partiu para uma interpretação instrumental da “Portuguesa”, a mesma versão que já tinha apresentado nos International Portuguese Music Awards de 2019. Um coro de dezenas de milhares de vozes juntou-se ao dedilhar das cordas e assim foi até ao último “marchar”. Sem tempo para respirar e limpar a lágrima no canto do olho, ouviu-se logo de seguida o riff do hino dos Extreme, “More Than Words”. Se muitos consideram os Extreme, uma banda de um único sucesso, é devido a esta balada acústica. Pode ser ingrato para a banda, mas os quatro músicos não parecem demonstrar grande descontentamento em relação a isso, principalmente quando tens um mar de gente a cantar toda a letra em uníssono.

Ao entrarmos na reta final do concerto, ainda houve tempo para ouvirmos “Cupid’s Dead” de “III Sides To Every Story” (1992) e “Flight of The Wounded Bumblebee”, uma interpretação na guitarra elétrica do interlúdio orquestral “Flight of the Bumblebee” da ópera “O Conto do Tsar Saltan” do compositor russo Rimsky-Korsakov. O concerto viria a terminar com a a funkalhada de “Get The Funk Out” e de “Rise”. 

Nas despedidas Nuno não escondeu o seu contentamento e para foto final com o público trouxe para as suas costas a bandeira das quinas e a dos Açores. «Este é um dos dias mais felizes da minha vida! Amo-vos!», disse o guitarrista na hora de saída do palco. Propositadamente ou não, o regresso não ficou prometido, mas todos sabemos que é inevitável. 

SETLIST

  • It (‘s a Monster)
  • Decadence Dance
  • #REBEL
  • Am I Ever Gonna Change
  • We Will Rock You (Queen Cover)
  • Play With Me
  • Hole Hearted
  • Midnight Express
  • A Portuguesa
  • More Than Words
  • Cupid’s Dead
  • Flight of the Wounded Bumblebee
  • Get the Funk Out
  • RISE