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Como a Tecnologia e a Pandemia Mudaram a Indústria Musical

Como a Tecnologia e a Pandemia Mudaram a Indústria Musical

Nuno Sarafa

Mais consumo digital e mais poder dos artistas independentes poderão ser factores de grande mudança nos próximos anos na indústria.

Já estamos habituados às alterações constantes que a indústria musical tem observado nas últimas décadas. E, com o mercado da música profundamente afectado pela pandemia da covid-19, as inovações tecnológicas na indústria continuam a ter um papel imprescindível para se compreender o futuro de como a música será criada, produzida, trabalhada e consumida nos próximos tempos.

Numa era em que o consumo de música é cada vez mais digital, parece haver um protagonismo crescente de certas plataformas (de terceiros) na distribuição de música, com especial destaque para o potencial de parcerias e o crescente cruzamento entre sectores para envolver utilizadores e promover artistas de formas inovadoras. O streaming, embora altamente eficaz para chegar aos consumidores, deixa os detentores de direitos mais dependentes de plataformas de terceiros por pagarem, em geral, uma proporção mínima da receita de assinaturas. Facto que levou recentemente o governo britânico a iniciar uma investigação.

Além disso, e numa sociedade em que a busca pela atenção está para durar, a música enfrenta uma concorrência crescente de outros formatos de entretenimento. No processo de adaptação do mercado, o foco de inovações em tecnologia oferece novas ferramentas para artistas independentes para a criação de música, gestão de royalties, expansão do alcance de fãs e partilha de música de forma envolvente.

Com isso, encontram-se formas criativas de colocar o trabalho do artista debaixo do holofote mediático, como é o caso, por exemplo, de plataformas como o TikTok – que aparentemente nada tem que ver com música mas que, pelo que se tem visto, não só é actualmente uma das plataformas em que os conteúdos alcançam maior visibilidade, como é onde os artistas que nela têm apostado maior retorno financeiro têm alcançado.

Para dar um exemplo, há uns meses, o vídeo nesta rede social de um skater a ouvir “Dreams”, dos Fleetwood Mac, fez com que o tema voltasse à lista “Hot 100” da Billboard pela primeira vez desde 1977! O impacto orgânico é impressionante: a banda não só teve um aumento exponencial de ouvintes, como aumentou a sua base de fãs para um público mais jovem.

TENDÊNCIAS NA INDÚSTRIA MUSICAL

Num artigo publicado no dot.la, um site especializado nas indústrias criativas e tecnológicas, o jornalista norte-americano Sam Blake mostra como o ecossistema das startups no sector da tecnologia está prestes a acelerar duas grandes tendências na indústria musical. A primeira é a ascensão de artistas independentes. Em 2018, os “indies” – artistas que detêm os direitos da maior parte ou de todo o seu material – ganharam 6,6% do total das receitas de música gravada. Essa taxa representa um crescimento de 78% em relação a 2015, o que torna os artistas independentes o segmento de crescimento mais rápido do mercado fonográfico.

As redes sociais e as plataformas de streaming como o Spotify deslocaram o poder das editoras para os artistas. É importante notar que à medida que os artistas se tornam mais poderosos, os empresários – agentes, managers, produtores – também ficam a ganhar. No novo ecossistema musical, os empresários aumentarão a sua participação no trabalho de desenvolvimento do artista, em vez de representar apenas os seus interesses comerciais.

Em linha com a tendência do “artista dono de si”, startups na área da música têm trazido transparência e eliminado complexidades inerentes ao mercado, como a gestão de direitos de autor e processos administrativos, com modelos de pagamento mais ágeis e um maior controlo e liberdade sobre a distribuição das obras. São modelos que não seriam necessariamente oferecidos por uma editora tradicional.

O mercado internacional já acompanha esta tendência e conta com diversas empresas que ajudam os artistas a assumir o controlo da distribuição e a contabilidade das suas obras, com destaque para empresas como Bandcamp ou Create Music Group que, por exemplo, desenvolveu uma tecnologia com base na plataforma de gestão de direitos do YouTube para ajudar os artistas a ganhar dinheiro. Maior controlo nas mãos do artista significa a potencialização da liberdade com a qual o artista poderá ditar a trajectória da sua carreira. Será interessante acompanhar a mudança de comportamento da indústria a partir deste novo modelo.

Ainda segundo Sam Blake, a segunda tendência de aceleração no ecossistema de startups no sector da tecnologia aplicada à música é a transformação do que uma empresa de música fundamentalmente é. Isto porque o áudio está a tornar-se inseparável de tecnologias que abrangem inteligência artificial, jogos, redes sociais, bem como realidade aumentada e virtual. Por outras palavras, a tendência do mercado debruça-se na descoberta de estratégias de monetização que poderão abrir caminhos para a indústria trabalhar com outros sectores do futuro.

Concertos virtuais, com oportunidades de envolvimento e engajamento dos fãs transferidas para plataformas virtuais, além de experiências de imersão musical a partir de realidade virtual já são realidade com um futuro ainda muito promissor. Plataformas como a Looped, que permite que um artista crie um espaço virtual e venda bilhetes gerais e VIPs para o evento, ou a Wave, que transforma os artistas em avatares digitais e os coloca em palcos virtuais onde podem entreter e interagir com os fãs estão a oferecer novas maneiras de viralização de conteúdo musical e engajamento com fãs. Experiências de imersão musical com realidade virtual também estão a ganhar força, com destaque para empresas como a ViRvii e a Splashmob. A partir do software da ViRvii, por exemplo, os fãs poderão explorar o “Yellow Submarine” dos Beatles enquanto o álbum toca ao fundo.

Os compositores, artistas e produtores também estão a adaptar-se rapidamente a um novo padrão de distanciamento físico quando o assunto é gravação colaborativa. Embora sem a espontaneidade do encontro musical num estúdio, é interessante ver os novos formatos de colaboração no mundo virtual. Exemplo disso é a Warner Chappell 1, que tem conectado remotamente a sua comunidade de compositores de diversos locais do mundo, conduzindo diversos “virtual camps” direccionados à composição.

Certo e garantido é que a pandemia acelerou novas facetas e processos em andamento da indústria musical, com a construção de pontes entre os diferentes meios à disposição e um grande foco para o empoderamento do artista independente. Compreender essas tendências e como elas mudarão a forma da indústria significa compreender o contexto no qual a indústria da música se irá desenvolver nos próximos anos.

Enfrentamos tempos de incerteza e a imprensa não é excepção. Ainda mais a imprensa musical que, como tantos outros, vê o seu sector sofrer com a paralisação imposta pelas medidas de combate à pandemia. Uns são filhos e outros enteados. A AS não vai ter direito a um tostão dos infames 15 milhões de publicidade institucional. Também não nos sentimos confortáveis em pedir doações a quem nos lê. A forma de nos ajudarem é considerarem desbloquear os inibidores de publicidade no nosso website e, se gostam dos nossos conteúdos, comprarem um dos nossos exemplares impressos, através da nossa LOJA.

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