Milhões de Festa (3º dia)
2013-07-28, BarcelosTerceiro e último dia de festival a nascer com uma manhã molhada. Os concertos da piscina são adiados para começarem apenas às 16 horas, dadas as condições meteorológicas. A mãe natureza é benevolente com todos nós, a chuva não volta e o sol ainda vai rasgando o céu durante a tarde, mas calor, calor, só mesmo depois da meia noite com os Orange Goblin em palco. Horas antes, Dirty Beaches (Alex Zhang Hungtai, agora acompanhado por mais dois elementos), que já tocou no MdF na edição de 2011, celebravam o crepúsculo com electrónica ao estilo Suicide, a surfar numa onda sem onda que rebenta na praia do No Wave. Hungtai manteve-se em palco quase sem nunca encarar o público, ocupado apenas com o microfone, foi expurgando os males do corpo sacudindo-o ao ritmo sobre o qual vociferava. Com o recém lançado “Drifters/Love is the Devil”, Dirty Beaches afasta-se do rockabilly latente de “Badlands”, mas mantém-se impregnado da estética lo-fi, da repetição e do wet reverb.
O palco Milhões recebe de seguida uma banda que não tem faltado aos treinos, e joga, ano após ano, num festival a que já pode chamar casa. Os Riding Pânico, que editaram há pouco tempo “Homem Elefante”, trouxeram novamente o seu post-rock, ora para matar saudades, ora para impressionar quem nunca os tinha visto. São músicos com alguma rodagem, o que fez resultar do concerto um bolo sonoro cozinhado a baixo e três guitarras, sem excessos e com excelência, acompanhadas por uma execução exímia de bateria. E ainda há o synth de Sheila, para complementar os riff’s que se estendem entre o lento e o rápido. Reportório composto tanto por músicas novas como antigas não foi suficiente para evitar um pedido de encore; não estavam preparados, mas lá re-afinaram os instrumentos para aceder ao desejo.
O pré e o pós do concerto de Orange Goblin foi assumido por Siesta e Zombie Zombie respectivamente. Os Siesta são electrónica com sabor a rock, ou rock com sabor a electrónica, é ambíguo, mas pouco importa. Deram um concerto dançável, onde uma bateria era partilhada pelo duo, que se ocupava respectivamente de guitarras e synths. “We are gonna take you to space” era o que os Zombie Zombie prometiam, mas depois do concerto de Orange Goblin, pouco era possível fazer para elevar mais o espíritos. Synth pop obscuro? Electro-kraut? O quer que seja não foi suficiente para atrair muita gente, não os culpo, o concerto foi interessante…mas antes houve aquele que foi O Concerto.
“We are Orange Goblin from London and we are here to play some heavy metal” lança assim Ben Ward no início do concerto para que ninguém fosse ali ao engano. Mas pelos vistos toda a gente sabia. Mal entram aqueles riff’s viris percebe-se pelo instantâneo headbanging e pelo movimento no pit que aquele concerto iria ser algo. Com a típica distorção britânica, o som dos Orange foi feito de um baixo Jazzmaster num Orange e uma guitarra SG num Marshall, combinação que do punk ao stoner regado a cerveja é capaz de fazer crescer barba em questão de segundos.
A energia da música dos Orange Goblin contagia o público e o público contagia a banda: há crowdsurf incessante do princípio ao fim, há cabeças a abanarem-se ao ritmo da música, punhos erguidos e vários epicentros de mosh a transformar o recinto numa festa de rock à antiga. À terceira música já Ben Ward confessa perante uma multidão de pessoas (a maior delas todas durante o festival): “Portugal, you rule!”, mais tarde, admite ainda que foi o melhor concerto que deram em 2013. “This is fucking awesome” vai repetindo Ward, com a sua voz rockeira, durante o concerto. “Some You Win, Some You Lose”, mas não nesta noite, onde foi tudo a ganhar, inclusive a própria banda que não parava de demonstrar o seu agradecimento perante uma audiência tão acolhedora. “Two weeks of very testing times for the band and tonight made us realise exactly why we do this” lê-se escrito no Facebook oficial numa fotografia que a banda tirou com o público do MdF atrás. Vários infortúnios assolaram a banda nas últimas semanas, entre o guitarrista ter sofrido uma rotura de ligamentos num tendão e ter que voltar para Inglaterra, concertos cancelados, perda de material, problemas de transportes. Era mais que merecido um concerto assim.
Após Goblin e Zombie Zombie no palco Vice, é altura de entrarmos na zona médio-oriente psicadélica de Jibóia Experience. Jibóia é um projecto de um só membro que usa looper e outros pedais para criar camadas psicadélicas de escalas orientais com guitarra e sintetizador. Óscar Silva fez-se acompanhar de vários convidados para transformar as suas criações a solo numa experiência preparada exclusivamente para o Milhões de Festa. Mais duas guitarras, um baixo, bateria, percussão e voz fizeram parte da orquestra que fez mexer o público no último concerto do palco Milhões, numa actuação com momentos ora de explosão rock ora de rave das arábias.
Em tom de despedida, há ainda duas actuações no palco Vice. Concerto de Mykki Blanco, com o seu rap, que tanto tem queer de gay como queer de estranho. Acompanhado por um DJ e por outro MC, Mykki entra em palco em meias de liga e peruca, é a mais original musa do hiphop contemporâneo: “I feel the prettiest girl on this festival”. Poderosos baixos por cima de beats a cheirar a novo e muito bounce, Blanco salta para o meio do público para cantar e dançar entre as pessoas que se bamboleia no recinto. Foi mais um concerto em jeito de performance. A noite vai longa mas ainda há o electro-reggaeton de El G para quem ainda quiser se abanar e aproveitar as últimas horas dentro do recinto.
Após três dias completos de concertos com piscina, de sonoridades psicadélicas, de rock barbudo e experiências musicais que não são oferecidas em mais nenhum festival em terras lusas, o Milhões de Festa termina com mais altos do que baixos prometendo continuar a missão de oferecer aquilo que é um dos melhores festivais actualmente aqui do burgo.
Au revoir Cávado, adios Barcelos, até para o ano Milhões de Festa.
FOTO DESTAQUE: Miguel Refresco © Milhões de Festas