Black Sabbath, Os 50 Anos de “Master Of Reality”
Depois de terem inaugurado o heavy metal no seu álbum de estreia e de terem redimensionado o seu som em “Paranoid”, os Black Sabbath criaram a sua obra-prima com “Master of Reality”, tendo aí cimentado para a eternidade as fundações do doom, stoner e sludge…
Há marcadamente um antes e depois dos Black Sabbath na música. A própria banda foi, sendo grande sucesso, outras bandas: The Polka Tulk Blues Band, Polka Tulk e Earth. Já agora, em 2017, a Cvlt Nation desenterrou uma demo produzida pelos Earth nos anos 60. É no mínimo, fabulosa. Não se consegue ao certo saber a veracidade total da coisa, mas parece legítimo e soa bem para caracinhas. Aliás, “The Rebel” e “When I Came Down” são – entretanto comprovadas demos dos Earth/Sabbath, as outras duas não há certezas…
Nas palavras da publicação original: «Os Black Sabbath, quando ainda se intitulavam Earth em 1969, já andavam a produzir grandes malhas. Malhas que mais tarde se transformaram no tipo de sonoridade característica dos padrinhos do doom e que apresentavam um tipo de som muito à frente no tempo. Algumas faixas aparentam até misturar algum free jazz com ácidos». Por aqui, achamos que tem um vibe bem bluesy e o som de guitarra que viria a surgir em “Vol.4”! Ouve a demo de 1969 dos Earth aka Black Sabbath no player abaixo.
Portanto, os Sabbath eram os Earth. Até que a mistura dum clássico de horror da 7ª Arte [“Black Sabbath”, de Mario Bava e com o ícone Boris Karloff] com os escritos do ocultista Dennis Wheatley e um delírio de Geezer Butler, no qual viu uma silhueta negra a olhá-lo dos pés da sua cama, deram origem ao tema “Black Sabbath”, ao álbum do mesmo nome e à maior e mais influente banda de heavy metal de sempre.
Como convém a um álbum lendário, “Black Sabbath” foi arrasado pela crítica mainstream da época. O uso do Trítono, a “Nota do Diabo” era pouco recorrente na música popular, sendo mais famoso nas peças clássicas de tensão saturada – a mais famosa será, provavelmente, o 1º Movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. Contudo, essa harmonização negra tornou-se a pedra angular a partir da qual se erigiu todo um género musical. Nunca um guitarrista no rock havia baixado a sua afinação a Eb, D ou C#. Ainda no mesmo ano, em 1970, tornaram-se gigantes com “Paranoid” a ecoar com a mesma força das sirenes bélicas de “War Pigs”, mas haveriam de ser ainda mais decisivos com “Master of Reality”, tendo aí cimentado para a eternidade as fundações do doom, stoner e sludge…
O som de “Master Of Reality” tornou-se mais cheio e mais pesado. Com a tensão das cordas reduzidas, a viagem vibratória das frequências tornava-se maior, logo mais lenta, e a secção rítmica, com os bpm reduzidos, tornou-se mais demarcada. O arrastamento sonoro criava uma ilusão lisérgica. O som, pouco processado, diz Mick Wall, na biografia “Black Sabbath: Symptom Of The Universe”, «desprovido até de reverb (…) era como ossadas secas desenterradas de uma qualquer sepultura no deserto». O deserto. O local do xamanismo, de coiotes e do sumo fermentado do agave.
“Master Of Reality” abria com o loop de Iommi a tossir a baforada num charro, seguido pelo riff com aquela progressão descendente árida e pesada, e “Sweet Leaf”, monolítica e psicotrópica, tornou-se uma ilustração perfeita do stoner (pedra/moca/pedrada) rock. A partir daqui, qualquer puto que alguma vez pegue numa guitarra eléctrica, tendo a sorte de ter este álbum em casa, passará a ser um zeloso devoto dessa religião antiga – de criar paredes de pedra, hash e groove em honra a pré-divindades obscuras, imensas, silenciosas e nihilistas.
O terceiro álbum dos Sabbath é a pedra angular da tetralogia sagrada com a qual banda reescreveu a história da música. Um diário proibido sobre a importância dos narcóticos como potenciadores da capacidade criativa – Iommi, Ozzy, Ward e Butler surgem como pitonisas em transe psicotrópico, a inalar o fumo e o pó da criação eléctrica. É também o álbum em que, como nenhum outro, se sente mais o extraordinário peso das tecelagens graníticas de Iommi, ele que foi o Ferreiro que inventou o martelo e a bigorna que haveriam de mudar para sempre a história da própria guitarra eléctrica. Iommi erigiu dólmens com as mãos.
Vinte anos depois, bandas como Cathedral ou Sleep começavam a extremar o peso e pedrada de “Master Of Reality”. E a história dos Sleep e de “Dopesmoker” vale a pena ler.
Há dezenas de clones de Sabbath e centenas de artistas inspirados pela lendária banda britânica. Para dar um exemplo local, os Savanna são uma das bandas nacionais com mais pinta que temos ouvido. Depois do excelente primeiro álbum e de terem lançado o segundo, numa edição NOS Discos, com grande classe, a banda deu um pulinho aos Pontiaq Studios para gravar uma versão uber espectacular do mega clássico “Lord Of This World”, malhão do quintessencial “Master Of Reality”, dos Black Sabbath.
O tema foi gravado e misturado por Miguel Vilhena, a masterização ficou a cargo de Xinobi. A versão dos Savanna respeita a essência pesadona do original e consegue acrescentar uma estimulante elasticidade electrónica, com arranjos sublimes e cheios de bom gosto. Para ouvir em repeat.