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Glenn Hughes: Há (mais de) 50 anos ao serviço do rock

Glenn Hughes: Há (mais de) 50 anos ao serviço do rock

Rodrigo Baptista

Com passagem por Portugal marcada para 10 e 11 de Maio no Casino do Estoril e Coliseu do Porto, respetivamente, para celebrar a sua carreira com os Deep Purple, falámos com a “Voz do Rock” Glenn Hughes em jeito de retrospetiva sobre a sua entrada na banda, a escrita do álbum “Burn” num castelo gótico, a sua relação com um baixo muito especial e um dos concertos mais icónicos da formação Mk III.

Glenn Hughes dispensa qualquer tipo de apresentações, afinal de contas faz parte de uma realeza musical britânica muito restrita que está praticamente em vias de extinção. De qualquer das formas, aqui vai uma pequena síntese para aqueles que possam não estar tão familiarizados com esta instituição do rock. Glenn nasceu em 1951 em Cannock, Staffordshire. Desde cedo Hughes demonstrou predisposição para a música e aos 14 anos já tinha formado a sua primeira banda, os Finders Keepers. Mas foi só em 1969, já com a banda de funk rock Trapeze, que Glenn começou a ser notado, particularmente nos EUA, como um exímio vocalista e baixista. O seu talento nato abriu-lhe as portas para os maiores palcos do mundo, quando se juntou aos Deep Purple em 1973 para fazer parte das formações Mk IIII (73-75) e IV (75-76) da banda. Entre a sua carreira a solo, uma breve passagem por uns Black Sabbath descaracterizados ou as mais recentes participações nos supergrupos Black Country Communion e The Dead Daisies, Glenn Hughes sempre se manteve fiel à sua filosofia, isto é, a de servir o rock da melhor maneira possível, e que é como que diz, com a sua voz única, que, mesmo passados mais de cinquenta anos de carreira continua a não mostrar sinais de envelhecimento. 

A 10 de Maio no Casino do Estoril e a 11 no Coliseu do Porto vamos poder testemunhar toda essa jovialidade não só vocal, mas também de espírito que Glenn Hughes transmite. Sob o mote “Glenn Hughes Performs Classic Deep Purple Live” a Arte Sonora falou com o próprio e narra aqui numa breve retrospetiva esse momento em que os destinos de Hughes e dos Deep Purple se encontraram, resultando assim na gravação de um dos melhores álbuns de rock da história.

Em abril de 1973, Ritchie Blackmore, Jon Lord e Ian Paice foram assistir a um concerto dos Trapeze, ex-banda Glenn Hughes , no Whisky a Go Go em Los Angeles, pois já tinham o jovem baixista em mente para substituir Roger Glover. No entanto, a abordagem a Hughes só viria acontecer noutro concerto já no mês seguinte. Sem ter conhecimento das alterações que estavam a acontecer na formação dos Deep Purple, Glenn recorda: «Eu não sabia que o Roger ia sair da banda. Eles também viram-me a tocar algumas vezes na Europa, nomeadamente em Londres, e fiquei surpreendido com o convite deles. Eu já era amigo do John Lord e do Ian Paice, mas ainda não tinha muita proximidade com o Ritchie Blackmore.»

Glenn inicialmente recusou a proposta, porque sentia que os Trapeze estavam a crescer e também porque considerava-se mais vocalista do que baixista. No entanto, quando os Deep Purple lhe comunicaram que o objetivo era recrutar Paul Rodgers (ex-Free), para o lugar de Ian Gillan, e transformar a banda num grupo com dois vocalistas, Glenn repensou a sua decisão. Como dita a história, Rodgers acabaria por não ser contratado, pois já estava a dar os seus primeiros passos com os Bad Company (e certamente que muitos, tal como nós, ainda pensam como seria uma banda com estas duas vozes lendárias do rock britânico). A escolha recaiu então sobre um jovem vocalista desconhecido de seu nome David Coverdale, que, após enviar uma demo, foi selecionado para uma audição e consequentemente escolhido como frontman da banda. Apesar de descontente com a ausência de Paul Rodgers, Glenn manteve o seu interesse na ideia de participar numa banda com dois vocalistas principais e assim ficou reunida a formação dos Deep Purple que viria a ficar conhecida como Mk III.

Na segunda metade do ano, os Deep Purple focaram-se em escrever o seu oitavo álbum, algo que se revelou um desafio, pois tinham agora a difícil tarefa de demonstrar que ainda existia mais vida e qualidade musical para além das saídas de Gillan e Glover. Para a tal a banda alugou o Clearwell Castle, uma fortaleza com 300 anos no oeste do Reino Unido, onde longe das distrações se focaram única e exclusivamente na composição de “Burn”.

«A nossa ideia foi mesmo essa, fecharmo-nos num castelo antigo e escrever o álbum.» diz Glenn. «Foi realmente assustador porque nós passámos duas semanas em Setembro de 1973 nas masmorras de Clearwell a escrever e ensaiar. Só mais tarde, em Novembro, é que começámos as gravações em Montreux, na Suíça

Durante as sessões de composição e gravação de “Burn”, Glenn teve sempre consigo um parceiro muito especial, o seu baixo Rickenbacker 4001 Sunburst de 1972. Hughes utilizou o baixo até às primeiras datas da tour em 1974, depois ofereceu-o ao seu par Geezer Butler, dos Black Sabbath, e adquiriu um Fender Precision de 1962, que infelizmente acabaria por ser roubado em 1976. Sobre a sua relação com esse Rickenbacker, Glenn refere: «Primeiro tudo o que tenho que dizer é que o Geezer é um grande amigo meu. Esse Rickenbacker é realmente um instrumento muito especial, que eu adoro e que me marcou bastante. Falei várias vezes com ele sobre isso, mas não me quer vendê-lo.»

Até então, Glenn nunca tinha estado numa banda que envolvesse dois vocalistas principais. Toda esta nova dinâmica fez com que o baixista e vocalista tivesse que pensar as suas ideias musicais de forma diferente, nomeadamente as suas linhas vocais, que tinham que encaixar nas que David Coverdale também escrevia.

«Este foi o primeiro álbum que ele gravou», diz Hughes. «Eu ajudei-o e trabalhámos em conjunto nas várias ideias para perceber quem é que cantava o quê.»

“Burn” seria editado em Fevereiro de 1974 e rapidamente a Mk III fez-se à estrada para promover o novo trabalho. Da tour destacam-se vários concertos como o da San Diego Sports Arena, a 9 de Abril, imortalizado no álbum ao vivo “Perks & Tit” ou o do Gaumont State Theater, em Kilburn, a 22 de Maio, que deu origem ao álbum “Live in London”. Contudo, o mais icónico foi sem dúvida nenhuma o concerto no festival California Jam, a 6 de Abril, onde os Deep Purple tocaram para cerca de 250.000 pessoas. Com transmissão televisiva através da ABC ainda hoje este concerto é falado aquando da menção dos concertos mais emblemáticos da história do rock. Atiçados por desavenças com os promotores, os Deep Purple acabaram por proporcionar um espetáculo feroz e extasiante como poucas bandas eram capazes de dar nos anos 70. Ao recordar o California Jam, Glenn refere: «Esse concerto aconteceu ainda no início da tour. Foi um concerto fantástico com uma certa sensação de perigo, como podes ver na transmissão televisa com o Ritchie a partir as suas guitarras e a explodir com os amplificadores.»

Durante os meses de Março e Abril da tour de “Burn”, os Deep Purple deslocaram-se entre estados e cidades a bordo do famoso Starship, o Boeing 720 que os Led Zeppelin usaram nas suas tours norte-americanas de 1973 e 1975. Muitas são as histórias cliché de sexo, drogas e rock ‘n’ roll de que ouvimos falar e que aparentemente aconteceram a bordo do avião. Glenn certamente que viveu muitas dessas aventuras e quando questionado acerca de alguma história que acontecera no Starship refere apenas, em jeito de suspense, que: «Era um avião muito grande e apenas posso dizer que divertimo-nos muito.»

Agora passados cinquenta anos da sua entrada nos Deep Purple e quarenta e nove da edição de “Burn”, Glenn Hughes vem a Portugal para celebrar o legado que o imortalizou como uma das maiores lendas do rock. «Mal posso esperar por estar em Portugal.», diz Hughes. «Para estes concertos estou a preparar uma setlist que irá conter cerca de seis músicas do “Burn” e, algumas faixas do “Stormbringer” e “Come Taste The Band” ( os outros dois álbuns que gravou com os Deep Purple).»

Os bilhetes para ambos os concertos ainda estão disponíveis e podem ser adquiridos aqui.