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Viagogo: Centenas de Consumidores Sentem-se Burlados Por Empresa de Revenda de Bilhetes

Viagogo: Centenas de Consumidores Sentem-se Burlados Por Empresa de Revenda de Bilhetes

Nuno Sarafa

São muitos os consumidores que praticamente todas as semanas recorrem ao Portal da Queixa ou às redes sociais para reclamarem do serviço da empresa de troca e revenda de bilhetes para espectáculos Viagogo. Em causa está uma série de práticas comerciais controversas, incluindo violações do direito do consumidor, inflação de preços e até bilhetes falsos. No Reino Unido, já houve detenções.

Uma simples pesquisa no motor de busca encaminha-nos rapidamente até várias queixas e reclamações sobre o serviço prestado pela Viagogo, a maior plataforma britânica – mas que também opera em Portugal – de troca e revenda de bilhetes para concertos, eventos desportivos ou peças de teatro.

Fundada em 2006 por Eric Baker, igualmente co-fundador da norte-americana StubHub – mais uma companhia do género e que entretanto passou a fazer parte do universo empresarial da Viagogo -, esta empresa de revenda de bilhetes para espectáculos tem sede em Genebra, Suíça, e tem sido, ao longo dos anos, imensamente criticada por inflacionar os preços na revenda de bilhetes, actuar com falta de transparência, não fazer reembolsos ou simplesmente não responder às queixas dos utilizadores. Em alguns casos, é acusada de vender ingressos falsos.

Todas estas situações controversas levaram mesmo a variadas acções legais em alguns dos países onde a Viagogo opera, como é o caso do Reino Unido, onde a Autoridade de Concorrência e Mercados ordenou mudanças nas operações da empresa.

Segundo o jornal britânico The Guardian, no Reino Unido, a Viagogo foi acusada de anunciar bilhetes inexistentes em nome de um funcionário da StubHub, o que suscitou apelos a investigações regulamentares e criminais. No seguimento das investigações, os dois promotores londrinos Peter Hunter e David Smith foram mesmo condenados a penas de prisão, em 2020, depois de terem sido considerados culpados de quatro acusações de fraude, incluindo uma relacionada com vendas especulativas.

Os Contornos do “Esquema”

Segundo essas investigações, espoletadas por um artigo do The Guardian de 2016, a GES SL, uma empresa com sede em Madrid, listou milhares de bilhetes no website da Viagogo referentes a mais de 600 eventos no Reino Unido. No entanto, organizadores de alguns dos eventos garantem que era impossível a GES SL possuir todos esses bilhetes que estava a anunciar. Isto porque, e devido à pandemia, em alguns casos, nenhum desses ingressos tinha sido realmente vendido, por causa da incerteza sobre se os eventos poderiam ou não acontecer. Refira-se que a GES SL é, segundo o Guardian, dirigida por um funcionário sénior da StubHub em Espanha.

Reg Walker, um especialista em venda de bilhetes e consultor de segurança da Iridium Consultancy, realizou entretanto compras no site da Viagogo para testar o serviço. Pouco tempo depois, os organizadores dos eventos escolhidos por Walker receberam encomendas de bilhetes, em nome de Walker, para as mesmas quantidades pedidas. Este procedimento, explica Reg Walker, indica que alguém, em nome da GES SL, se envolveu numa prática fraudulenta conhecida como venda especulativa, a qual a Viagogo, ainda segundo o Guardian, nunca condenou.

Refira-se que o esquema das empresas que utilizam este tipo de tácticas passa por anunciar bilhetes que ainda não possuem e esperar que algum comprador os encomende para, somente depois, procurarem obter alguns ingressos junto do organizador do evento. A venda é, claro está, sempre feita com preços inflacionados, aos quais acrescem taxas que nem sempre os utilizadores percebem que estão a pagar. Esta prática leva naturalmente a uma sobretaxa dos lucros, porque essas empresas não precisam efectivamente de comprar bilhetes que talvez não venham a vender, gastando apenas para cumprir encomendas seguras.

Ao Guardian, Adam Webb, da FanFair Alliance, um grupo da indústria musical apoiado por gestores de artistas como os Arctic Monkeys e One Direction, afirma que todos estes dados indicam que a Viagogo pode ser cúmplice de uma fraude global multimilionária. «A empresa está a criar activamente centenas de páginas de eventos e a permitir que um único vendedor, ligado à Viagogo, divulgue inúmeros bilhetes que não acreditamos possuir. Considero inconcebível que um negócio offshore desonesto, já sob a investigação dos reguladores do Reino Unido e com uma história tão atribulada, possa continuar a funcionar desta forma. O Viagogo deveria ser objecto de uma investigação criminal completa».

O mesmo artigo cita a banda indie escocesa Arab Strap, que declarou: «É revoltante pensar que os nossos concertos podem levar os fãs a serem enganados por aquilo que é agora uma indústria florescente e imoral. Ninguém merece lucrar com os concertos a não ser os músicos, as equipas, os promotores, o pessoal do bar e todos os que trabalham nos eventos. Um bilhete só deve valer o preço impresso no mesmo».

Fraude em Bilhetes para Concertos em Portugal

Por cá, a empresa continua a operar e, em muitos casos, a burlar, alegadamente, os consumidores. Em Portugal, há imensos comentários negativos e queixas por parte dos utilizadores do site. Basta acedermos ao Portal da Queixa ou ao site da Deco – Defesa do Consumidor para percebermos o calibre das práticas desta empresa.

«Comprei 2 bilhetes para o concerto da Mariza para dia 21 de Maio pelas 21:30 nesta plataforma. Nunca recebi nenhum e-mail com a confirmação da compra e só terei os bilhetes de forma electrónica dia 19 de Maio. […] Nunca fui informada que estava a comprar numa plataforma internacional e teria custos acrescidos ao preço dos bilhetes. Paguei 111.25€ por 2 bilhetes para a bancada e mais alguns euros ao banco pela compra internacional. O preço praticado para o mesmo concerto é de 35€ cada», diz uma consumidora. Noutra queixa, pode ler-se: «Comprei 2 bilhetes para Sam Smith a 80€, num local vendido normalmente a 60€ noutras bilheteiras. O pior foi terem acrescido taxas de reserva, taxa de serviço e IVA prefazendo o total de 221,93€, em vez dos 160€ que pensava pagar. Só quando validei o pagamento é que surgiu o valor final sentindo-me assim burlada. Pretendo a devolução da totalidade do valor pago, ainda por cima os ingressos vem com o nome de MAR TOUR e não há forma de comunicar com eles!».

Recentemente, o músico Miguel Araújo partilhou inclusivamente um post na sua conta do Instagram com um texto de uma fã sua que diz ter sido enganada depois de lhe terem sido cobrados 195€ por dois bilhetes que, no final de contas, nem sequer eram válidos. «Não comprem bilhetes no site da Viagogo. Apenas nas fnacs, na ticketline e nas bilheteiras do @campopequeno e @superbockarena. Para o dia 21 de Maio não há mesmo bilhetes, cuidado com sites como o da Viagogo!», escreveu o músico na legenda da publicação. Como reacção a essa mesma publicação, os comentários dos seguidores do músico portuense são inúmeros e elucidativos relativamente às práticas abusivas da Viagogo.

A Arte Sonora tentou, por diversas vezes, entrar em contacto com os responsáveis da Viagogo em Portugal para obter esclarecimentos sobre esta situação, mas não obteve qualquer resposta por parte da empresa.