Caetano Veloso e Teresa Cristina: Um presente envenenado
2016-09-07, Coliseu dos Recreios, LisboaO lendário compositor baiano convidou a ascendente estrela carioca para uma noite imprevista no Coliseu dos Recreios.
Por esta altura, pagar para assistir a concertos de Caetano Veloso tem pouco de inesperado: nas suas cinco décadas de carreira, construiu uma reputação que não elude os fãs que o têm acompanhado por tanto tempo. Sabemos da singela beleza da sua voz, da técnica experiente à guitarra e, principalmente, da incontornável beleza e sinceridade das composições de sua autoria, irresistíveis de cada vez que se desloca ao Velho Continente para apresentá-las. Mas antes de falarmos do seu concerto no Coliseu dos Recreios que, sem surpresas, gozou de todas estas virtudes, há uma questão que pede clarificação acerca do espectáculo rotulado como “Caetano Veloso – 1ª Parte: Teresa Cristina”.
Não há mal nenhum no facto de um músico mais experiente e renomado utilizar-se da sua fama para lançar novos artistas. A história da música está repleta destes casos, que não se resumem a mas incidem particularmente sobre a música popular brasileira, que através de colaborações, participações especiais e convites criou muitos dos artistas tidos como mais queridos hoje em dia. Mas um concerto que consistiu em uma hora de Teresa, uma hora de Caetano e mais meia hora dos dois em palco poderia ser chamado de tudo menos de um concerto de Caetano com primeira parte de Teresa. É claro que “Caetano e Teresa”, como foi “Caetano e Gil” ainda este ano no mesmo Coliseu, não teria nem de longe o mesmo impacto a nível comercial.
Não serve isto para dizer que a comparativamente novata Teresa Cristina não esteve ao nível que se espera de uma convidada de Caetano, muito pelo contrário: trazendo um espectáculo de interpretação de temas do incomparável Cartola, a cantora maravilhou o público português com a sua forte personalidade, charmoso sentido de humor e, acima de tudo, voz doce e incrivelmente bela ao sabor de canções eternizadas como “O Mundo é um Moinho”, “As Rosas não Falam”, “Preciso Me Encontrar” ou “Sala de Recepção”. Mas o que está aqui em causa é uma questão de juízo errado na atribuição de peso dos intervenientes, incompatibilidade entre o produto oferecido e o resultado obtido.
Num apontamento de nenhuma forma relacionado com o que se acabou de dizer, foi difícil não inferir da performance de Caetano Veloso que o cantor não estava no seu melhor dia. Não ajudou, garantidamente, a hora que o público se viu forçado a esperar sem ele, e que mesmo com os talentos de Teresa em palco revelou-se excessiva, ou o facto de não ter trazido o alinhamento de canções mais convidativo. Tocou alguns dos seus maiores temas, os que ressoaram mais com a plateia do Coliseu – “O Leãozinho” ou “Sozinho”, por exemplo – mas faltou representatividade da sua longa e prolífica carreira. Fizeram especialmente falta os tempos do auge da tropicália, os tempos com Gilberto Gil, com Gal Costa ou com Os Mutantes, ou mesmo os de exílio em Londres, fruto de alguns dos seus melhores trabalhos. E ainda que, como postulado no início deste texto, o concerto de Caetano fosse munido de todas as belas características que fazem dele quem é, também foi aparente que as qualidades que o condecoram tornam-no capaz de bem mais. Esperemo-lo mais uma vez (esperemos que em bom e fidedigno nome), para que possa voltar a maravilhar-nos da forma que melhor sabe.