ENTREVISTA | A Transformação Sonora de Mayze x Faria
Em quase 20 anos de parceria e carreira, a dupla de artistas portugueses Mayze x Faria ultrapassa a nomenclatura de DJs e Produtores Musicais, os dois ostentam diversos temas criados e reverberados por esse mundo musical.
Como bons inovadores, a dupla desde Maio de 2020 mostra uma transformação sonora acompanhada de progressões de acordes marcantes de Tech House, onde se consolidaram e continuam a inovar, para uma fase empolgante e cheia de melodias intensas com novas produções trazendo a sua assinatura e interpretação do recorte mais actual da música eletrónica moderna, o Melodic House.
“Lady of Love”, o mais recente trabalho, transporta uma mensagem de homenagem à força e à grandeza feminina na sua essência. Na música electrónica e em outros mercados ainda se vê muita desigualdade entre os géneros, principalmente no anúncio dos line-ups de festivais e eventos, tendo grande maioria artistas masculinos.
A dupla reflecte sobre o assunto, com um discurso realista. Equilibrar a balança parte do público, um pouco como equilibrar a sociedade e os direitos civis: «Isso terá que partir, simplesmente, do público dar voz e consumir mais música produzida pelos vários géneros, que são, de certa forma, empurrados para baixo. Na música não é, nem nunca se vai ser mais ou menos só por ter um sexo, género ou orientação sexual diferentes. Somos todos donos das nossas ideias e sentimentos e é bonito transmitir isso na música. Falando de géneros quem conhece bem a história do estilo que mais nos identifica, o House Music começou a ser apreciado e valorizado por todo tipo de géneros, raças e orientações sexuais, sendo o mais forte o movimento gay que existia, na altura, nos Estados Unidos. Por isso, não podemos nunca colocar barreiras, porque a música fala sempre mais alto».
Experientes, os dois produtores não têm medo da novidade. E é com esse ímpeto pelo futuro que Salomão Augusto conversa com essa dupla inspiradora, formada pelo John Mayze e pelo Miguel Faria.
Como é que chegaram até à música electrónica?
Acho que foi naturalmente. Embora na altura, em 2004, a música electrónica estivesse fechada num circuito mais pequeno. O facto de morarmos em Amares, uma vila rodeada de bares nocturnos e de um club, ajudou-nos muito a encher os ouvidos, desde muito novos, de vários estilos dentro do género que mais gostamos. Já tocávamos individualmente e percebemos que juntos poderíamos conseguir trabalhar no mesmo projecto e desde então tem sido uma viagem cheia de memórias e de projectos para o futuro.
Qual a relação entre vocês e a DAW que utilizam para a produção das vossas músicas?
No início experimentámos várias e isso também nos ajudou a entender o funcionamento e a escolher o melhor software para trabalhar. Sem dúvida que o Ableton Live foi o melhor para o nosso método de produzir e é o que usamos há vários anos.
Qual o setup ideal para vocês, ao vivo e em estúdio?
Em estúdio usamos um setup normal: um computador base, onde temos ligadas as nossas placas de som, colunas, sintetizadores e teclados – usando também os nossos portáteis para trabalhar em separado. Na nossa Live Performance usamos uma mesa Pionneer DJM-900 Nexus, um Launchpad da Novation e dois CDJs da Pionner, os 2000 Nexus, e mais quatro mãos [risos].
Seja nos órgãos de Comunicação Social especializados ou em consumo e estúdio, existe uma afirmação que diz: o passado foi analógico, o presente é digital e o futuro é híbrido. Essa afirmação faz sentido?
Para quem realmente produz, a evolução faz parte e todas as passagens são importantes e imperativas na afirmação da música. Por exemplo, ainda há sons e máquinas analógicas que nós, no digital, não conseguimos trabalhar nem igualar o mesmo som, nem de longe nem de perto. O digital veio reduzir o custo para ter o essencial para a produção e facilitar a utilização e mobilidade. Sobre o híbrido ainda é muito vago… Daqui a uns anos podemos ter as nossas opiniões mais consistentes.
Quem nasce para a música faz todo tipo de música
Como iniciam uma música? Existe uma parte do arranjo, da qual têm sempre o primeiro loop a ser criado, ou não existe uma regra?
Tudo inicia pela melodia num piano limpo ou pela batida. Depois a ideia que está na cabeça leva a que se inicie de várias formas. Mas não existem regras. Vai da criatividade e imaginação de cada um. Como temos influências e maneiras de trabalhar diferentes, na altura tudo se conjuga e vai de encontro ao que idealizamos enquanto dupla.
O projecto de vídeo “Originals”, juntamente com o último EP “Lady of Love” é um marco notório numa nova fase sonora, mais dentro do universo do Melodic House. O que motivou essa mudança?
Ao longo da nossa carreira, gostamos sempre de abordar e explorar outros estilos dentro da eletrónica, o que nos faz ser um pouco irreverentes e uma espécie de piratas. Quem produz e gosta de novas aventuras, ao sair da caixa, divaga sempre noutros mares (estilos musicais). Quebrar barreiras e tabus sempre foi o nosso forte, porque quem nasce para a música faz todo tipo de música.
Para o planeamento do vídeo “Originals”, como foi a ideia por detrás da produção dos 9 temas inéditos?
Era algo que, mesmo antes da pandemia, já tínhamos estado a trabalhar numa Live Performance bem ao nosso estilo, com viagens musicais únicas e produzidas por nós. Em plena pandemia, sem dúvida que passou pela necessidade de colocarmo-nos à prova, para abordar as novas vertentes do House Music. Iniciamos no formato live stream, mas queremos fazer com o público presente e com vídeo performance, assim que for possível.
O vosso processo de composição e criação teve alteração com a mudança sonora?
Sim. Sofre sempre umas pequenas mudanças. Mas o mais lindo é sempre a descoberta. É lá que aprendemos e crescemos enquanto produtores. Sentíamos essa necessidade, e agora ainda mais, porque a nossa história ainda está a ser escrita.
Em quase 20 anos de carreira musical, a dupla Mayze X Faria acompanhou as tecnologias indo e vindo com os anos. Como vêem o mercado musical hoje comparado ao do início da vossa carreira?
O mercado musical sofreu muitas alterações nestes últimos anos, derivadas das plataformas de venda de música e redes sociais. Comparado com o antigamente, onde falo do nosso estilo musical que precisávamos de ter 2 contos [dois mil escudos] para ter um disco novo, agora num “click” tenho a música que quero, sem gastar um tostão. O avanço das tecnologias na música tem o seu lado positivo e menos positivo. Hoje a música é fast-food e as tendências são menus que mudam todas as semanas. Estamos numa época de consumismo elevado. E temos que dar às pessoas novidades semanalmente. Agora, o passado da música, esse nunca ninguém apaga, há músicas que são imortais.
E, para terminar, como estão a ver a nova geração de artistas da música electrónica?
Estão a surgir novos talentos em Portugal que nos chamam muito a atenção. Embora alguns produtores passem despercebidos cá, pelo contrário, lá fora já começam a ter o seu espaço, tal como nós. Acho que o nosso panorama electrónico, já desde há algum tempo, precisa que apostem em sangue novo, em pessoas com novas ideias. Não o encontrando cá, esse alento é procurado e aproveitado lá fora. Esse é o nosso ponto de vista. Fica aqui uma dica para quem “corta e risca”.