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Tigerman: Rock’N’Roll do Século XXI

Tigerman: Rock’N’Roll do Século XXI

2014-03-27, Lux, Lisboa
Hugo Lopes
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Legendary Tigerman deixou de ser a banda de um homem solitário, para se tornar o negro orquestrador de blues inebriantes, pregando a salvação como um messias vindo do deserto: hipnótico, sedutor e pleno de fé.

A julgar pela quantidade de CDs com acesso ao concerto do lux que foram vendidos, tudo apontava para lotação esgotada, previsão que veio a confirmar-se. Apesar disso, e também derivado da natureza da sala, o concerto não perdeu o seu carácter íntimo, ambiente no qual os dotes de Legendary Tigerman proliferam melhor.

Paulo Furtado entra em palco como sempre esteve, só e vestido de negro, desta feita de pé, e apenas com a guitarra a acompanhar “Do Come Home”, o single do seu mais recente trabalho, “True”. No dia em que o Hawai produzir blues, será sem dúvida este o seu som.

Como uma serpente silvando no deserto, a guitarra de Legendary Tigerman dá o mote para “Wild Beast”, com Paulo Segadães, dos recentemente ressuscitados Vicious 5, a acompanhar na bateria. A presença do baterista não só empresta um novo fôlego às músicas, como permite ao homem-tigre usufruir de liberdade para deambular selvaticamente pelo palco.

É precisamente nos momentos em que Paulo Furtado surge acompanhado, não só por Segadães, mas também pelo saxofonista João Cabrita e pelo teclista Filipe Costa, que os temas se transfiguram, viajando por universos mais complexos e distintos dos momentos mais primitivos, característicos da génese do projecto.

Se no verso, a utilização do saxofone em “Gone” remete para um ambiente próximo de Morphine, assim que dá entrada o refrão, o tema metamorfoseia-se, assumindo uma emancipação digna dos Stooges, era Funhouse. Novamente, em “Dance Craze”, o saxofone de Cabrita, assistido pela influente cadência de Segadães, proporciona ousadia suficiente ao tema, para não só se tornar mais encorpado, mas também para sugerir que, no formato banda, o projecto poderá ter capacidade para explorar novos territórios sonoros.

O tigre abandona a jaula novamente, desta vez até a guitarra fica para trás, e Paulo Furtado faz aquilo que sabe fazer melhor: liberta-se.

Pelo meio, ainda houve espaço para momentos no formato clássico banda-de-um-homem-só, como “Naked Blues”, as versões de Eddie Cochrane “Twenty Flight Rock” e de Hasil Adkins “She Said”, ou “A Lifetime of your true love”, tema que poderia ter sido parido em qualquer baiuca americana, e que o músico assume como seu favorito, não obstante a exclusão do disco.
Paulo Furtado anuncia o fim do espectáculo, da forma mais apropriada possível, com “Twenty First Century Rock’N’Roll”, invadindo a sala como um coeso e feroz dínamo rock dos anos 50. Pela primeira vez, todos os convidados estão presentes em palco, o que proporciona um vislumbre do que poderá ser um dos caminhos de Legendary Tigerman no futuro.
O tigre abandona a jaula novamente, desta vez até a guitarra fica para trás, e Paulo Furtado faz aquilo que sabe fazer melhor: liberta-se. Apenas com o microfone, avança para a frente do palco, depois sobe para as colunas, dança e agita-se, repetindo incessantemente o mantra “Rock’N’Roll”. A música termina em feedback, envolvido numa poderosa parede de som erguida pelo saxofone de Cabrita e pelas teclas de Costa.

O público pede mais, mas Furtado é peremptório ao afirmar “Não vou tocar mais nada depois disto, porque não há mais nada a fazer depois disto”.

Poderia ter sido um fim perfeito, mas Legendary Tigerman muda de ideias e volta, com a sala totalmente às escuras para tocar um último tema. “Love Ride” seria interrompido pelo músico, que abandona o palco para discutir com um membro do público, que já tinha sido avisado várias vezes para não conversar durante o concerto.

Legendary Tigerman é mais do que um músico, é um pregador do rock’n’roll, cujos salmos hipnotizam as ancas dos fiéis a gingar freneticamente. Apesar dos vários problemas técnicos de que o músico se queixou, desde o mau funcionamento do microfone, até questões com a projecção vídeo, Paulo Furtado é uma engrenagem musical afinada, e nada consegue manchar o seu carisma em palco. Nem mesmo quando é o próprio a errar.

Fotos: Tit Viscek