A Resistência de Roger Waters
2018-05-20, Altice Arena, LisboaO emblemático baixista relembrou Lisboa do poder intemporal dos clássicos dos Pink Floyd, através de uma extravagante e luxuriante exuberância audiovisual.
Os espectáculos de Roger Waters são sobejamente conhecidos pela exuberância audiovisual, que transcende o tradicional concerto de banda, transportando-nos para uma experiência extra-sensorial. Ironicamente, uma das razões apontadas como fulcrais no grande cisma dos Pink Floyd, entre Waters e Gilmour, acabou por ser a imagem de marca das digressões de ambos. Mas a passagem por Lisboa da tour Us +Them não se limitou a ser uma extravagante fantasia de luz, Waters a ofereceu-nos uma noite inesquecível. O novo trabalho do músico, “Is This The Life We Really Want?” (2017), foi apenas o pretexto para uma digressão que, tal como as anteriores, se foca no cenário político contemporâneo, vincadamente no conflito entre Israel e Palestina, e social, passando também por uma crítica às redes sociais e a forma como condicionam o acesso à informação, passando pelo controlo dos media por parte dos grandes interesses económicos.
PIGS
A sua carreira a solo esteve representada apenas em cinco ou seis momentos: “Déjà Vu”, “The Last Refugee”, onde somos chamados a reflectir sobre a antiga intolerância do Velho Continente para com refugiados, “Picture That”, “Smell The Roses”, que surgiu já no segundo set, e no encore “Wait For Her”, “Oceans Apart” e “Part of Me Died”, privaram-nos de ouvir o emblemático “Mother”. O resto da setlist foi dedicada a alguns dos maiores momentos floydianos, com destaque para “Dogs” e “Pigs (Three Different Ones)” do lendário álbum “Animals”, cuja conceptualidade podemos associar ao cenário político-social actual e que proporcionou um dos momentos mais altos do concerto quando, a estrutura montada por cima da plateia desvendou o gigante porco insuflável, representação da capa do disco, numa associação direta a Trump. Já “Dark Side Of The Moon”, o estandarte de Waters desde há largos anos (ainda que seja um álbum que precede as eras derivadas do cisma), foi revisitado quase na totalidade.
O concerto pautou-se por uma perfeita comunhão entre a música e a parte cénica/gráfica, dentro da melhor tradição do psicadelismo dos anos 70 e inclusive com alguns dos vídeos que eram usados no auge dos Pink Floyd, que foram diluídos na actualidade geo-política, sempre com a personagem de Trump como alvo da fúria satírica.
THE GREAT GIG IN THE SKY
Roger Waters fez-se acompanhar por músicos de “mão cheia”. Joey Waronker, um baterista com um kit “gigante”, cuja utilização das peças foi dividindo ao longo do gig, numa actuação capaz de evocar a dinâmica double drumming que os Pink Floyd passaram a usar amiúde, a partir dos anos 80. Gus Seyffert, um baixista e multi-instrumentista discreto, mas um dos pilares da formação. Jonathan Wilson, um guitarrista e vocalista a fazer as vezes da voz de Gilmour, respeitando a origem, mas acrescentando umas nuances pessoais perfeitamente encaixadas, trabalhando em comunhão com o lado esquerdo, composto pela secção de teclas: Bo Kaster nos synths e Hammond e Jon Carin, velho companheiro e director musical de Waters, no piano e lapsteel. Mas destaque-se o guitarrista principal Dave Kilminster, um dos grandes guitarristas de sessão ingleses da nova geração – de sublinhar o excelente desempenho a fazer os solos e todo o trabalho harmónico, mostrando respeito pela composição de Gilmour, mas adequando o seu toque pessoal ao som mais visceral e menos etéreo que pauta toda a estética de Waters.
A estes junta-se o saxofonista Ian Ritchie, presença assídua nas tours de Waters. E se um dos pontos altos de sempre nos gigs de Pink Floyd, de Gilmour ou de Waters, é o solo vocal do tema “The Great Gig in the Sky”, aqui fomos surpreendidos com um twist provocado pela dupla de vozes femininas do projecto Lucius, composto por Jess Wolfe e Holly Laessig. Em vez do solo tradicional esperado, somos presenteados com um momento vocal inesquecível, com as duas a harmonizarem todo o solo! A inimitável Claire Torry foi elevada a uma nova amplitude e intensidade. Acreditem, os que estiveram presentes, foi um dos melhores solos vocais que já presenciaram!
PICTURE THAT
Foi uma grande noite de música e de harmonia entre banda, público e trabalho audiovisual. Uma nota especial para a excelente qualidade de som ao longo de todo o espectáculo. Um trabalho de som que conseguiu tirar partido do sistema surround suspenso na Arena, com vários momentos sónicos a percorrer o sistema, desde delays das vozes e samples a viajarem de frente para trás, pormenores de sonoplastia a saltarem de um lado para o outro lado das bancadas. A força do som elevou a força das imagens e este sucesso deveu-se sem dúvida ao excelente trabalho sonoro dos técnicos presentes. Destacamos dois momentos: as imagens projetadas de Tomahawks norte-americanos a bombardearem civis, acompanhadas por um som poderoso, deram uma magnitude impressionante à mensagem que Roger Waters quis passar; um sistema old school de megafones, espalhados pela plateia, que nos permitiam ouvir pormenores sonoros de intercomunicadores militares, criando uma envolvência ímpar com a projecção de imagens de guerra. Um excelente trabalho de sonoplastia, elevado pela qualidade de som conseguida!
No final, depois de um dos melhores momentos de guitarra de Dave Kilminster no segundo solo do “Confortably Numb”, que arrebatou uma ovação, sentia-se no público a satisfação de um espectáculo pleno! E Waters deixa-nos com uma mensagem final: Resist! Com o remate: «Trump é um porco…»
SETLIST
- SET 1
- Speak to Me
Breathe
One of These Days
Time
Breathe (Reprise)
The Great Gig in the Sky
Welcome to the Machine
Déjà Vu
The Last Refugee
Picture That
Wish You Were Here
The Happiest Days of Our Lives
Another Brick in the Wall Part 2
Another Brick in the Wall Part 3 - SET 2
- Dogs
Pigs (Three Different Ones)
Money
Us and Them
Smell the Roses
Brain Damage
Eclipse - –
- Wait for Her
Oceans Apart
Part of Me Died
Comfortably Numb