A montanha também fala: entrevista com os Killimanjaro
O trio de Barcelos vai voltar a Lisboa, já na próxima quinta-feira, num concerto assinado pela Arte Sonora e pela Loud!.
Os Killimanjaro lançaram “Hook”, o primeiro longa-duração, este ano, pela Lovers & Lollypops, e, depois de passarem pelo palco do Milhões de Festa e Vodafone Paredes de Coura, voltam a Lisboa para mostrar como se faz o rock barcelense. José Gomes (guitarrista e vocalista) falou-nos um pouco sobre a história musical de Barcelos, as diferenças entre as cenas rock do sul e do norte do país, e, como é óbvio, da sua própria banda.
Já lá vão três anos, com um EP e um LP pelo meio. Contentes com o caminho percorrido?
Sim. Ainda que, falando mais dos discos que gravámos, nunca achámos que fossemos uma banda boa no estúdio. Estamos sobretudo contentes com o que temos conseguido em concerto, porque acho que temos conseguido transmitir aquilo que queremos enquanto banda. E, de certa forma, se chegámos um bocado mais longe acho que foi por causa dos concertos. Então é um bocado sentimento de missão cumprida.
Que diferenças sentiram entre editar por uma netlabel (BOTR) e agora pela Lovers & Lollypops?
A Barcelos on The Rocks fez um edição online, e nós fizemos uma edição física, assim uma cena muito do-it-yourself, feita por nós. Ia dizer que a exposição é maior [pela Lovers], mas o ponto de comparação nem é muito linear. Houve pessoal que nos ficou a conhecer, independentemente da Lovers ou da Barcelos on The Rocks mas, na altura, a BOTR foi uma cena altamente para chegarmos a um primeiro público, talvez um público mais próximo, que decorou o nosso nome, de certa forma. Agora com a Lovers é todo um outro ramo de contactos, o facto de eles terem bandas que tocam muito fora, e num circuito que até encaixa no nosso género, mas a uma escala muito maior… claro que agora, ao lançar pela Lovers, sentimos que há um salto enorme, sobretudo ao nível de exposição, de conseguirmos chegar a mais gente.
Uma diferença (em Paredes de Coura) é, no antes, sabermos que estamos a tocar num dos maiores festivais do país, mas depois de subir ao palco é um concerto que tem que ser como os outros!
Tocaram recentemente nos dois dos mais importantes festivais da actualidade: Milhões de Festa (pela segunda vez) e Paredes de Coura. Sentiram diferenças entre tocar na vossa terra natal e em Paredes?
Por acaso, foi engraçado porque em Paredes de Coura, a maneira que está montado o palco, permite-nos ver as caras de quem está à nossa frente. E é muito perceptível… conseguimos ver as pessoas e conseguimos identificar quase toda a gente. Tínhamos “bué” gente nossa amiga a ver o concerto, mas também outras pessoas que não conhecíamos, tal como no Milhões. Mas claro, é sempre diferente, no Milhões é jogar em casa, e em Paredes de Coura, apesar de não ser muito longe, é jogar fora. Também já tínhamos tocado em Paredes de Coura, não no festival, mas na terra, e tal… sei lá, estávamos relaxados, não há uma diferença assim tão grande. Uma diferença é, no antes, sabermos que estamos a tocar num dos maiores festivais do país, mas depois de subir ao palco é um concerto que tem que ser como os outros!
“Hook” como primeiro longa-duração denota já uma grande maturação de banda. Killimanjaro foi a vossa primeira banda, ou já andaram a aquecer antes por outras paragens?
Eu já tinha tido uma banda, era só eu e um baterista, chegámos a ter um baixista por pouco tempo, mas nem saímos de casa, tínhamos duas ou três músicas e nem chegámos a dar concertos. O nosso baixista [Luís Masquete] também teve outra banda, mas também só deram um ou dois concertos, nunca gravaram nada. O baterista [Joni Dores] também já tinha tido bandas há uns quatro anos, coisas mais na onda pop/rock, mais corrente, e coisas também mais locais. Posso dizer que para nós os três, Killimanjaro foi a maior banda que tivemos até hoje.
A água de Barcelos está contaminada com alguma espécie de químicos rockeiros? Como é que uma cidade relativamente pequena tem uma cena rock tão forte?
A água de Barcelos é a mais cara aqui da zona. Já houve muitas polémicas com a água de Barcelos, não sei se andava para lá o rock à mistura ou não… Mas falando mais a sério…bem, esta história já foi contada muitas vezes. Sabe-se que esta cena começou, não nos anos 90, porque existiram bandas antes, mas nessa década houve um movimento forte, mais do rock experimental e da música alternativa, como eram os Kafka ou os Astonishing Urbana Fall, mais tarde. E esse movimento mostrou um bocado que existe margem para bandas pequenas crescerem… os Kafka na altura tiveram uma exposição enorme. Posso dizer que nasci em 94, e agora muito pessoal com quem partilho o palco já andava a tocar ainda andava eu em fraldas… Acho que foi muito a cena de passar uns para os outros, e é muito a cena da observação. Lembro-me que quando comecei a sair à noite, e descobri na altura Black Bombaim, Aspen e outras bandas, foi muito a cena de conhece-los pessoalmente, parar nos mesmos cafés e aprendia-se muito assim. Aprendia-se onde é que podes ir tocar, o que deves ou não fazer. A cena espalhou-se muito naturalmente.
A água de Barcelos é a mais cara aqui da zona. Já houve muitas polémicas com a água de Barcelos, não sei se andava para lá o rock à mistura ou não…
Crescer nesse ambiente foi peremptório para os Killimanjaro se formarem?
Sim, teve muita influência. E sabes que estas cenas, principalmente quando somos mais “xavalos”, funcionam um bocado por moda, e só depois mais tarde é que se pensa se foi ou não. E, se calhar, o que queríamos fazer quando começámos a banda não é o que estamos a fazer agora. E apesar de o pessoal continuar a dizer que somos uma banda de stoner rock, não queremos ser uma banda de stoner rock típica, porque quando começámos era um bocado moda, e não queríamos que fosse igual às outras todas. Mas claro, não podemos dizer que não teve influência, porque de facto teve. E talvez Black Bombaim sejam uma das maiores influências enquanto banda, não só pela música que tocam, mas pela afinidade que temos com eles e apesar daquilo que eles conseguiram alcançar, continuam próximos de nós, ainda assim.
Para não falar em separação, achas que há diferenças entre o rock do norte e o rock do sul do país?
Em relação ao sul, falando em Lisboa, que sendo uma cidade muito maior, e as cidades estarem também mais afastadas umas das outras, a separação acaba por ser inevitável também por uma questão geográfica e do grande número de pessoas que há. Se calhar em cidades como Porto, Barcelos e Viana do Castelo, que são cidades mais pequenas e mais próximas umas das outras, é sempre mais fácil pessoal de vários sítios conhecer-se e encontrar-se. E é mais provável que, por exemplo, num festival de Viana do Castelo vás encontrar pessoal de Braga, do Porto, de Barcelos, de Caminha, Guimarães… Se calhar em Lisboa, como há muitos mais festivais, as cenas são muito mais específicas, vão ser grupos mais restritos. A separação pode ser involuntário, mas acredito que aconteça. Apesar de a maioria do pessoal que conheço das bandas rock do sul se conhecerem uns aos outros. Por exemplo em Barcelos isso não acontece por géneros. O pessoal conhece-se, e tanto vale estar a tocar folk, como rock, como o quer que seja. Como isto é pequeno o pessoal conhece-se.
Já não é a primeira vez que tocam em Lisboa. Agora para o Rock Sessions, vêm cheios de garra?
Claro que sim! Até porque este mês vai ser um mês forte, depois temos também o Reverence aí perto. Tem que ser sempre em alta!
Fotos: João Garcia