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Jack White e a essência do rock n’ roll

Jack White e a essência do rock n’ roll

Nero

Foi por mero acaso que não se tornou sacerdote cristão, entretanto está a tornar-se numa lenda do rock n’ roll.

A lenda conta que a combustão originária sucedeu à meia-noite numa encruzilhada, numa zona rural do Mississípi. Aí se teria dirigido um jovem Robert Johnson, munido duma velha guitarra, à procura de um negócio com o Diabo – a sua alma como troca pelo pulsar das seis cordas. O Diabo terá pegado na guitarra do jovem negro, afinou-a, tocou algumas músicas e devolveu-a a Johnson, dando-lhe o poder e a mestria para a subjugar. Foi assim o comércio, a alma para o Diabo para ter alma para a guitarra, foi assim o início do rock n’ roll.

Antes de Johnson houve outros crentes apócrifos, como Eddie James “Son” House ou Blind Willie McTell. Músicos com uma alma marcada pela dureza de séculos de escravatura, que contavam as histórias da terra, do homem e do amor. Neles juntava-se o som folk europeu [trazido pelos proscritos ou aventureiros do Velho Continente] com a dor e saudade do continente negro, do berço da humanidade, a que os seus filhos eram extraídos de forma brutal. A aspereza do som do continente americano foi-se moldando e moldando a forma dos seus olharem a vida: com riso fácil de esperança e profundas melancolias de desespero, devido a uma terra de abundância, mas na qual cada palmo foi disputado através de suor e sangue.

Os tempos mudaram. A globalização diluiu a essência. O blues e o rock tornaram-se menos viscerais. Em 1981, com seis anos de idade, um pequeno rapaz aprendia a tocar bateria e ouvia as vozes e o som daqueles santos heréticos, de alma ferida, mas enorme. Jack White confessaria em 2005, em entrevista ao 60 Minutes, que por um mero acaso não seguiu a via do sacerdócio cristão. A sede de percorrer trilhos místicos era grande, venceram-no a guitarra e o amplificador, perdeu-se na encruzilhada do blues, mas salvou a essência do rock n’ roll.

Que metade do mundo saiba cantar o riff de “Seven Nation Army” é algo espantoso. Esse riff de Jack White atingiu um nível que, se não ultrapassou, chegou a riffs clássicos como “Smoke On The Water”, “Enter Sandman” ou “Whole Lotta Love”.

Jack White trouxe, de novo, atitude ao instrumento. Não sendo, apenas aparentemente, um virtuoso, tornou-se um dos guitarristas mais importantes desta geração. Foi buscar a força de dar algumas notas à atitude dos anos 60, tornando a imperfeição um caminho de pureza. Recuperou formas de captação em desuso: a saída directa do amplificador para a mesa, sujando o som, ou manter o microfone saturado, distorcido. A estridência vocal, sob a simplicidade dum pulsar ritual xamânico na bateria, chamava-nos a um violento despertar, à constatação da burguesia auditiva de que nos havíamos tornado parte. E foi bom acolher a luz autêntica desta liturgia entre o gospel e o punk.

Feliz aniversário Jackie.