Pearl Jam: “Ten”, Um dos Melhores e Mais Marcantes Álbuns na História do Rock
Os 30 anos de “Ten”, dos Pearl Jam, um dos melhores e mais marcantes álbuns na história do rock.
Foi a última grande manifestação do rock alternativo dos anos 80 e a primeira grande manifestação do que seria o rock popular dos anos 90: o grunge. Mais do que uma simples variação e propagação mainstream da música que se vinha realizando no Noroeste dos Estados Unidos dos Melvins aos Mudhoney. O grunge abriu as portas do mundo a uma Cidade: Seattle. Na terra natal de Jimi Hendrix, uma nova geração de músicos trabalhou em conjunto na criação da sua própria comunidade, o seu próprio estilo, cena e identidade. Entre os seus mais ilustres representantes estaria uma banda, os Pearl Jam. Entre os seus mais notáveis registos estaria um disco, “Ten”.
Basicamente fizemos este disco 3 ou 4 meses antes de sermos realmente uma banda. É um disco com um som muito cru, um som muito jovem – Stone Gossard
Foi cerca de um ano após o desaparecimento de Andrew Wood, tragédia que ditou o fim dos Mother Love Bone logo após o lançamento do seu primeiro e único disco de longa-duração, “Apple”. Stone Gossard e Jeff Ament – que já anteriormente tinham feito parte de uma das bandas consideradas precursoras do som de Seattle, os Green River – reuniram-se com o guitarrista Mike McCready (ex-Shadow) e o baterista Matt Cameron para fazer alguns ensaios sobre composições que Stone estava na época a trabalhar. Sem qualquer tipo de condicionalismos ou objectivos o quarteto realizou um par de sessões onde reinaram a criatividade, a boa disposição e os improvisos. Dessas sessões ficou a gravação de uma cassete com 3 demos, à data, “Footsteps”, “Agytian Crave” e “Dollar Short”, tendo as últimas duas posteriormente sido renomeadas de “Once” e “Alive”.
Concluída a primeira fase de um novo processo criativo, e com Matt Cameron de regresso aos Soundgarden, Stone Gossard e Jeff Ament tinham o desejo de juntar ao projecto o baterista original dos Red Hot Chilli Peppers, Jack Irons. No entanto, a vontade de ambos nunca se veio a concretizar. Ao invés, Jack tinha um contributo bem mais importante e determinante para dar. Tinha a peça-chave que faltava encaixar no novo puzzle, tinha um vocalista… Eddie Vedder. O vocalista recebeu a demo de “Dollar Short” e enviou a sua voz gravada por cima do instrumental.
Assim que recebi e pus a tocar a cassete devolvida pelo Eddie, pensei… Isto é genial! Era algo completamente diferente de tudo aquilo que eu e o Stone tínhamos feito antes! – Jeff Ament
De San Diego, California. Eddie Vedder – um surfista tímido e tranquilo – chegou a uma velha oficina de arte, “perdida” algures numa cave em Seattle, para, juntamente com Stone Gossard, Jeff Ament, Mike McCready e o também recém-chegado baterista Dave Krusen, fazer a audição das demos que, na sua voz e escrita, tinham ganho contornos de verdadeiras canções. Na mala de viagens levou apenas uma peça, a música. No passado de influências levou apenas uma referência, Pete Townshend dos The Who. Ao fim de uma semana de audições, Eddie não só tinha cometido a proeza de escrever as letras para mais de uma dezena de canções, como deu corpo e alma a uma nova sonoridade que, mais do que arrojada e irreverente, em nada se parecia com os Mother Love Bone. Depressa esta nova “espécie” de banda – inicialmente intitulada de Mookey Blaylock – encontrava o seu líder e vocalista.
Intenso, carismático e autêntico. Eddie Vedder, como tantos outros rapazes da sua geração, veio de uma infância e adolescência atribuladas. Na voz, mais do que o notável tom grave e encorpado de barítono, trouxe para “Ten” a reflexão e a introspecção de um pensamento e sentimento comuns. Trouxe o quotidiano de um sem número de putos mal-amados e insatisfeitos, sem hérois ou histórias de encantar. Trouxe um retrato crú e directo de si próprio, onde as palavras e as descrições mais do que íntimas e sinceras eram realistas. A realidade não só do seu exemplo, mas de todos. A realidade não de um só momento, mas de um tempo. Um tempo marcado e imortalizado por um som que se viria a revelar empolgante, emocionante e extremamente absorvente. Um som como o de “Ten”.
LONDON BRIDGE
Seattle, London Bridge Studios, Março de 1991. Durante duas semanas e meia de gravações, aqueles putos que, entretanto, se passaram a designar como Pearl Jam, criaram uma mistura explosiva entre as fundações do rock clássico e um desejo impetuoso de revolta e emancipação adolescentes. Com uma escola de influências a passar dos Doors a Led Zeppelin e Neil Young, do hard rock ao punk e ao funk. Doses equilibradas de melodia, volume e ruído fundiram-se num som moderno com muito de antigo. Harmonioso, mas ao mesmo tempo agressivo e intempestivo. Letras fortes, coros penetrantes e acordes fulminantes rodaram numa correspondência sonora potente e altamente melódica. Desta troca e bem-sucedida fórmula nasceram canções como “Jeremy”, “Even Flow”, “Alive”, “Black” ou “Release”, que não só tinham um perfil e potencial extraordinários, como no ano seguinte ao seu lançamento fizeram de Ten uma verdadeira constelação de Hit Singles.
A 29 de Janeiro, a banda já havia visitado o estúdio, para uma primeira sessão de gravação. “Alive” emergiu dessas sessões para o álbum, tendo sido acrescentado o solo de guitarra já nas sessões de Março. As sessões duraram até 26 de Abril. Ament referia, em 1991, à revista RIP: «Tínhamos um calendário definido de gravações, que aconteceram pouco depois de sermos uma banda. Foi exactamente o oposto do que havíamos feito com Mother Love Bone e foi com a intenção de captar a espontaneidade e vivacidade das canções, para nos aproximar do momento em que foram escritas… Queria tornar a fazer um álbum mais crú, com maior ênfase na captação de intensidade». Outra canção emergiu das sessões de Janeiro. A canção inspirada na vida do adolescente Jeremy Wade Delle, que se suicidou na escola, em frente da sua turma, no Texas. O tema escrito por Ament foi acrescentado, depois nas sessões de Março, com o violoncelo no final e com um baixo Hamer de 12 cordas. Ament usaria ainda esse instrumento nos temas “Deep” e “Why Go”.
Nas sessões finais, os baixos de Ament foram mais desenvolvidos que nas versões de “garagem”. O produtor Rick Parashar desenvolveu algumas das linhas do instrumento junto de Jeff Ament, tal como o próprio som de baixo. É o próprio que o recorda num artigo da Guitar World, referindo-se ao instrumental que encerra o álbum, “Master/Slave”: «Lembro-me que o Jeff tinha uma linha de baixo que ouvi e pensámos numa colaboração na régie, então fiz umas programações em teclados e tudo isso; ele acabou por fazer uns improvisos e ficou gravado assim». Sobre o corpo do baixo, Parashar recorda que Ament estava insatisfeito com a dimensão dos graves providenciada pelos monitores de estúdio. «Tivemos que colocar o seu amp numa grande sala e ele sentou-se em frente ao amp, ouvindo-o também através de auscultadores».
O problema dos graves persistiu. Em Junho, já com Krusen despedido por problemas pessoais (Dave Abbruzzese ocuparia o seu lugar), Vedder, Ament, Gossard e McCready voaram para Inglaterra para trabalhar com Tim Palmer nos Rudge Farm Studios. Palmer cansara-se de LA e NY e procurou o local mais remoto possível para trabalhar. Esse isolamento deu azo a alguma experimentação, como é exemplo o recurso a um extintor como elemento de percussão em “Oceans”. Mais que excentricidade, foi uma questão logística – o estúdio era distante de qualquer loja ou serviço de aluguer de backline e essa foi a solução encontrada para simular um cowbell. Nessas sessões foi alterado o solo de guitarra de “Alive”, Palmer escreveu um solo que McCready não gostou, tendo o guitarrista tornado a refazer um solo com o que gravou originalmente e com as ideias de Palmer. Este promoveu algumas alterações também em “Black”, o que recorda: «Nunca gostei do som da guitarra na introdução, então equalizei os agudos de toda a canção, reduzindo-os e dando-lhe um som mais “rádio”. Quando surge o baixo é reconfortante ouvir finalmente algum low end».
O álbum seria editado em Agosto de 1991. A banda, que deixou de se chamar Mookie Blaylock, manteve a homenagem ao basquetebolista, titulando o disco com o número que este usava na camisola. Dizer que “Ten” é um dos registos mais notáveis não apenas do grunge, mas de toda a história do rock, é o mesmo que dizer que o grunge é possivelmente o último grande apontamento musical da cultura pop do Século XX. Para o livro de memórias, o disco de estreia dos Pearl Jamvendeu quase 10 milhões de cópias só nos Estados Unidos, sendo 13 vezes certificado disco de platina pela Associação da Indústria de Gravação da América. A par de “Nevermind” dos Nirvana, “Ten” foi sem sombra de dúvidas um dos grandes responsáveis pela revolução e afirmação de uma geração à procura de expressão e verdade, uma geração à procura de um rumo e uma identidade. Uma identidade que hoje tem 25 anos de idade. Uma identidade que nasceu e se imortalizou numa Cidade… Seattle.
As pessoas ouvem e tocam música por diferentes razões. Para mim tocar ou escrever uma canção tem que significar alguma coisa. Para mim a música é algo religioso – Eddie Vedder