Em Janeiro de 1930 foi publicada pela primeira vez a “Astounding Stories Of Super-Science”. Até aos nossos dias, a publicação teve várias designações. Em Outubro de 1953 o título era “Astounding Science Fiction” e foi para a edição de Outubro desse ano que Frank Kelly Freas desenhou, como capa, um robot gigante (de olhos humanos) a segurar o corpo de um humano morto. Os Queen contactaram Freas, perguntando se o artista poderia alterar o desenho para a capa de “News Of The World”.

É esse robot, numa projecção 3D, que rebenta com a ilusória parede no palco da Altice Arena, embalado pela batida bélica de “Tear It Up” e pelo rasgar dos acordes de Brian May. O titã de metal detém-se sobre a banda, enquanto ouvimos de rajada a icónica “Seven Seas Of Rhye”, tema que, ao invés de suceder para a segunda parte, explode em “Tie Your Mother Down”. Aí ouvimos o primeiro solo da Red Special. O som do concerto ainda “não está lá”, mas a assinatura sonora da guitarra é inevitável e Brian May está em forma.

As emoções só são refreadas através de “Play The Game” e da sua síncope intrincada, mas o fôlego é recuperado por pouco tempo… Um improviso de guitarra com volume em crescendo faz ponte para a divertida “Fat Bottomed Girls”, essas miúdas que fazem o mundo do rock ‘n’ roll girar. Quem nunca?

O som de guitarra está qualquer coisa. A parede de Vox AC30 (seis unidades) oferece aquilo que, entre outras coisas, EVH “fanou” aos Queen e a Brian May, o conceito chamado brown sound. Um crunch, como o chocolate, estaladiço e doce! A primeira homenagem directa a Freddie Mercury surge através da interpretação da quintessencial “Killer Queen”, em que Adam Lambert adopta mais os maneirismos de Freddie, fazendo recordar um comentário no YouTube, sobre a sua actuação com a banda no RiR Lisboa em 2016: «O pai deixou-nos. E, embora deteste o novo padrasto, lá no fundo sei que é a melhor opção para a mãe». Sentimentalão? Sim. Acertado? Sem dúvida!

Nunca ninguém esquecerá Freddie Mercury e cada concerto dos Queen é um vibrante testemunho da imortalidade da música. Brian May, Roger Taylor e Adam Lambert ofereceram mais uma noite inesquecível a Lisboa.

Adam Lambert, no final desse tema presta ainda homenagem a Brian May e Roger Taylor, as lendas que o acompanham e admite que, com eles em palco, nunca sabe o que está a viver, fazendo o trocadilho: «Is this the real life? Is this just fantasy?» O vocalista, através de uma evidência, continua a recordar Mercury, afirmando que Freddie há só um e pedindo que Lisboa celebre o famigerado músico e as suas canções durante o concerto. Então entra “Don’t Stop Me Now” e a Altice Arena vem abaixo! Os decibéis do público, acompanhando todo o tema, ameaçam ultrapassar aqueles debitados pela banda. Um dos momentos altos da noite. Inesquecível!

LOVE OF MY LIFE

“Bicycle Race”, outro momento Vaudeville, género a que Freddie era tão apegado, antecede a mais sinfónica “I’m In Love With My Car”, cantada por Taylor. E surge outra explosão de intensidade, com “Another One Bites The Dust”. Baixo staccato, hammer on e pull off e leaks funky na guitarra. Nós sabemos o que fizeste Eddie! Malhão que nos ajuda a esquecer o que acontece a seguir. Um original de Adam Lambert que destoa da excelência de composições que temos estado a ouvir, tal como o azeiteiro solo em duelo de voz e guitarra. Tanta música épica dos Queen por onde escolher (assim de repente, “One Vision”, “It’s A Kind Of Magic” e “Innuendo” não têm lugar na setlist), não devia dar espaço a este momento de ego de Lambert. “I Want It All” passa rapidamente um pano sobre tudo isto. E então chega outro dos grandes momentos da noite.

Brian May percorre o corredor do palco, que não é nada menos que uma esquematização da sua Red Special, e senta-se no “headstock”, sozinho com uma Guild F-512, uma acústica de doze cordas, para tocar “Love Of My Life”. A canção é cantada a plenos pulmões por uma Altice Arena lotada. Arrepiante. No final, sabemos que vai surgir a projecção de Freddie Mercury, com a sua voz a ouvir-se sincronizada com May, por cima da guitarra, mas é impossível não ficar com os olhos em lágrimas. Que saudades, Freddie

SOM TREMENDO

Quando a banda regressa toda, em “Somebody To Love”, o som está perfeito. Houve-se nitidamente cada nuance de percussão de Tyler Warren, das sintetizações do histórico Spike Edney (que acompanha os Queen, em digressão, desde 1984) e do groove do baixo de Neil Fairclough. A loucura torna a instalar-se no público durante “Crazy Little Thing Called Love”, a guitarrada final de Brian May é sublime. Está como o vinho, o guitarrista! A partir daqui, há mais quebras dinâmicas no concerto. Como o trovejante duelo de baterias ou a improvisação de delays de Brian May. Um momento clássico nos concertos da banda, mas que terá sido demasiado longo… Pelo meio ouvem-se as duas maiores pérolas da setlist: “Under Pressure”, evocando também o sempre omnipresente espectro de Bowie; “I Want To Break Free”, mais um tema berrado por cada garganta presente no concerto; e a arrepiante “Who Wants To Live Forever”, talvez o tema onde Lambert fique, realmente, aquém de Mercury.

O longo concerto, que tem passado a correr, aproxima-se do final, com mais um bloco de hinos: “The Show Must Go On”, “Radio Ga Ga” e, claro, “Bohemian Rhapsody”. Os guitarristas presentes no concerto terão ficado a salivar com as harmonizações cristalinas de Brian May em “The Show Must Go On”. É certo que o músico usa um harmonizer de rack da Eventide há largos anos, mas o mais provável, tendo as harmonizações soado tão vivas e correctas, é ter recorrido a outro método que celebrizou, usando duas unidades de delay para criar as sobreposições. É uma discussão que dura há alguns anos (se souberem a resposta definitiva… Digam-nos).

FINAL FELIZ

Surge a projecção de Freddie a desafiar vocalmente o público presente no mítico concerto de Wembley, em 1986. Mais emoção, mais saudade. “We Will Rock You” e “We Are The Champions” são os últimos temas, antes de soar o triunfal arranjo de guitarras de Brian May à composição clássica “God Save The Queen”. Freas, o artista da capa de “News Of The World” era um fã de música clássica e não ouvia música rock, nem conhecia os Queen. Apenas ouviu a banda depois de terminar a capa, pois «tinha receio de odiar a sua música, o que iria arruinar o meu trabalho», mas tornou-se fã da música dos Queen. Como todos nós.