As Mais Gloriosas Baterias Rascas
Nos dias que correm poderá ser mais fácil uma bateria de gama de entrada e baixo preço soar nos mínimos olímpicos. Mas nem sempre foi assim. Em Portugal muito menos. Um número razoável de bateristas que o digam. Que atire a primeira pele quem nunca tocou numa Maxtone, Century ou Ranger.
Century, Maxtone, Ranger, Remo, Power Beat, CB Drums, Thunder, Samick, New Sound. Estes nomes – entre tantos outros – dizem-te alguma coisa?
Numa altura em que ter uma bateria já era caro para uma boa parte e ter uma bateria de uma das principais marcas, muito mais caro era, estas foram, há uns anos valentes, as marcas que inundaram garagens por este país fora.
Agora não será tanto assim. Não só porque há mais tecnologia e mais marcas implementadas, como os nomes de referência produzem alguns kits simultaneamente baratos e interessantes, para além da democratização do acesso aos mais variados acessórios, sejam peles, pratos ou hardware. Na equação entra claramente o fenómeno das lojas online, ‘relativamente’ recente, e que também veio abrir uma nova janela de perspectivas… e preços.
Mas muitos dos que começaram a tocar bateria ali até meio dos anos 1990 sabem que era mesmo assim. Num canto da garagem, lá estava o modelo ‘rasca’, normalmente cor preta, com madeira (?) muito fininha e acabamento vinílico que empolava aos primeiros raios de Sol. Para não falar do som de latão dos pratos foleiros montados em hardware que mal se segurava em pé. Muito trabalho era preciso para as pôr a soar em condições, com mil truques de afinação nas peles ou então desde carradas de fita até carradas de fita!
CARLOS BB: APERTAR ATÉ REBENTAR OS TIMBALÕES
Longe vão também os tempos em que Carlos BB António tocava numa Century à qual “se podia fazer de tudo e mais alguma coisa, que o raio da bateria soava sempre mal“. A sua primeira bateria até “era razoável“, uma Pearl Export, mas na realidade o músico (que recentemente rodou um entusiasmante produto de baterias com a AS) passava muito do seu tempo sentado ao comando de um daqueles gloriosos modelos rascas “na sala de ensaios de uns amigos, muitas, muitas vezes“, diz à AS o baterista dos Keep Razors Sharp.
“Naquela época, essas baterias custavam uns 100 euros. E então soavam a 100 euros“, refere, entre risos, acrescentando que “era impossível afinar, impossível ter notas altas ou baixas, o hardware era fraquíssimo, apertavas os parafusos até quase rebentar os timbalões e aquilo nunca soava; hoje em dia, é completamente diferente“.
E ainda bem, nota. “Tens tantas coisas que até te perdes. Há coisas para todas as carteiras. Antigamente, se quisesses uma coisa boa pagavas uma fortuna. Quando comprei a minha terceira bateria, uma Pearl Masters, paguei um balúrdio e esperei sete meses para a receber em casa. Hoje, pedes uma de 200 ou 300 paus, que até não soa mal, e chega em 15 dias. O [comércio] online alterou isto tudo“, lembra BB, que finaliza recordando os pratos… o som daqueles pratos: “Soavam a latão, eram duros e vinham sempre com esses kits. Também me lembro de tocar numa Ranger com esses pratos numa sala que frequentava em miúdo… Era mesmo muito mau!”.
SÉRGIO NASCIMENTO: O TERROR
A experiência de Sérgio Nascimento não é muito diferente. Acha que a primeira bateria, que teve aos 6 ou 7 anos de idade, era uma Dixon cor champanhe, “enorme, com bombo 22” e timbalões 12”, 13” e 16”, e que ocupava literalmente o quarto todo“, porém, “nem era muito má, aquele modelo não era muito mau“, lembra em conversa com a AS. “Não era horrrível, naquela altura já tentava ter sempre umas peles mais ou menos em condições. Eram as [Remo] Pinstripe, era o que havia na verdade, não havia mais nada“, recorda o baterista de Sérgio Godinho, entre outros.
A segunda bateria de Sérgio era uma Remo vermelha. Comprou-a quando entrou para os Peste & Sida “em Março de 1993“, recorda. E, apesar de a marca [muito mais conhecida pelas peles] estar nesta suposta lista negra, este modelo especificamente “era bem razoável“, ao contrário dos que ia encontrando nas salas de ensaio onde passava as horas do dia e da noite. “Até conseguirmos encontrar uma sala com uma bateria boa – lembro-me que foi em Moscavide – demorou o seu tempo… Até aí, era só baterias com um som horrível, peles todas avariadas, com anos e anos de uso, montes de bateristas a tocar nelas, era tudo muito mau. Era o terror”, conta, admitindo que não perdia tempo a tentar afinar: “Para quê? Aquilo nunca afinava. Era sempre em frente!“
Normalmente equipados com bombo (20”), três timbalões (12”, 13” e 16”), tarola de metal (14”), respectivo hardware e pratos – na melhor das hipóteses – em bronze (choques, crash e ride), estes gloriosos modelos rascas ainda vivem em algumas salas, garagens, quartos ou arrumos, para além de uns quantos à venda por essa internet fora. Más ou boas, péssimas ou apenas uma memória dos verdes anos, a verdade é que todas estas baterias cumpriram o seu propósito, servindo para muita gente iniciar as suas vidas à volta de um kit.
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