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Arcade Fire no Campo Pequeno: A Arte Sobrepôs-se Ao Artista

Arcade Fire no Campo Pequeno: A Arte Sobrepôs-se Ao Artista

2022-09-22, Campo Pequeno, Lisboa
Redacção
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Estivemos no primeiro de dois concertos no Campo Pequeno onde os Arcade Fire apresentaram o mais recente álbum “We”.

Os canadianos Arcade Fire são hoje em dia uma das bandas indie rock mais respeitadas mundialmente. Donos de uma vasta discografia capaz de aguentar mais de 2h de concerto, já se apresentaram em Portugal inúmeras vezes perante um público que está sempre de braços abertos para os receber. Em palco são conhecidos pela sua presença vincada e dramática, músicos camaleónicos que se reinventam a cada novo disco e que lançaram recentemente “WE”, álbum apresentado esta noite no Campo Pequeno – arena onde já se tinham apresentado no ano de 2018.

Começando pelo “elefante na sala”, a situação actual da banda é delicada – recentemente Will Butler, um dos orgãos vitais dos Arcade Fire, decidiu abandonar a banda para se dedicar aos seus projectos. Ainda mais difícil de ignorar são as recentes acusações de conduta sexual imprópria ao seu irmão, Win Butler, por parte de quatro mulheres. Se a primeira razão não foi o suficiente para prejudicar o sucesso e o peso que a banda construiu ao longo de 21 anos de carreira, a segunda é sem dúvida uma grave lacuna na carreira de um músico que enche salas e está habituado a ter centenas ou milhares de espectadores a torcer por si. Há quem diga que a arte deve ser separada do artista, e a certo ponto faz todo o sentido pois nunca iremos conseguir concordar a 100% com todos os nossos heróis – talvez a solução seja mesmo não ter heróis. Mas se grande parte do público consegue fazer esta diferenciação, esta recente descoberta teve imediatamente um impacto negativo na digressão de apresentação do álbum – Feist, que iria apoiar os canadianos para actuar na primeira parte dos seus concertos decidiu cancelar a sua presença em toda a tour, pois “ficar na digressão significaria que estou a defender o Win Butler ou a ignorar o mal que ele fez, e abandoná-la faria de mim o juiz da situação”, afirmou Leslie Feist ao defender a sua posição em abandonar a digressão. Como representantes do indie, os Arcade Fire escreveram um punhado de canções honestas e humanas, canções que os pais querem apresentar aos filhos e capazes de suscitar a juventude perdida dentro de cada um de nós. Se antes o estatuto de herói era o suficiente para valer aplausos dos fãs, os Arcade Fire terão um esforço acrescido e recorrer ao seu habitual profissionalismo em palco para se manterem vivos – e desta vez, têm a sorte e os êxitos a seu lado.

O burburinho inquietante que se estabelece antes do concerto foi preenchido por um Dj que ocupou um pequeno palco no centro da arena, onde estava também um piano de cauda. Por cima do mesmo palco, uma bola de espelhos. Pelas 20:15h, actuaram os haitianos Boukman Eksperyans, banda que veio substituir Feist. Dançarinos e uma sonoridade quase psicadélica ornamentada por tambores e congas levantaram o maior receio – o problema do som no Campo Pequeno continua a existir. A reverberação existente na arena abafou completamente os detalhes da música, os graves sobrepunham-se a tudo o resto levando a um concerto de uma hora que soou maioritariamente a música de fundo. Depois de uma breve aparição do mesmo Dj, os mais esperados da noite entraram pela porta lateral junto à plateia, banhados em aplausos de um recinto assíduo e completo. O palco decorado com as letras “WE” no centro foi elegantemente emoldurado por um ecrã que ora alternava entre constelações e imagética espacial e projecções ao vivo da banda.

“Age of Anxiety I” foi o tema de arranque e um dos grandes singles retirado do mais recente álbum. Régine Chassagne, casada com o Butler e outro órgão vital da banda ocupou o seu lugar nos teclados. Contrariamente ao que a banda anterior fez temer, o som mostrou-se significativamente melhor agora – embora altamente impulsionado brilhantemente pela voz de Win, que se destaca sobre um instrumental por vezes um pouco abafado e reverberado.

Seguiram-se “Ready to Start” e “The Suburbs”, dois dos maiores trunfos que a banda usou no início do concerto para agarrar o público, afinal esta digressão trata-se da apresentação do novo álbum, e foram exatamente essas canções que mais importância tiveram, ocupando 7 das 21 canções presentes no alinhamento. “Obrigado Lisboa, estamos muito felizes por estar aqui” agradeceu Butler, em claro português.

Obrigado Lisboa, estamos muito felizes por estar aqui.

Em “It’s Never Over (Hey Orpheus)” Chassagne subiu ao palco secundário (e ao piano) onde cantou por baixo da bola de espelhos. A canção motivada com sintetizadores e um baixo quase new-wave permitiu destacar aos seus vocais que inicialmente não soaram bem encaixados. “Afterlife” e “Reflektor” são outros êxitos que puxam por uma alternativa mais disco, devidamente impulsionada pela bola de espelhos e os feixes de luz que refletem pela plateia. As energéticas “The Lightning I” e “The Lightning II” retiradas também do novo álbum soaram bem e orquestrais – é nestes momentos que um concerto em contexto de festival se distingue de um concerto em nome próprio, quando uma canção recente consegue ter o mesmo impacto na plateia que os maiores êxitos da banda. “Rebellion (Lies)” manteve o espírito eufórico com um Campo Pequeno a entoar o riff principal da canção a plenos pulmões. De seguida, o tesourinho retirado no baú mais obscuro, “Headlights Look Like Diamonds” foi apresentada por Win como a primeira canção que compôs com Régine enquanto casal, seguida do grande êxito “No Cars Go” – ambas as canções a fazerem uso de “Oh’s” e “Uh’s” no coro, uma estratégia que nunca falha a juntar os menos conhecedores da lírica à festa. “Unconditional I (Lookout Kid)” rebentou com vários insufláveis gigantes na frente do palco acompanhada dos haitianos que regressaram ao palco para uma percussão tradicional. O concerto “terminou” com a climática “Everything Now” que, sem surpresas, restou apenas as primeiras notas ao piano para o puro êxtase. Mas claro, quem conhece a banda sabe que não se ficariam por ali. Rapidamente a ocuparem de novo as suas devidas posições, a banda regressa ao palco principal para um tríptico que começou com “End of the Empire I-III” e “”End of the Empire IV (Sagittarius A*)”.

As canções de “WE” permitiram novamente assegurar o poder vocal e sensibilidade de Win, acompanhada por guitarra acústica proporcionando um momento emocionante e épico. Finalmente o hino (este, no verdadeiro sentido da palavra) “Wake Up” encerrou a actuação, novamente com os “Oh-Oh’s” do costume, que curiosamente se entenderam para fora da arena – sim, a banda juntou-se aos fãs na saída do recinto onde continuaram a entoar as últimas interjeições.

[Nota: não foi permitido à Arte Sonora o usual registo fotográfico. ]

SETLIST

  • Age of Anxiety I
  • Ready to Start
  • The Suburbs
  • The Suburbs (Continued)
  • It’s Never Over (Hey Orpheus)
  • My Body Is a Cage (Régine and Win no B-Stage)
  • Afterlife
  • Reflektor
  • Age of Anxiety II (Rabbit Hole)
  • The Lightning I
  • The Lightning II
  • Rebellion (Lies)
  • Headlights Look Like Diamonds
  • No Cars Go
  • Unconditional I (Lookout Kid)
  • Haïti (com Boukman Eksperyans)
  • Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
  • Everything Now
  • Encore:
  • End of the Empire I-III
  • End of the Empire IV (Sagittarius A*)
  • Wake Up