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Thurston Moore, da criação ao caos

Thurston Moore, da criação ao caos

2014-03-30, ZDB
Hugo Lopes
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Não vale a pena negar. Independentemente de quem toca com Thurston Moore, quando olhamos para o palco é difícil não ouvir os Sonic Youth.

As similaridades estão todas presentes: a melodia camuflada pela sujidade, a mesma assinatura na afinação da guitarra, sensibilidade pop em duelos intermináveis com a agressividade do noise, e, acima de tudo, a revolta adolescente que não parece abandonar Moore, independentemente da idade. É inevitável esperar a todo o instante a aparição da sensualidade rouca de Kim Gordon, que nunca chega a acontecer, porque, mesmo que dois quintos estejam presentes, esta é a carreira a solo de um membro de Sonic Youth, e não uma nova reencarnação da banda.

Moore apresenta-se em palco envergando uma camisa de flanela, que lhe empresta um ar descontraído e natural, como é seu hábito. Tal descontracção, pode às vezes, ser interpretada como frieza, já que, a sua postura em palco parece transmitir alguma distância relativamente ao público, apesar da ocasional troca de palavras. À sua altura, quer na capacidade técnica, quer na descontracção, estão ambos os seus colaboradores, James Sedwards e Steve Shelley, também ele, um antigo membro dos Sonic Youth.

Moore começa por apresentar duas novas músicas, que estarão disponíveis num novo disco a ser editado em Setembro. Algures pelo meio da parede de guitarras, percebe-se uma declaração sónica de amor, quando canta “That’s Why I’ll Love You Forever More”. Apesar de novos, os temas partilham com a sua obra a mesma languidez de guitarras, os mesmos riffs roliços e orelhudos, e a mesma jovialidade, que permite um frequente sentimento de familiaridade por parte do público. Em “Detonation”, o trio toca descomprometidamente, como se as últimas duas décadas não tivessem existido, enjeitando uma versão fresca do rock alternativo dos anos 90. Qualquer tema que termine com Moore a gritar «We May Have To Use A Toy Grenade» depois de falar de mini-orgasmos, não pode deixar ninguém indiferente.

Podem tirar o Thurston Moore de Sonic Youth, mas não podem tirar Sonic Youth de Thurston Moore.

A actuação foi esparsa na quantidade de temas tocados, mas não na sua duração. Talvez fruto do espaço pequeno e lotado onde tocou, ou talvez por actuar no formato trio, Moore proporcionou aos temas possibilidade para romper em crescendo, e explodirem quando ninguém esperava. Esse sentimento de incerteza, associado à interpretação dos temas, permite manter o público consciente, tanto os que se identificam com o lado melodioso da música de Moore, como os que se identificam com a componente de improvisação e ruído. Essencialmente foi uma actuação a dois tempos, alternando momentos luminosos com momentos de introspecção, nem sempre dum modo totalmente fluído.

Uma actuação de qualquer membro de Sonic Youth, teria obrigatoriamente de oferecer feedback, e é nesses minutos que reconhecemos o Thurston Moore da década de 90, de costas para o palco, dobrado sobre a guitarra, conduzindo o atrito sonoro como um verdadeiro maestro do caos, algo que deveria acontecer com mais frequência. Depois de estilhaçar os temas, deixando-os completamente em cacos, o trio recupera-os inesperadamente do abismo, devolvendo-lhes a melodia. Antes do final, surge “Be A Warrior, And Love Life”, única altura em que as mãos de Moore abandonam a guitarra para se dedicarem apenas ao microfone. A banda despede-se com um «vemo-nos por aí», mas volta ainda para dois encores. No último, o trio toca “Ono Soul”, desfazendo-o em feedback como mandam as regras, e no último instante, quando já nada fazia prever, o tema ressuscita para um refrão súbito, e o espectáculo termina.

Antes da actuação de Thurston Moore, tocou Control Unit, um duo de Brooklyn, que poderia ter saído da era no wave de New York. Uma actuação semelhante a um transe, que proporcionou um aquecimento competente para o que viria a seguir.