Ghost, O Concílio de Meliora
As infames Gibson RD. O trabalho com um produtor surpreendente e a mistura com um dos mais importantes engenheiros da história do rock.
O novo álbum dos Ghost não apresenta mudanças radicais na sonoridade da banda. Mas tem algo mais. “Meliora” extrai o seu título ao termo latino “melhorar”. Assim que estamos a meio de “Spirit”, tema que abre o disco, sentimos que tudo é maior. Ou melhor. Melhor som, melhores estruturas, melhores melodias, melhor dinâmica. Uma das razões para isso estará nos nomes que a banda procurou para trabalhar consigo…
Klas Åhlund construiu uma reputação inatacável junto de estrelas pop como Robyn, Tove Lo e mesmo super estrelas como Madonna, Katy Perry, Kylie Minogue ou, imagine-se, Britney Spears. Sendo uma banda rock «com sensibilidade pop», os Ghost escolheram o enigmático produtor sueco para comandar “Meliora”. A ele juntou-se outra estrela da indústria. Andy Wallace misturou, gravou ou produziu, uma incontável lista de grandes discos rock nas últimas três décadas. Para simplificar, bastará dizer que o seu nome surge nos créditos de “Reign In Blood” (Slayer), “Nevermind” (Nirvana) ou “Grace” (Jeff Buckley).
Através de um dos Nameless Ghouls, ficámos a saber mais sobre as gravações do novo álbum, os métodos de trabalho da banda e o ambiente em estúdio. Sendo um dos guitarristas que nos falava, claro que tínhamos também que procurar saber mais sobre as infames Gibson RD.
Depois de terem gravado o álbum anterior em Nashville, de todos os sítios, onde gravaram desta vez?
O disco começou com três meses de pré-produção, em Estocolmo. Num estúdio pequeno, com pouca gente, onde se pode trabalhar mais livremente e durante mais tempo, sem surgir qualquer preocupação com custos. Depois desse trabalho é que começámos a gravar, efectivamente, o som que iria ficar no disco. Fomos para Los Angeles, onde gravámos as baterias. Regressámos a Estocolmo para gravar os restantes instrumentos, no estúdio do Benny Anderson. No final, o Papa Emeritus III gravou as vozes em Los Angeles. Andámos, um pouco, de um lado para o outro, entre a Suécia e a América.
Há diferenças significativas de trabalho nestes locais?
Gravar na América é sempre diferente. Temos bons estúdios na Suécia, mas são poucos. Os estúdios grandes ou estão a fechar portas ou não são usados com a frequência que acontece com os americanos. Em Los Angeles ainda existem muitos dos grandes estúdios, com vários complexos de gravação, que estão sempre com a agenda completamente preenchida. Há muita gente a trabalhar neles, muitos estagiários, muitos técnicos… Recebes um tratamento um pouco mais… Bom, creio que mais rockstar [risos].
As diferenças são mais “ambientais” que técnicas…
Na Suécia tens uma pessoa a trabalhar no estúdio e não há um estafeta que vai buscar batidos para a banda. Mas o engenheiro de som que escolhemos veio também gravar na Suécia, não tinha o seu “escravo de estúdio”, mas em termos técnicos não há diferenças significativas. Usufruo de qualquer modo. Foi bom gravar em Estocolmo, pois o estúdio possui algo tão incomum como janelas! Estávamos a gravar em Janeiro e com uma vista para uma paisagem completamente nevada. É deslumbrante.
Klas Åhlund é daqueles produtores que não trabalha com toda a gente e a maioria dos artistas de topo deseja fazê-lo
Muita gente poderá ficar surpreendida por descobrir que o Klas Åhlund trabalha, principalmente, com estrelas pop. Como o escolheram para produtor?
Quando estávamos ainda a discutir que produtores poderiam pegar no “Infestissumam”, ele era um dos nomes que queríamos. Mas, nessa altura, não sentimos uma “ligação” com ele. Sentimo-lo um pouco distante de nós. Quando iniciámos a mesma discussão para este álbum, decidimos que o queríamos mesmo e a história foi algo como: ele e a sua banda, os Teddy Bears, também estão na Universal Music sueca; acontece que numa reunião falaram bastante sobre nós e são fãs dos Ghost. Acabei por me encontrar com o vocalista deles, numa festa, e percebi que conheciam, de facto, a banda e esse é um bom começo [risos]. Então contactámos o Klas, através do seu agenciamento, e revelámos que estávamos mesmo interessados em trabalhar com ele desta vez. Quando vais estar meses a trabalhar com alguém, não é algo que converses pelo telefone. Ele mostrou-se desde logo interessado em reunir-se connosco e até fazer algumas gravações como teste.
E fizeram essas demos?
Sim. Correu muito bem e entendemo-nos quase imediatamente. Será normal que, para muita gente no mundo do rock, o seu nome seja um pouco desconhecido, mas na Suécia ele é uma grande referência. Se trabalhas na indústria musical e te moves por Estocolmo, particularmente na noite da cidade, sabes quem ele é, pois a sua reputação precede-o. É daqueles produtores que não trabalha com toda a gente e a maioria dos artistas de topo deseja fazê-lo. Ele é aquele tipo de produtor meio demónio enigmático. Nós sempre sentimos que ele era, de alguma forma, um tipo do rock. É um produtor pop com uma sensibilidade rock, enquanto nós somos uma banda rock com uma sensibilidade pop. Tinha tudo para funcionar e, como suspeitávamos, ele é um virtuoso da guitarra e os seus ídolos são nomes como o Ritchie Blackmore e o Uli Jon Roth. No final, não é uma escolha tão estranha como se possa pensar.
Ele juntou-se logo à banda naquelas primeiras sessões de pré-produção?
No passado, esse trabalho foi feito por mim e, eventualmente, por um ou dois dos outros membros da banda. Normalmente, não trabalhamos como uma orquestra de seis músicos nesse estágio. A pré-produção é um tempo em que estás no estúdio a gravar tudo e a regravar, e a regravar mais uma vez, ou a cortar uma canção ao meio e mudas tudo. Basicamente, é para composição também. Componho muito sozinho, em casa, mas é sempre bom gravar tudo e ver como funciona em estúdio. Na pré-produção é quando dissecas a canção. Por vezes sofre poucas alterações, mas também pode alterar-se radicalmente. Neste caso, a pré-produção foi feita pelo Klas, por mim e por outro dos membros da banda. Então trazes o resto da banda para fazer a sua parte.
Há muito poucas bandas na história do rock que tenham sido capazes de estar a fazer uma jam e isso soar, realmente, muito bem
É menos contra-producente?
Há muito poucas bandas na história do rock que tenham sido capazes de estar a fazer uma jam e isso soar, realmente, muito bem. É muito difícil, particularmente com seis membros, ter toda a gente a seguir na direcção certa. Preferimos sectorizar tudo e ter cada um dos membros a vir gravar e fazer sobressair a sua parte, ao invés de cada um querer fazer uma parte diferente.
Na mistura contaram com outro nome que fala por si. Pode ser atemorizador trabalhar com o Andy Wallace ou não?
Não, nada disso. Ele é o tipo mais porreiro que há. É muito paternalista, como um avô mesmo. E é muito curioso. Pensas isso, de facto, que ele é um profissional tal que te vai mandar dar uma volta e fazer ele tudo, mas na verdade possui uma mente bem aberta a novas ideias. Pergunta-te o que pensas e experimenta fazer isso, se as coisas resultarem admite sem rodeios que a tua ideia é melhor, «não sei no que estava a pensar»! É extremamente gratificante. Não admira que tenha tal reputação e tenha trabalhado em tantos discos tão bons. Dá prazer trabalhar com ele e gostaria de fazer um disco inteiro só com o Andy. Ele já deixou de produzir, mas passámos cerca de duas semanas juntos e falámos muito e talvez tenhamos, pelo menos, uma pequena hipótese de o sentar na cadeira de produtor num próximo trabalho. Pelo menos, esperamos que torne a misturar o próximo álbum.
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Uma coisa quase tão característica como o vosso visual são as Gibson RD. São modelos dos anos 70 ou novos modelos?
A preta e a branca são modelos recentes, de 2011. Estão ligeiramente modificados. Alteramos os pickups, para Seymour Duncan, com coil split, para poder usar som single-coil, e mudamos também os afinadores. O outro guitarrista arranjou agora um modelo vintage, aí de ’77, que é muito porreiro, mas… Custa-me estar a falar mal dos modelos de guitarra que usamos [risos]. Mas se conseguires uma original e a quiseres em condições, terás que alterar muitas coisas, afinal a sua fraca tecnologia foi uma das razões para nunca ter sido muito popular. É muito confortável e dá bom feeling a tocar, mas tem um som meio estranho. A uma original tens que remover toda o aparato da Moog e colocar-lhe humbuckers normais, pois os pickups activos que usava originalmente não são nada convenientes. Conseguirás um bom som, mas tens que investir nisso.
A cada álbum, a caracterização do Papa Emeritus parece ir diminuindo e a dos Nameless Ghouls ficando mais elaborada. Há aqui alguma progressão ritual, até uma revelação total dos Ghost?
Só o tempo o dirá. Muitas das características do Papa Emeritus III vão destacar-se, plenamente. Há muitos aspectos seus que ainda não são, de facto, conhecidos. Vai haver uma evolução igual, senão maior, à que já houve até aqui.
ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO EM AS#46