Royal Blood, O Verdadeiro Significado de Drum and Bass
2023-07-02, Campo Pequeno, LisboaCom um espectro sonoro sempre nos limites dos subgraves, os Royal Blood apresentaram-se no Campo Pequeno em Lisboa para nos dar uma lição sobre a arte de bem “rockar”. Coesão rítmica, refrões orelhudos, riffs avassaladores e melodias instrumentais entoadas a plenos pulmões estiveram todos lá. A pergunta é sempre a mesma: «Como é que dois tipos (+1) conseguem fazer tanto e tão bom barulho?»
Há umas semanas atrás, os Royal Blood deram, talvez, o concerto mais polémico de toda a sua carreira. A atuação aconteceu no festival Big Weekend da Radio One, no Reino Unido, um evento que se caracteriza maioritariamente por apresentar um conjunto de artistas pop, o que leva a que o público lá presente esteja também ele, mais virado para essas sonoridades. Os Royal Blood eram assim a “ovelha negra” do cartaz, mas nada fazia prever o desfecho que o concerto acabaria por ter. Cientes de que tinham um público para conquistar, o duo de Brighton entrou em palco algo entusiasmado, mas as coisas rapidamente mudaram quando começou a ser percetível que do lado do público vinha uma resposta apática e indiferente ao que se estava a passar em palco. Claramente desagradados com o que estavam a experienciar, o vocalista e baixista Mike Kerr não tardou em virar-se para o público para dizer num tom irritado: «Acho que devo apresentar-nos, visto que ninguém realmente sabe quem somos. Nós somos os Royal Blood e isto é música rock. Quem gosta de rock?», perguntou ele à multidão, tendo recebido depois um pequeno aplauso. «Nove pessoas. Brilhante», comentou antes de apresentar o baterista Ben Thatcher.
O descontentamento continuo ao longo do concerto levou a que Kerr voltasse a dirigir-se ao público e a referir: «Temos que bater palmas a nós próprios porque isso foi tão patético», antes de se virar para a câmara e perguntar: «Vão bater palmas para nós? Vão bater palmas? Estão ocupados. Podem bater palmas? Sim, até ele está a bater palmas. O que é que isto diz sobre vocês?»
A atuação terminaria com Kerr a mandar o seu baixo ao chão e a sair, juntamente com Thatcher, de costas para o público e com os dois dedos do meio levantados em forma de protesto.
Os concertos num contexto de festival são sempre dos mais ingratos para a maioria dos artistas, pode-se dar o caso de estares num cartaz cujo o género predominante não é o teu, o público é muitas das vezes heterogénio e vê estes eventos como uma experiência social, deixando muitas das vezes a música para segunda plano, já para não falar do tempo de atuação, que muitas das vezes é bastante reduzido e não permite aos artistas demonstrar o seu verdadeiro potencial.
Ora o que aconteceu no dia 2 de Julho, no Campo Pequeno, foi completamente o oposto. Apesar der estarem numa tour de verão, e com algumas datas em festivais, os Royal Blood chegaram a Portugal para dar um concerto em nome próprio, perante o seu público e com um tempo de atuação indicado, cerca de 1h15m. Na bagagem trouxeram um cheirinho do seu mais recente longa duração “Back To The Water Below”, que será editado a 8 de Setembro.
A jarda sonora sentida foi imediata, com os subgraves que vinham do palco a fazer parecer que o Campo Pequeno estava a passar por um abalo sísmico, tal era a potência sónica.
A abertura do concerto deu-se, curiosamente, com a b-side “Hole”, tema que surge no primeiro EP dos da banda, “Out Of The Black”, editado em Março de 2014. A jarda sonora sentida foi imediata, com os subgraves que vinham do palco a fazer parecer que o Campo Pequeno estava a passar por um abalo sísmico, tal era a potência sónica. Potência essa, que em nada afetou a definição sonora do baixo de Mike Kerr, bastante percetível tanto no registo mais grave, como no mais agudo, e também da bateria de Ben Thatcher, toda ela bem micada e com um som equilibrado entre os vários tambores e pratos.
“Come On Over” foi a primeira faixa da noite a proporcionar uma reação mais vistosa. O tema do álbum homónimo tem um refrão extramente pegajoso e na ponte uma das grandes imagens de marca dos Royal Blood, uma secção, que podemos considerar solística, com uma melodia curta e intuitiva que pede para ser cantada por grandes massas. O público do Campo Pequeno assim o fez. Seguiu-se “Boilermaker” de “Typhoons” (2021), antes de “Lights Out”, um dos maiores clássicos da banda, colocar os presentes em extrema euforia. O seu refrão cola-se aos ouvidos de forma imediata, mesmo aos daqueles curiosos que estavam possivelmente no Campo Pequeno a descobrir a banda britânica pela primeira vez. Ao chegarmos à tal linha melódica característica da ponte, rapidamente sentimos o nosso corpo a querer mexer-se, tal é o poder daquele groove tão funky.
“Mountains at Midnight” foi a primeira amostra do próximo álbum “Back To The Water Below”, mas, apesar de ter o vigor necessário para figurar na setlist, não arrancou uma grande reação por parte dos presente. Talvez seja necessário maturar nos ouvidos dos fãs durante mais algum ao tempo. Mike Kerr dirigiu-se poucas vezes ao público, das poucas vezes que o fez foi para agradecer a sua presença e também para anunciar a estreia ao vivo do mais recente single, “Pull Me Through”, faixa que ainda nem sequer foi lançada oficialmente pela banda nas plataformas de streaming. O tema contou com a participação do teclista Chris Moyles, que tem acompanhado os Royal Blood na estrada desde 2021.
Para aqueles mais gear geeks, como nós, temos a dizer que foi uma delícia acompanhar o desfile de baixos de Mike Kerr. O baixista alternou entre um Fender Starcaster Bass com dois pickups Fender “Wide Range” Bass Humbucker, um Gretsch G2220 Electromatic Junior Jet Bass II com Gretsch single-coil bass pickups e dois Mike Kerr Custom Shop Fender Jaguar Bass, um em preto e outro com um vistoso acabamento em laranja mecânica, também eles equipados com um Fender “Wide Range” Bass Humbucker e um mini humbucker. Em termos de amplificação Kerr dá primazia a Fenders Supersonic e Bassman, e o segredo é utilizar um para o canal clean e outro para o drive alternando entre eles através de uma switchbox. Já em relação aos pedais que utiliza e que constroem a sua sonoridade única, Kerr não despensa o Electro-Harmonix POG2, o Boss PS-6 Harmonist, ou o Tech 21 Red Ripper.
Mas voltando à música, “Trouble’s Coming” trouxe aquele pezinho de dança que muitos procuravam. A faixa dance rock apresenta-se polivalente e aguenta-se bem tanto num alinhamento mais roqueiro como numa playlist de uma discoteca alternativa. Mais à frente “Little Monster” demonstrou que continua a ser o grande hino dos Royal Blood. Foi através dela que muitos fãs tomaram contacto com o duo britânico e é por isso que a resposta ao tema quando é tocado ao vivo é de grande euforia. A outro da faixa deu lugar a um solo de bateria de Ben Thatcher, curto, mas incisivo e bem representativo das capacidades do músico que, cá para nós, tem um dos pockets mais certinhos que já vimos.
“How Did We Get So Dark?” foi, estranhamente, apenas a segunda passagem pelo segundo álbum dos Royal Blood. Seguiu-se “Limbo”, mais uma amostra da estética dance rock presente em “Typhoons” e “Ten Tonne Skeleton”, que precedeu a groovy “Figure It Out”, fechando esta, o set principal com chave de ouro.
Após uma breve ausência, a banda regressou a palco para acalmar os ânimos com “All We Have Is Now”, a balada emotiva que viu Mike Kerr largar o seu baixo para atacar as teclas de forma delicada. Por sua vez, a apoteose final chegou com a demolidora “Out Of The Black”.
Para a posterioridade fica uma atuação irrepreensível, por parte de dois músicos extremamente dotados. Se sabemos que «é só rock ‘n roll»? Sabemos, mas ainda assim gostamos, e muito!
SETLIST
- Hole
- Come On Over
- Boilermaker
- Lights Out
- Mountains At Midnight
- You Can Be So Cruel
- Pull Me Through (Estreia Ao Vivo)
- Trouble’s Coming
- Typhoons
- Loose Change
- Little Monster
- How Did We Get So Dark?
- Limbo
- Ten Tonne Skeleton
- Figure It Out
- All We Have Is Now
- Out Of The Black