Ben Harper & The The Innocent Criminals, A Música Que Nos Aquece o Coração
2023-07-26, Cool Jazz, CascaisNuma noite fria e ventosa Ben Harper, e os seus The Innocent Criminals, aqueceram-nos a alma e o coração com a sua mistura de blues, folk, reggae e soul repleta de boas vibes. Entre harmonias a cappella, solos de lap steel e lições de humildade, o protagonista da noite foi mesmo o amor que Ben Harper invocou e espalhou ao longo de todo o concerto.
Falar de Ben Harper é falar de um músico com uma ligação profunda a Portugal. Desde a sua estreia em 1996, com apenas 26 anos, no mítico Transmission, na Rua de São Paulo, em Lisboa, Ben Harper já passou pelo nosso país vinte e uma vezes. Das passagens mais marcantes destacam-se a vinda aos Blitz Music Awards 97 para receber um prémio, a sua estreia no Pavilhão Atlântico em 2003, a sua participação na primeira edição do Rock In Rio Lisboa em 2004 e, mais recentemente, os dois concertos que deu na Aula Magna com a lenda do blues Charlie Musselwhite em 2018. Contudo, não é só a música que traz Harper a Portugal. Adepto e praticante do skate, quando está por Lisboa é na Praça da Figueira, local de referência da modalidade, que o podemos encontrar a sacar ollies e backflips. Como qualquer californiano que se preze, Ben Harper também é um ávido praticante de surf e, naturalmente, quando vem a Portugal também é nas ondas que encontra o seu refúgio. Recentemente, numa entrevista à NIT Harper referiu que tem o sonho de ir à Nazaré para ver as ondas gigantes e, quando questionado se alguma vez ponderou em mudar-se para cá, o músico respondeu que sim, mas que ainda tinha que estudar melhor essa possibilidade. Pessoal da Ericeira, Peniche ou Nazaré fiquem atentos, pois quem sabe podem estar um dia destes a tomar café ao lado do músico.
Para a sua estreia no festival Cool Jazz 2023 esperava-se que Harper trouxesse temas do seu mais recente álbum “Wide Open Light”, editado em Junho, contudo assim não aconteceu. O músico preferiu dar primazia a uma setlist em formato best of que percorreu as suas três décadas de carreira.
O ambiente meteorológico no Hipódromo Manuel Possolo era de alguma hostilidade, as fortes rajadas de vento gelado antecipavam que o desfrute do concerto por parte público poderia ficar algo condicionado. Por outro lado, como é habitual em concertos onde acontecem estes fenómenos meteorológicos adversos também se temeu que a noite pudesse ficar manchada por uma moldura sonora dispersa, oscilante e pouco definida. Ao longo do concerto verificámos recorrentemente esse som algo perdido e pouco uniforme, principalmente nas faixas com a banda em palco. Se foi suficiente para manchar a atuação? Não, pois, nas músicas acústicas e com lap steel, onde se encontrava apenas Harper e a sua guitarra em palco, foi possível equilibrar melhor os picos sonoros repentinos que ouviam quando surgia uma rabanada.
Mas centremo-nos agora na performance. Foi com a arrepiante faixa a cappella “Bellow Sea Level” que Ben Harper e os seus The Innocent Criminals entraram em palco. Com as harmonias bem trabalhadas foi possível escutar de forma cristalina a articulação entre os elementos que estavam a cantar a linha do baixo, os que estavam a cantar a linha do tenor e a voz de Harper que surgiu na mistura ligeiramente sobreposta às restantes. Bem ao estilo de uns Eagles em “Seven Bridges Road”, Harper procura demonstrar que os The Innocent Criminals não são apenas um coletivo de excelentes músicos, são também cantores extremamente afinados.
Ao tirar um momento para apresentar os The Innocent Criminals, um por um, o músico surpreendeu tudo e todos quando também referenciou o nome de Bruno Pernadas, músico português que abriu o concerto, salientando mesmo que era um prazer partilhar o palco com ele.
Já munido da sua Suhr Stratocaster, e com os The Innocent Criminals nos seus postos, Ben Harper partiu para o primeiro grande clássico da noite, a romântica “Diamonds on the Inside”. Já “Finding Ou Way” foi um aceno a uma das suas maiores influências, Bob Marley. O californiano viu a lenda do reggae em 1978, quando tinha apenas nove anos, e considera esse momento um dos mais influentes na sua decisão de se tornar músico. Foi também por esta altura do concerto que veio ao de cima a postura humilde e sem vedetismo de Harper. Ao tirar um momento para apresentar os The Innocent Criminals, um por um, o músico surpreendeu tudo e todos quando também referenciou o nome de Bruno Pernadas, músico português que abriu o concerto, salientando mesmo que era um prazer partilhar o palco com ele. Pernadas, que certamente estaria a ver o concerto na lateral do palco, deve terá ficado extasiado com tamanha menção.
A resposta que vinha do público era calorosa, afinal de contas era preciso combater o frio que se entranhava nos ossos. Apesar de sentados foram muitos os que gingaram ao som de “Mama’s Trippin’” e “Steal My Kisses”, ambas ovacionadas de pé, assim como quase todos os temas que foram tocados. A certa altura surgiu um momento algo caricato, mas que motivou muitos aplausos. Num discurso entre músicas, Harper atrapalhou-se com o seu inglês, e em tom de escárnio disse algo como «as pessoas não deveriam gostar de qualquer língua que seja falada pelo Donald Trump». Escusado será dizer que o momento levantou muitos aplausos.
Quando chegámos à segunda metade do concerto, Harper começou a alternar entre as suas lap steel e guitarra acústica. Em “Steal My Kisses” e “Need to Know Basis” escutámos a sua Noah, uma lap steel de fabrico italiano. Nas baladas folk “Walk Away” e “Another Lonely Day”, já sozinho em palco, Harper dedilhou uma Taylor Builder’s Edition 717. Na primeira, após ter escutado um coro bem afinado vindo do público, pediu para repetir um verso e um refrão para que todos pudessem cantar mais uma vez. Seguiu-se “She’s Only Happy In The Sun”, dedicada a todos os casais presentes na plateia, que foram incentivados por Harper a dançar este slow. Já “Faded / The Ocean” trouxe a palco a sua Asher Ben Harper Signature.
“With My Own Two Hands” fechou o set principal, antes de Ben Harper e os The Innocent Criminals regressarem a palco para interpretar um tema que é sempre muito desejado quanto o músico toca em Portugal. Falamos de “Boa Sorte/Good Luck”, tema que gravou, em 2007, em dueto com a cantora brasileira Vanessa Da Mata. Com o público português a fazer a voz de Da Mata foi o final de uma noite fria de verão que se tornou um pouco mais suportável graças ao calor sonoro e humano de Ben Harper.
SETLIST
- Below Sea Level
- Diamonds on the Inside
- Burn to Shine
- Don´t Give Up on Me Now
- Finding Our Way
- Mama’s Trippin’
- Steal My Kisses
- Need to Know Basis
- Walk Away
- Another Lonely Day
- She’s Only Happy in the Sun
- Burn One Down
- Jamaica Say You Will (Jackson Browne Cover)
- Faded/The Ocean
- With My Own Two Hands
- Boa Sorte/Good Luck