MEO Kalorama 2023: A Festa Barroca dos Arcade Fire

Com um espetáculo sonoro e visual faustoso, os Arcade Fire encerraram as atuações do palco principal do MEO Kalorama 2023 de forma apoteótica. Entre dedicatórias a David Bowie e bonecos insufláveis, um dos grandes momentos da noite foi o coro de vozes a cappella que a banda arrancou do público e que retardou a sua saída do palco já bem para além da hora marcada.

«Sempre que nos cruzamos com outras bandas dizemos-lhes que têm que ir tocar a Portugal», referiu Win Butler a meio do concerto numa declaração de amor para com os fãs portugueses. Afinal de contas já são dez os concertos que os Arcade Fire deram em Portugal desde a sua estreia no Festival de Paredes de Coura de 2005. Os anos passam e esse amor entre a banda e o público português parece intensificar-se, principalmente quando olhamos à nossa volta e reparamos na vasta moldura multigeracional.

Ainda a promover “We”, que já tinham apresentado em Portugal, em Setembro de 2022, com dois concertos no Campo Pequeno, foi ao som da dance pop de “Age of Anxiety II (Rabbit Hole)” que os Arcade Fire arrancaram a sua atuação. Seguiu-se “Creature Comfort” de “Everything Now” (2017), um trabalho com uma forte componente eletrónica fruto da participação de Thomas Bangalter, dos Daft Punk, na coprodução do álbum. Já o indie rock de “Neighborhood #3 (Power Out)” foi a primeira, e apenas a segunda, visita do concerto à tetralogia “Neighborhood” presente no álbum de estreia da banda “Funeral” (2004).

A proximidade dos Arcade Fire com o público português que já tinha surgido logo na primeira música repetiu-se em “Rebellion (Lies”), quando Win Butler se juntou aos fãs que estavam junto às grades do grande corredor que se estendia entra a mesa de som e o palco. A dose acabaria por repetir-se em “Afterlife”, reforçando assim a ideia de que é entre os fãs que Win se sente pleno. Seguiram-se os dois “andamentos” de “The Lightning” que, com uma aura cinematográfica de proporções épicas, invocaram certos caminhos sonoros que os Arcade Fire já percorreram aquando da composição da banda sonora do filme “Her” (2021).

É certo que para muitos Win Butler é o frontman e a cara do grupo. Contudo, as composições dos Arcade Fire não teriam o mesmo requinte sem as contribuições de Régine Chassagne, uma força da natureza.

É certo que para muitos Win Butler é o frontman e a cara do grupo. Contudo, as composições dos Arcade Fire não teriam o mesmo requinte sem as contribuições de Régine Chassagne, uma força da natureza. Ora com as suas harmonias vocais, ora com o seu acordeão, Chassagne é uma peça fundamental no puzzle sonoro da banda e “No Cars Go” demonstrou-o na perfeição. 

O clássico “The Suburbs” trouxe uma bonita homenagem a David Bowie, já “Unconditional I (Lookout Kid)” revelou de forma brincalhona os bonecos insufláveis que remetem para o seu videoclipe. Régine Chassagne teve o seu grande momento de protagonismo em “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”, faixa onde ocupou a dianteira do palco como vocalista principal. Mas, não se conteve, e à semelhança de Butler foi a correr para o meio do público para sentir todo aquele amor que emanava dos fãs. 

Os maiores hinos dos Arcade Fire, “Everything Now” e “Wake Up”, ficaram reservados para o fim, com a última a ter direito a um coro de vozes a cappella que, motivado por Win Butler, se estendeu durante largos minutos bem para lá da hora que estava marcada para a banda abandonar o palco. Resultado, a banda acabou por “parar” o festival ao atrasar as atuações de Pabllo Vittar e de Young Fathers, ambas deliberadamente programadas para apenas começarem após o concerto da banda canadiana. Mas a festa estava tão bonita, que certamente foram poucos os que se importaram com esta pequena irreverência.