Use Your Illusion, O Genial e Mal Amado Épico dos Guns N’ Roses
Com os Guns N’ Roses num acelerado processo de desintegração, o génio individual de cada um dos músicos e a megalomania de Axl Rose criaram o quádruplo “Use Your Illusion”, um dos mais épicos discos na história da música e uma das últimas verdadeiramente grandes produções do hard rock na história. Há 30 anos…
Clark Street, Chicago, 1989 – Axl Rose quebrou o seu regime de reclusão. Earl Gabbidon (o seu segurança privado), Tom Mayhew (road manager) e Steven Adler estão no quarto do vocalista a altas horas da madrugada. Ouvindo barulho, Slash dirige-se ao local, onde encontra o grupo com duas miúdas «happy-go-lucky», como as descreve, às quais é sugerido fazer sexo com os homens ali reunidos. Elas apenas concedem em praticar sexo oral a todos eles. Axl Rose explode de raiva e expulsa violentamente as jovens, confessa Slash na sua autobiografia: «A proporção que tudo ganhou foi completamente desnecessária. Para ajudar, o pai de uma das miúdas era chefe de polícia em Chicago, alguém me disse. Na final da manhã seguinte, arrumei as minhas coisas e apanhei um voo de regresso a Los Angeles».
A digressão de promoção a “Appetite For Destruction” (AFD) tinha terminado, fechando um ciclo de sucesso retumbante, ditado pelo explosivo álbum de estreia da banda. O comportamento tendencialmente auto-destrutivo da banda necessitava de ser impedido de propagar-se durante um prolongado tempo de inactividade e, por outro lado, era necessário manter a banda nos píncaros de adoração pública. Além disso, AFD tinha deixado várias composições da banda de parte, composições como a épica “Civil War” ou um esboço, ainda sem a magnitude orquestral, de “November Rain”. Assim, era imperativo colocar os Guns N’ Roses a trabalhar num novo álbum e impedir que cada um dos membros encontrasse a melhor forma de sucumbir aos seus “fun and games” de eleição. Por isso, o management decidiu mudar a banda, em segredo, para Chicago, onde poderia trabalhar longe do escrutínio dos media, do público e dos vícios da Cidade dos Anjos.
As sessões de Chicago foram um desastre. A banda mudou os seus hábitos para a noite do Midwest, passando noite após noite em excessos de consumo, com Slash e Duff empenhados em rebentar o stock dos bares próximos à “residência” da banda e Steven Adler como o mais destacado dependente de narcóticos da banda (o que faria com que nem gravasse as sessões finais de estúdio, além de “Civil War”). Izzy Stradlin começou aí o seu progressivo processo de isolamento e Axl Rose tinha uma participação errática, no mínimo, nos ensaios. O frontman iniciou aqui uma maior obsessão com o piano, enquanto Slash, nunca o escondeu, não pretendia afastar-se da alta intensidade de guitarras do primeiro álbum. Consequentemente, cada um começou a considerar que o outro não se estava a empenhar totalmente na criação do álbum. As diferentes visões sobre o som e o rumo da banda acabaram por resultar num quádruplo LP, lançado em duas partes.
A banda estava a começar a desintegrar-se. Depois das sessões de Chicago, Steven Adler agravou a sua dependência por heroína e acabou por ser despedido da banda. Parece ridículo, considerando as confissões de abusos de drogas de Slash ou Duff, nas suas respectivas biografias, mas o baterista “quebrou” na altura em que a banda começou o périplo pelos vários estúdios de gravação das sessões do disco – A&M, Record Plant, Studio 56, Image Recording, Conway Studios, Metalworks Recording Studios, entre outros. Adler não conseguia corresponder e Matt Sorum chegou para regravar tudo.
Também nesta altura, Axl Rose começou a comunicar com a banda através do seu management, criando uma distância cada vez maior entre si e os companheiros. Na sua biografia, Slash guarda mágoa desta atitude, mas admite que o isolamento do vocalista se, por um lado destruiu a banda, por outro, foi o factor que elevou a dimensão do álbum. Depois, o disco, que foi um sucesso brutal comercialmente, ganhou outra dimensão porque desde que o quádruplo trabalho foi divido em dois álbuns duplos, editados em Setembro de 1991, que os Guns N’ Roses não lançam um álbum de originais com Axl Rose, Slash e Duff McKagan. Os músicos gravaram ainda o álbum de covers “The Spaghetti Incident?”, um filler na discografia para aproveitar a onda de sucesso dos discos anteriores e da gigantesca digressão mundial que os suportou. Foi editado logo em 1993. Depois, já com a banda separada, foram editadas várias compilações e, em 2008, chegou o álbum do reino solitário de Axl Rose, “Chinese Democracy”.
Voltando ao assunto, talvez por não ser tão conciso, pareça menos bom, mas o épico número de canções inclui alguns dos maiores momentos dos Guns. Desde logo as super baladas “Don’t Cry” (alvo de reprise) e a orquestral (tudo sintetizado por Axl, todavia de acordo com a autobiografia de Slash) “November Rain”. Hoje em dia talvez se tenha tornado mais interessante “Estranged”, também por estar menos “batida”, dona dessas fenomenais “killer guitar melodies” (como se pode ler no sleeve do disco). Depois temos as canções com uma estética mais próxima do folk norte-americano, com “Civil War”, o épico mid-tempo faz a ponte com “Appetite For Destruction”, à cabeça e bem secundada por “Bad Obsession”, “You Ain’t The First”, “Dust N’ Bones”, “Breakdown” ou “14 Years”. Começaram por ser fillers e tornaram-se icónicas ao ponto de superar os pergaminhos dos temas originais, falamos das versões de “Live And Let Die”, “Knockin’ On Heavens Door”. No entanto, essas versões poderiam ter sido aproveitadas para enriquecer, posteriormente, “The Spaghetti Incident”.
Por fim, se uns temas permanecem vigorosos pelo desfiar de memórias que despoletam, tendo tornado clássicos, outros continuam com o seu tremendo poder intacto. Sejam as mais experimentais, que ensaiavam já uma espécie de progressão ou transição sónica da banda com a exploração estética de “Double Talkin’ Jive” ou os extensos e épicos “Locomotive” e “Coma”; sejam aquelas nas quais os Guns N’ Roses eram mesmo bons, as de declarada vertente hard rock, como “Right Next Door To Hell”, “Perfect Crime”, “Pretty Tied Up” e, claro, dois das melhores malhas dos Guns, de sempre: “You Could Be Mine” e “Back Off Bitch”.
Caracinhas… Bateu a saudade!