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ENTREVISTA | Mike Gaspar & Seventh Storm: Depois da Tempestade Vem a Bonança

ENTREVISTA | Mike Gaspar & Seventh Storm: Depois da Tempestade Vem a Bonança

Rodrigo Baptista

Com uma carreira que ultrapassa os 30 anos, Mike Gaspar apresenta-se como um nome incontornável do metal nacional e internacional. Depois de ter passado por bandas emblemáticas como Decayed e Moonspell, o baterista volta agora à estaca zero e apresenta-nos o seu novo projeto, os Seventh Storm.

Estávamos em 2020, em plena pandemia, quando surgiu o inesperado comunicado que anunciava a saída de Mike Gaspar dos Moonspell. Muitos foram os metaleiros que declararam que estávamos perante “o fim de uma era” e que os Moonspell nunca mais seriam os mesmos. Bem vistas as coisas , Mike não era apenas um membro dos Moonspell, era sim um fundador, um compositor e acima de tudo um porta estandarte que, ao longo de 28 anos, procurou dar a conhecer nos quatro cantos do mundo, o nome, a história e o heavy metal made in Portugal.

Contudo, e apesar do abalo causado por esta separação, Mike Gaspar não se deixou vencer pelo desafio de ter que “reiniciar” a sua carreira aos 44 anos. Com uma motivação exterior proveniente de familiares, amigos e fãs, Mike arregaçou as mangas, pegou nas baquetas e criou um projeto de raiz, os Seventh Storm. Foram vários os teasers que nos foram apresentados ao longo de dois anos com o intuito de aguçar a curiosidade, primeiro com o anúncio dos outros elementos da banda, o vocalista Rez, os guitarristas Josh Riot e Ben Stockwell e o baixista Butch Cid, depois com o desvendar do logo, mais tarde com a apresentação de pequenos vídeos dos ensaios e de fotos das sessões de gravação, até culminar com o lançamento do primeiro single “Saudade” e com o anúncio de “Maledictus”, o primeiro álbum dos Seventh Storm, a ser editado pela Atomic Fire Records no dia 12 de Agosto.

Para celebrar o lançamento do disco, a banda vai dar uma sessão de autógrafos nesse mesmo dia, a partir das 18 horas, na CARBONO da Amadora – Galerias de S. José, em frente ao CC Babilónia. Estão também confirmados três showcases com sessão de autógrafos nas lojas Fnac, nas seguintes datas: dia 2 de Setembro, Fnac do Colombo às 19 horas; dia 3 de Setembro, Fnac de Santa Catarina às 17 horas e dia 30 de Setembro, Fnac do Almada Fórum às 19 horas

Com o intuito de ficar a conhecer melhor este projeto, a Arte Sonora falou com Mike Gaspar sobre o hibridismo sonoro presente em “Maledictus”, as origens musicais dos outros elementos, a relação entre o álbum e a história/cultura portuguesa, o vínculo entre a banda e a sua nova editora, a Atomic Fire Records e ainda o que podemos esperar dos concertos dos Seventh Storm.

Quando ouvimos “Maledictus” pela primeira vez o que sobressai, para além da qualidade composicional, é a sua diversidade sonora, tanto encontramos elementos sinfónicos, como também identificamos elementos de fado e música oriental. No que toca ao heavy metal, também ele aparece nas suas mais diversas vertentes, desde o black metal ao heavy metal mais tradicional dos 80s, passando ainda pelo progressivo, patente não só na duração de diversas faixas, mas também na sua estrutura, ou o death metal melódico exposto em riffs de guitarra extremamente melódicos e harmonizados. Por cima de todos estes elementos, ainda encontramos uma voz extraordinária que alia tradição e modernidade, agressividade e delicadeza, sem nunca perder a sua índole melódica. Posto isto, gostava de saber se esta diversidade sonora foi algo planeado ou se foi surgindo à medida que vocês compunham os temas?
Tudo se definiu no primeiro ensaio. No primeiro ensaio que tive com eles, estava bastante nervoso, porque já não tocava bateria há seis meses, e nem sabia o que é que ia acontecer. Sabia que os outros membros tinham um background mais hard rock, e no meu passado, os elementos de death metal, black metal, thrash metal, mesmo o progressivo sempre fizeram parte de mim. Ao entrar neste ensaio não sabia bem o que esperar, mas sabia que tinha que dar o primeiro passo. Depois de termos feito o jam, e de parecer que já tocávamos juntos há anos, estávamos a ir numa onda muito mais hard rock, algo que esteve sempre na minha base, só que a minha carreira levou-me para outros caminhos, habituei-me a ter vozes muito pesadas e guturais, e tornou-se difícil pensar como é que iria avançar com um projeto que não envolvesse esses meus elementos. Só que no fim do ensaio, o Ben sacou um riff de black metal que me levou de imediato de volta aos meus catorze anos, quando tive a minha primeira banda chamada Decayed, de death/black metal, e ele fez-me sentir um adolescente outra vez. Então aí deu um flash no meu cérebro ao tentar juntar os dois mundos que são tão importantes para mim. A partir dali foi tudo muito mais fácil, porque era o que eu precisava, precisava de saber se eles tinham a capacidade de ir buscar outros elementos, então entrei num processo de lhes mostrar grandes influências como Bathory, Celtic Frost, Darkthrone, Obituary, Morbid Angel, e este processo foi muito engraçado, porque de alguma forma eu fui um bocado estilo historiador de metal e todos nós que somos fãs de metal somos um pouco historiadores.

Neste momento ainda todos identificamos os Seventh Storm como a banda do Mike Gaspar. No entanto, não podemos descorar a qualidade e importância dos outros músicos. Podes-nos fazer uma breve apresentação dos outros elementos e falar-nos um pouco sobre o seu background musical?
Eu não seguia as bandas deles.  Eu conheço melhor o Josh e o Lourenço (Butch), que é um grande amigo do Pedro Venâncio, ele tem um programa na 105.4, em Cascais, o Venice Beach, e até foi ele que nos ligou, ele é que começou isto tudo. Eles tinham uma banda de covers de Guns N’ Roses, mas eu não tinha noção que eles também gostavam de coisas como Parkway Drive, que eu não conhecia, vêm da Austrália, e são superpesados mas ao mesmo tempo melódicos, e aquilo foi uma chapada de ar fresco na minha cara [risos] porque eu não tinha noção que estas bandas andavam aí, estava muito fechado no meu meio e eles trouxeram um bocadinho dessas influências. O Rez teve vários projetos, esteve nos Low Torque, e sei que muitos fãs já o seguiam devido à sua voz e isso é uma ajuda neste projeto, porque já existe o interesse de muitas pessoas. O Ben, eu não conhecia mesmo, ele também vem de uma boa escola clássica de guitarra e no estúdio viu-se bem as suas capacidades, ele é uma pessoa que está sempre a compor riffs.

Apesar de “Maledictus” não ser álbum conceptual existem diverso elementos musicais e extramusicais que remetem para a nossa herança cultural e histórica. Desde a temática saudosista presente no primeiro single, passando pela capa do álbum onde podemos encontrar uma nau a desbravar os mares, numa alusão aos nossos destemidos velejadores, ou até mesmo com o segundo single, “Haunted Sea”, a aludir aos mares mais tenebrosos que os portugueses tiveram de enfrentar. Como é que vês todos estes elementos? Sentes que esta portugalidade bem vincada no álbum foi pensada para que os ouvintes/fãs consigam fazer a conexão imediata entre os Seventh Storm e o seu país de origem?
Tudo começou um bocado como um agradecimento ao povo português porque eu não nasci cá, sempre considerei a terra dos meus pais, então a portugalidade naquela altura era intensa, até mais do que se calhar em Portugal. Eu pensava que Portugal era como as comunidades emigrantes, mas quando cheguei cá as coisas eram completamente diferentes, não havia tantas festas, nem coisas folclóricas e tudo o que está associado. Mas isso é que é o lado bonito, quando somos crianças, no meu caso, eu queria era ver a MTV e estar a ver o Headbangers Ball, não queria estar a dançar o piu piu [risos]. Mas isso foi a minha vida, e essas pessoas são tão importantes para mim, tinha que pôr isso como um carimbo, ainda por cima sendo o primeiro álbum, começando uma banda nova, queria que as pessoas soubessem mesmo que somos de Portugal, porque era outra coisa que andava sempre atrás de mim nas digressões, especialmente nos EUA: Fã – “Where are you from?”, Mike – “Portugal”, Fã – “Oh, where is that?” [risos]. Ainda hoje as pessoas têm dificuldade em situar tanto Portugal como a nossa cultura, e diferenciá-la da cultura de Espanha. Acho que temos uma cultura e uma história muito vincada que ainda não foi exposta, na minha opinião, da melhor maneira, claro que há registos fantásticos, como os Madredeus, a Amália, entre outros. Dentro do cinema sabemos que é complexo, não há assim grandes filmes de Hollywood a falar da história portuguesa. Dentro das bandas vem sempre o “viking metal”, mas nós também temos os lusitanos, temos os Lusíadas, temos as aventuras, e isso tudo está muito enraizado em nós, é por isso que vem a parte da saudade, é aquele momento que é muito difícil de explicar, e foi tão importante fazer uma música dessas porque estou a dar a entender, especialmente a quem vem de fora, o que é esse sentimento. Sendo de Portugal, e tendo uma diversidade cultural tão grande, eu queria pôr isso na música e despertar esse interesse. Ao fazer um álbum temático tinha medo de depois ficar muito vinculado e de ter que agora lançar dez discos só sobre a história portuguesa, é uma coisa que tinha algum receio porque ficamos muito fechados, e com este projeto eu não quero estar fechado, quero liberdade total, então a nível de imagem são elementos que levam Portugal, mas para mim, por exemplo, a nau que está ali era o meu autocarro, era o avião que me levava aos concertos, era a aventura. Nas velas há rasgos, porque é que há rasgos? Porque há feridas, há coisas que não ficaram tratadas como deve ser, as águas turbulentas, a quantidade de acidentes que eu tive na vida, as pessoas que perdemos ao longo desta vida, isso está tudo ali no mar.

Quem vê de fora pensa que isto é gigante, mas a verdade é que eu não tenho a estrutura que tinha antes. Tenho os connects todos, mas quero que seja de uma forma honesta, talvez começar com clubes pequeninos e ir trabalhando.

Assinaram com a Atomic Fire Records, uma editora também recém-formada, mas que conta com profissionais com muitos anos de experiência, como é o caso do Markus Staiger, fundador da mítica Nuclear Blast, em 1987, e agora da Atomic Fire. Com um catálogo que conta com nomes emblemáticos como é o caso de Amorphis, Helloween, Opeth ou Michael Schenker, sentes que a Atomic Fire foi o passo acertado para ajudar os Seventh Storm, não só a lançar este “Maledictus”, mas também para proporcionar à banda um certo “following” a nível internacional que permita num futuro próximo organizar uma série de concertos lá fora?
Sim, a Atomic Fire para mim foi um milagre. Nos dias de hoje a indústria está mesmo muito difícil. Por isso, quando o Markus me contactou e disse que estava interessado em assinar a banda eu desmanchei-me [risos], porque não estava nada à espera, e depois quando vi quem era, que era a pessoa que esteve atrás da Nuclear Blast, que assinou tudo e mais alguma coisa. Se não fosse a Nuclear Blast, não tínhamos festivais como o Wacken ou Hellfest. Mesmo a maneira como eles apresentam tudo à comunidade, como eles preparam tudo, pensam em tudo, é uma qualidade alemã que eu tive nos anos 90 com a Century Media, e era apenas isso que eu queria dar aos portugueses, ao mundo e especialmente a esta banda.

Em breve os Seventh Storm vão se lançar à estrada com este “Maledictus”. Como é que tencionas organizar as setlists? Vais misturar as músicas do “Maledictus” com temas dos Moonspell ou vais incluir algumas covers?
Sim, eu estava a falar disso com a banda, temos tido isso em mente. Mas como estou tão preocupado com a promoção, porque é o primeiro disco, eu acho que depois desta fase torna-se mais fácil fazer um ciclo de tournées e álbuns. Para fazer esse passo acho que vai ter que ser como fiz com o disco, tenho que ir com calma, tenho que fazer as decisões certas, pois nunca tocámos ao vivo juntos. Quem vê de fora pensa que isto é gigante, mas a verdade é que eu não tenho a estrutura que tinha antes. Tenho os connects todos, mas quero que seja de uma forma honesta, talvez começar com clubes pequeninos e ir trabalhando. O que eu acredito sempre é que se a música chegar às pessoas, se as pessoas gostarem da música, tocar ao vivo não vai ser um problema, vai ser a parte mais fácil. A nível de temas, felizmente, só o nosso álbum é uma hora, e eu quero mesmo tocar o álbum por completo. Já falámos em algumas covers, talvez uma de DIO, também sou mega fã de Type O Negative. Quando falei com o Markus, da primeira vez, ele também me fez essa pergunta, e o que eu lhe respondi foi que há duas músicas, realmente, na minha carreira, que se tiver a oportunidade de tocar ao vivo talvez as aborde, que são a “Alma Mater” e a “Full Moon Madness”, ainda assim não quero estar a utilizar as músicas do meu passado só para vender bilhetes.

Podes ouvir a entrevista completa no podcast da AS.