A “Dona Vitória” dos Uaninauei
“Dona Vitória” é o segundo álbum dos alentejanos Uaninauei, quatro anos depois da estreia com “Lume de Chão” e um ano depois do EP “Menina Vitória”, já está disponível para compra.
Ensaiar «ao ar livre, ao pé das ovelhas, dos pavões e dos patos» não é para todos, e certamente que inspira de uma forma que quatro paredes suadas, de uma garagem, não pode fazer. Os Uaninauei vêm de terras alentejanas, mas foi em Lisboa que nos sentámos com os guitarristas Alexandre Tavares e José Lopes, na altura do EP “Menina Vitória”, onde não faltaram perguntas sobre o novo álbum “Dona Vitória”.
Como é que se conheceram?
Alexandre Tavares: Já nos conhecemos desde miúdos, desde a altura do liceu. Tirando o vocalista, que chegou mais tarde. Já tivemos bandas anteriormente, tudo à base do rock, coisas também mais acústicas. Há cinco anos começámos a juntarmo-nos, já estavamos separados há algum tempo, outra vez. Não tinhamos espaço para ensaiar, e a avó duma amiga nossa emprestou-nos um espaço numa quinta, para ensaiarmos lá. Começámos a fazer temas e estávamos à procura de um vocalista, surgiram ainda duas pessoas, mas deu alguns problemas. Entretanto, apresentaram-nos o Daniel Catarino, que colou perfeitamente e era da nossa onda, e assim ficou. Começámos a fazer temas, ele começou a fazer letras para as músicas que já estavam feitas, e daí apareceu o primeiro álbum. Começámos a entrar em concursos para angariar dinheiro, para depois ir para estúdio fazer a gravação do disco, e cumprimos os objectivos de ir gravar com o Marco Cipriano, em Corroios. Saiu então o primeiro disco, que é o “Lume de Chão”, e correu bem. Isso foi em 2010, depois demos uma data de concertos pelo país todo… Tem corrido bem, dentro do possível. Apesar de algumas ajudas, basicamente somos nós que fazemos tudo.
É possível encontrar diferenças de sonoridade entre o “Lume de chão” e o novo ep “Menina Vitória”. Como é que foi este processo?
José Lopes: Foi natural. No primeiro estávamos um bocado ansiosos, todos motivados para fazer rock, era uma mistura de ideias muito grande e, se calhar, não filtrámos isso da melhor forma… o que não é mau, também. Neste já tivemos um bocado mais de cuidado nessa parte criativa. Basicamente foi isso.
Assumem influências tão díspares como Carlos Paredes e Devo, como é que gerem essas influências entre vós?
Lopes: Todos os cinco, gostamos de variadíssimas coisas. Não há um que goste só de metal e outro que goste só de jazz. Depois, na parte da criação e da composição, tentamos arranjar ali um zona de conforto para todos e, claro, que nos dê prazer.
Que diferenças é que sentiram, enquanto banda, na experiência em estúdio, entre a gravação do primeiro álbum e a gravação do segundo?
Tavares: Ao irmos para estúdio temos uma percepção diferente de como a coisa é feita. Como é produzida, misturada, gravada, captada… Acontece muitas vezes alterar-se algumas partes de músicas ou criar arranjos depois mais tarde. Também tínhamos esse privilégio de gravar as bases da bateria, das guitarras, do baixo, etc., e depois ir enriquecendo também a coisa com um solo aqui, um arpeggio ali. Muito à base de estudar efeitos, sonoridades de guitarras, de amplificadores e de pedais, de coisas que iam surgindo, ideias que iam aparecendo depois de ouvirmos as pré-produções. Também tínhamos a vantagem de ter tempo para fazer as coisas com calma. O pessoal do estúdio também nos deixou à vontade, era uma questão de combinar e podíamos ir lá: «não estou satisfeito com esta parte do baixo ou da bateria ou qualquer coisa». Fomos melhorando a coisa e estamos todos satisfeitos com o resultado final.
Podem esperar um bom álbum de rock, em português. Acho que, essencialmente, é isso.
Foram para estúdio com pré-produções vossas?
Tavares: O que fazíamos por base era ter as músicas… As ideias vão surgindo em casa, ou alguém faz uma malha e depois mostra à malta, depois todos vamos compondo no ensaio. Depois, quando a coisa está mais afinada e mais equilibrada, gravamos com um telemóvel ou uma câmara de filmar, o que seja. Para depois ir para casa ouvir e termos mais ideias, e ir construindo os temas assim, para ir evoluindo. Geralmente as músicas saem primeiro, depois as letras fazem-se consoante a melodia. Criamos um tema e damos logo um nome à música, sem ter letra, inspirada no ambiente que nos ocorre mais ou o tipo de som, de melodia, e depois o Daniel Catarino é que escreve as letras, vai-se inspirar para casa, e faz a parte dele.
Tendo em conta facilidades, como é que vêem a cidade de Évora, em termos musicais, comparando, por exemplo, com uma cidade como Lisboa?
Lopes: Facilidade, hoje em dia, não há muito em lado nenhum, nem em Évora, nem em Lisboa, nem em outras cidades… Mas acho que Évora tem uma coisa boa, sempre teve muita música, muitos projectos, muita coisa a acontecer. E talvez isso tenha sido uma influência também para nós. Mas há cidades que não, onde há menos música a acontecer.
Tocaram este ano no Optimus Alive!. Como é que foi a experiência?
Lopes: Foi interessante. O palco era o Pórtico, mas pronto, foi…
Tavares: Estamos interessados em tocar… E divulgar o trabalho. Mas foi uma experiência muito engraçada e deu para conhecer muita malta e divulgar o trabalho. Tivemos muitas pessoas interessadas e compraram CDs. Foi uma experiência gira, mas a nossa ideia, como todas as outras bandas, é tentar chegar aos outros palcos, aos palcos maiores, em horários nos quais apanhes mais gente, mas ali correu muito bem.
Abordam temas sociais. O estado das coisas influencia-vos?
Lopes: Acho que é inevitável.
Tavares: Quando estamos a compor, queremos falar do que se passa nas nossas cabeças, do que é que nós sentimos. E tanto pode ser de uma história, que temos numa música, que se chama “Aldeia Sem Taberna” – que fala de uma pessoa que “leva com uns cornos” e depois vai afogar as mágoas para uma aldeia que não tem taberna, e isso torna-se algo de muito complicado… [risos]
Lopes: Essa música vai estar no álbum “Dona Vitória”.
Tavares: Também há essa parte muito cómica e lúdica, vá. Isso essencialmente é o Catarino, é cabeça dele a mexer.
Lopes: Isto era uma malha que já tínhamos há 15 anos, para aí. Ouvíamos aquilo e dizíamos: «isto é a música mais triste do mundo». São uns acordes um bocado pesados. Então, um dia, estávamos os cinco num carro e perguntámo-nos o que é a coisa mais triste do mundo? É um “gajo” levar com um par de cornos e não ter uma taberna para beber um copo [risos].
Quem é a “Dona Vitória”?
Tavares: É a senhora da quinta. É a avó da Tânia, uma amiga nossa, que, desde o início, nos proporcionou a quinta dela. No verão ensaiamos ao ar livre, ao pé das ovelhas, dos pavões e dos patos… É só levar uma puxada de electricidade e vamos para o meio do campo e montamos o material todo ali. No inverno, é mais na casa das matanças [risos]. Às vezes, há borregos pendurados a sangrar e estamos lá nós a ensaiar, é giro. É uma senhora espectacular e se não fosse ela, se calhar, não andávamos aqui.
O que é que as pessoas podem esperar do álbum “Dona Vitória”?
Tavares: Podem esperar um bom álbum de rock, em português. Acho que, essencialmente, é isso. Muito variado, com muitos temas, com temas que se focam, essencialmente, na sociedade, nos dias que correm. Contam-se histórias, personagens, situações. Há de tudo um pouco, política também à mistura.
Lopes: Há músicas mais curtas, mais para a rádio, há outras músicas mais elaboradas que contam histórias, também.