45 anos depois do Espaço, os Hawkwind aterram em Portugal
O génio musical de Dave Brock tem sido capaz de ilustrar os grandes temas antropológicos implícitos no desejo de conquistar o espaço. Ao fazê-lo, criou uma banda inigualável que, dia 13 de Setembro, estará pela primeira vez em Portugal.
A corrida ao espaço tornou-se uma ferramenta militar, com o seu pico de intensidade na Guerra Fria, e hoje há uma geração a quem isso já não diz nada. É certo que a ficção científica foi sempre um dos parentes pobres da literatura. Contudo, através do rock n’ roll, os Hawkwind foram capazes de construir uma carreira tão influente como criativa.
A banda liderada por Dave Brock tornou-se uma instituição capaz de oferecer ao rock discos tão brilhantes quanto instrumentistas. Basta lembrar que um dos baixistas que passou na banda foi Lemmy, antes de formar os Motörhead, o músico gravou com os Hawkwind, entre outros, três álbuns monstruosos, “Space Ritual” (1973), “Hall Of The Mountian Grill” (1974) e “Warrior On The Edge Of Time” (1975). Na antecâmara do Reverence Valada, Brock falou-nos de sci-fi, guitarras e rock.
Costumava usar uma Revox de fita de ¼” e fazer loops através da fita. Fazia muitas coisas a partir do blues
O álbum de estreia, “Hawkwind”, é de 1970 e o mais recente, “Spacehawks”, de 2013. Como foi a adaptação à própria tecnologia, que tanto mudou a abordagem de gravação de um álbum?
Queres dizer, como é que nos adaptámos a usar um computador? (risos) Bem, levou algum tempo porque estava tão habituado a usar uma mesa de mistura grande e fita. Tive que, realmente, aprender a usar um computador e um sequenciador e isso, de facto, demorou algum tempo. Parecia que tinha um bloqueio mental. Mas já consigo fazer isso bem, agora. Quando gravamos agora usamos um Mac. Tivemos um engenheiro de som que sabia trabalhar com um computador corretamente e costumava trazer o seu próprio computador para o estúdio. Ensinou-nos a trabalhar com um computador.
Se pensarmos nos primeiros sequenciadores ou loopers, podias ter um loop com 5 segundos e agora quase não há limite. Quando escrevias anteriormente, como contornavas as limitações da tecnologia?
(Risos) Costumava usar uma Revox de fita de ¼” e fazer loops através da fita. Fazia muitas coisas a partir do blues, da harmónica de blues do Sonny Terry, copiava a harmónica para a máquina, usando os gatilhos da máquina apareciam aqueles sons “tch-tch-tch”, juntos com o som da harmónica… Eram os anos 60 (risos). A tecnologia, mais do que tudo, torna-te preguiçoso. O nosso baixista, o Niall [Niall Hone], costuma tocar muita música de dança e, às vezes, acaba por apenas fazer loops do baixo e nós dizemos: «Vá lá, meu! Devias conseguir tocar isso!» (risos).
Em relação às guitarras. Encontraste o “teu” som com o Jazz Chorus. O que é que existe de tão especial nesse amp?
Não sei ao certo. É antigo, tem aquele som de Chorus realmente agradável e pode soar bastante alto, se quiseres mesmo puxar o volume. Encaixa muito bem com a minha velha guitarra, que é uma Westone japonesa, de 85 ou 86… É uma daquelas coisas que te habituas. Tenho algumas Gibson bem raras, mas já quase nunca as uso, são muito pesadas! (risos). Tinha uma réplica de uma Les Paul feita pelo Dick Knight, um luthier inglês cujas guitarras, actualmente, valem um dinheirão. Infelizmente, vendi essa guitarra, por volta de 1975, porque estava mesmo “apertado”. Ainda tenho uma velha Gibson Les Paul, que era branca mas que agora está amarelecida com a idade. Quando era um jovem conseguia com o peso de uma guitarra dessas (risos). Ainda tenho essa guitarra mas, agora, dorme debaixo da minha cama…
O Buzz Aldrin esteve para fazer uma digressão com Hawkwind
Enquanto um ávido leitor de Sci-Fi, preciso saber como é que um escritor como Michael Moorcock acaba a escrever para uma banda de rock e até a fazer parte das gravações?
Curiosamente, acabámos de gravar uma nova versão de “Sonic Attack” com o Brian Blessed, um famoso actor shakespeariano inglês, a partir da história escrita pelo Michael. Conhecemos o Michael porque ele vivia em Notting Hill Gate, no início os anos 70, e nós costumávamos tocar gratuitamente debaixo de um viaduto em Portobello Road. Ele costumava descer para nos ouvir e, uma vez, veio ter connosco e disse: «Olá, o meu nome é Michael Moorcock». Eu tinha lido muitos livros dele, “The Jewel in The Skull”, “Elric of Melniboné”… Perguntou-se se poderia recitar alguma poesia em palco e respondi que sim. Nessa altura, o nosso vocalista era o Rob Calvert, era um poeta muito bom e era um bom cantor também. Ele e o Michael costumavam recitar poesia com música eletrónica de fundo. Foi assim que nos conhecemos.
Imagino-te a vibrar enquanto assistias ao Neil Armstrong a pisar a Lua. De alguma forma, a missão espacial tomou outras matizes. Hoje em dia, as novas gerações já não pensam muito nisso…
Na nossa cozinha, temos uma imagem autografada do Buzz Aldrin, com a dedicatória «Dave e Chris, o próximo Universo» (risos). Ele esteve mesmo para fazer um concerto connosco, acreditem ou não, na verdade seria mesmo uma tour. Na América, juntá-mo-nos com a encontrámo-nos com a NASA, em Marshall [Marshall Space Flight Center]. Eles lançaram um livro chamado “Kids to Space”, para crianças de todo o mundo que perguntaram e aprendiam a lavar os dentes, etc., no espaço! É um livro verdadeiramente interessante. Nós tocámos meia hora de música, música do espaço, e os astronautas divulgaram em todas as escolas durante palestras… Tivemos sorte e para nós foi um grande momento (risos). Em relação às missões no espaço, talvez aterrar em Marte seja a próxima grande missão. O problema é deste mundo, há demasiadas coisas horríveis a acontecer e o espaço é uma espécie de último escape.
Essa é uma ideia recorrente nos teus discos…
Infelizmente, acredito que há demasiados seres humanos neste planeta (risos). Se encontrássemos um outro que fosse pristino, ia acabar destruído muito rapidamente… É uma pena, não é? (suspiro). Quando pisámos a Lua, Londres vivia uma era diferente. Agora, temos muita tecnologia, com muita coisa a acontecer. É como se o que estava nos livros de ficção científica estivesse mesmo a acontecer. É um processo muito lento, mas estas coisas estão a acontecer agora… Quero dizer, existem drones, as pessoas escavam túneis subterrâneos para poderem escapar. Isso é uma grande história de ficção científica aí, não é?
Muitas bandas de tributo são um obstáculo para bandas novas que têm ideias muito boas
No Roadburn, pude ver os The Psychedelic Warlords, do Alan Davey, tocarem integralmente o “The Space Ritual Alive”… É uma homenagem, é certo, mas o que sentes, em relação a este tipo de bandas?
Infelizmente, muitas bandas de tributo estão a ser um obstáculo para bandas novas que têm ideias muito boas. Na verdade, acho que deviam escrever e tocar a sua própria música. Chegámos a tocar com uma banda tributo aos Pink Floyd e eles tocaram tudo tal e qual como nos álbuns. Pensei «O que é que eles estão a fazer? Porque é que não saem do registo e fazem qualquer coisa completamente diferente, mesmo com aquela música?» Essa é a arte da música. Quando se copia uma música, coloca-se um feeling diferente na interpretação. Como na música jazz. Têm de improvisar. Para mim, que conheço várias bandas de tributo, reconheço que algumas têm músicos muito bons, mas muitas delas ficam-se apenas pela forma como os álbuns soam e, pessoalmente, acho que isso é MAU… (risos).
Estamos ansiosos por tocar em Portugal
Vão finalmente actuar em Portugal, quase 45 anos depois do começo da banda! Caramba, como vai ser?
Vamos tocar algumas das nossas músicas mais antigas e também mais recentes. Temos um bom espectáculo ao vivo, que vai ter uma mistura de heavy rock e electrónica… E estamos ansiosos, na verdade! Ainda me lembro de umas férias que tive aí e vou voltar, com a minha mulher! Estivemos no norte de Portugal e dizíamos sempre «Quero mudar-me para Portugal». Por isso, quem sabe…
Se te mudares para cá, não vais poder reformar-te, porque eu quero fazer uma banda contigo!
(Risos)