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NOS Primavera Sound 2022: O Sermão de Nick Cave and The Bad Seeds

NOS Primavera Sound 2022: O Sermão de Nick Cave and The Bad Seeds

2022-06-09, NOS Primavera Sound
Miguel Grazina Barros
Hugo Lima
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Pela terceira vez (depois de concertos em 2013 e 2018) Nick Cave e os seus Bad Seeds encheram os corações e o Parque da Cidade do Porto com mais uma performance memorável.

Nick Cave está mais forte do que nunca. Aos 64 anos, o icónico compositor e performer acompanhado da sua banda de luxo, os Bad Seeds, foram sem dúvida o ponto alto da noite. Como assim nos tem habituado, já se esperava uma performance memorável e não é surpresa que Nick Cave é um “mestre” a dominar a plateia. A sua esbelta figura balanceia-se pelo palco (preparado devidamente com plataformas que se estendem até à zona do público e escadas de fácil acesso ao palco) enquanto um foco de luz a tenta acompanhar, mas a sua energia frenética é imprevisível, hipnotizante e profundamente catártica.

É de conhecimento geral que a vida de Nick Cave é perseguida de tragédia – em 2015, Cave perdeu o seu filho, Arthur, aos 15 anos de idade depois de ter caído de um penhasco e falecido devido aos seus ferimentos. A morte de Arthur inspirou grande parte da recente produção musical de Cave, incluindo “Skeleton Tree” de 2016 e “Ghosteen” de 2019. Apenas há um mês e ainda a recuperar da morte de Arthur, o músico perdeu o seu segundo filho, Jethro Lazenby, com 31 anos de idade. Tendo acontecido recentemente, o concerto poderia muito facilmente ser levado em desconsolo, aproveitando a tragédia que o precedera. Porém, o efeito foi exatamente o oposto – Nick Cave foi o músico perfeito para consolar e dar esperança a um público que, durante dois anos, não pode marcar presença em festivais e partilhar as suas emoções numa sessão de terapia coletiva mascarada de um concerto.

Com uma pontualidade extrema, Nick Cave e os Bad Seeds pisaram o palco NOS precisamente às 21:20h, a hora prevista no horário e que obrigou Sky Ferreira (a sua vizinha do palco Super Bock) a terminar o seu concerto abruptamente (se tivesse começado a horas a história seria diferente). Com um “décor” sóbrio e adequado à classe que todos os músicos apresentam em palco – afinal, um grande performer dispensa de “gimmicks” – os seis músicos rapidamente se posicionaram nos seus lugares. Desta vez, três cantores gospel magníficos ficaram a cargo do coro. Warren Ellis é provavelmente o segundo herói no palco, facilmente reconhecido pelo público e sempre muito entusiasta da música – a sua relação com Nick Cave é verdadeiramente comovente de se ver, a certa altura acentuada por um abraço sentido em palco. “Get Ready for Love” foi o hino de arranque, sem apresentações desnecessárias – afinal, à terceira vez, já dispensamos apresentações. Esperneando e gesticulando freneticamente, o músico provocou as filas da frente ao agarrar as mãos dos fãs e interagindo sem hesitar com um “mar de gente” que poderia muito facilmente intimidar os novatos. A intensa “From Her To Eternity” seguiu-se da balada ao piano “O Children”, e depois da progressiva e explosiva “Jubilee Street” com o coro gospel a sustentar a parte orquestral. Nick Cave não tem medo do piano, oscila entre a interação com o público, atirar-se para o chão e dar um pontapé à estante das partituras numa demonstração de um carisma único e fascinante. “I Need You” foi mais uma canção que permitiu aos Bad Seeds descansar enquanto o seu líder se aventurou ao piano, acabando em lágrimas e repetindo em apenas um fôlego “Just Breathe” – leitmotiv escolhido pelo mestre em modo de improviso e encaixado em diversas músicas pelo resto da noite.

Em “Tupelo”, Nick Cave exclama “Put your fucking phones down” em apelo a um público por vezes demasiado focado no pequeno ecrã. Como um padre a pregar um sermão, o público assim o fez. Cave aproveita então as mãos do público da frente para lhes entregar o seu microfone. Bastou o primeiro “sino” de “Red Right Hand”, música do genérico da série da Netflix “Peaky Blinders”, para a plateia reconhecer imediatamente a música que se tornou um símbolo.

“Put your fucking phones down”

Em “City of Refuge”, Cave chamou o fiel coro à frente do palco, dando espaço aos três músicos para improvisarem um pouco. Foi em “White Elephant” que Nick Cave se despediu – “The time is coming, thank you very much Portugal” – mas o público não o deixaria ir embora tão facilmente. Afinal, depois de tantas emoções num concerto que durou aproximadamente duas horas, seria preciso algum consolo por parte de Cave. O Mago volta a pisar o palco acompanhado de uma bebida quente que fumega em cima do piano de cauda. Foi “Into My Arms” a primeira música do encore. Os Bad Seeds voltam a pisar o palco Nos, numa despedida que durou ainda mais duas músicas – “Vortex” e “Ghosteen Speaks”. A música acaba enquanto Nick Cave interage com o público, e este se apressa a correr para o palco novamente, agradecendo mais uma vez à plateia fiel que não conseguiu, durante duas horas, tirar os olhos de um dos melhores performers de sempre.

Nota: Não foi possível à Arte Sonora captar imagens do concerto e por isso só há fotos de Nick Cave, não nos foi cedida pela organização qualquer foto dos Bad Seeds.