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Soombra, A Segunda Pele dos Moonspell

Soombra, A Segunda Pele dos Moonspell

2024-05-18, Cineteatro D. João V, Damaia
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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Passados 14 anos, os Moonspell recuperaram o seu espectáculo em formato acústico “Soombra”. Num saudoso regresso à sua cidade natal da Amadora, a banda presenteou os fãs com uma tertúlia musical intimista onde os clássicos surgiram em minoria e os deep cuts desfilaram com arranjos camaleónicos.

«O heavy metal não tem lugar nos teatros!» foi a expressão que Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, ouviu, por volta de 2010, aquando da sua procura em levar a banda a novas geografias, salas de espectáculo e tipologias de público em Portugal. As divergências entre a chamada alta cultura e baixa cultura e as opiniões conservadoras sobre o que deve ou não constar na programação dos teatros e cineteatros portugueses levaram Fernando a ir em busca de um formato de concerto que não só atenuasse esse estigma, como também mostrasse a pluralidade de camadas que a música dos Moonspell pode apresentar quando reinterpretada com novos arranjos e diferentes instrumentos.

O resultado foi “Soombra”, um conceito apoiado em instrumentação acústica, arranjos diferenciados para incluir instrumentos de corda friccionada, uma abordagem vocal mais cantada e menos berrada, apresentação de temas considerados obscuros e b-sides que, por uma razão ou outra, nunca tinham tido destaque nos alinhamentos da banda e ainda a componente intimista de uma tertúlia através da partilha de histórias.

O sucesso revelou-se instantâneo, com a banda a percorrer Portugal de norte a sul e a levar, inclusive, o espectáculo além fronteiras. Entretanto, o tempo foi passando e, entre álbuns, tours, uma pandemia e a saída de um elemento da banda, os Moonspell sentiram que estava na altura de sair da luz e voltar para a “Soombra”. A primeira leg de “Soombra 2024” levou, e irá levar, a banda a cidades raramente, ou até mesmo nunca visitadas, como é o caso da Guarda, Loulé, Torres Novas e Fafe. O objectivo para esta tour é evitar as grandes cidades, com o concerto mais próximo de Lisboa, o único com data dupla, a decorrer no Cineteatro D. João V na Damaia, Amadora, a cidade onde a banda se formou em 1989 ainda como Morbid God.

Com uma cenografia minimalista eficaz e apoiados por um interessante jogo de luzes, os Moonspell subiram ao palco do Cineteatro D. João V acompanhados pelo violoncelista Valter Freitas e o violinista Fernando Sá dos Magnetic Strings e pelas cantoras Eduarda Soeiro, dos Glaysa, e Cristiana Félix.

“handmadeGod” do álbum “Sin/Pecado” (1998), o mais representado da noite, deu as honras de abertura. As melodias sintetizadas, assim como uma certo abrandamento no seu andamento deram à malha uma carga mais atmosférica. Seguiu-se “The Southern Deathstyle” de “The Antidote” (2003). Com uma estética mais tribal fruto da linha de bateria, este foi um dos poucos temas apresentados que se aproximou bastante do original com Fernando Ribeiro a puxar mesmo do gutural enquanto acompanhava a percussão com recurso a um shaker. Ainda a meio do tema deram-se as primeiras apresentações do baterista Hugo Ribeiro e do baixista Aires Pereira, ambos com direito a um mini solo nos respetivos instrumentos. “Wolfshade (A Werewolf Masquerade)” foi a primeira visita ao álbum de estreia “Wolfheart” (1995) e trouxe Fernando Ribeiro com vocais sussurrados.

Entretanto, com o passar das músicas e com a boa disposição e o à vontade de Fernando enquanto mestre de cerimónias, as histórias começaram a fluir. “White Skies” de “Omega White” (2012), o álbum irmão de “Alpha Noir”, mostrou que este é um trabalho ainda pouco explorado pelos fãs, com o vocalista a refletir que o mais acertado teria sido o lançamento dos dois álbuns com algum espaçamento. Depois, em “Disappear Here” de “The Butterfly Effect” (1999), esse álbum muitas vezes incompreendido, foi a vez de mencionar a importância que a literatura tem no repertório dos Moonspell, neste caso a escrita de Bret Easton Ellis.

“Breathe (Until We Are No More)” de “Extinct” (2015) com arranjos a remeter para a música do Médio Oriente, foi apresentada como uma das mais desafiantes de cantar.

“Breathe (Until We Are No More)” de “Extinct” (2015) com arranjos a remeter para a música do Médio Oriente, foi apresentada como uma das mais desafiantes de cantar. A sua introdução estendida com recurso, mais uma vez, a vocais sussurrados surge como uma espécie de exercício de respiração. “Breathe in, Breathe out” expressa Fernando, como que a colocar um travão na velocidade alucinante com que vivemos o nosso dia a dia. Na hora de apresentar o teclista e guitarrista Pedro Paixão e o guitarrista Ricardo Amorim, Fernando anunciou-os como os grandes responsáveis pela direção musical e pelos arranjos de “Soombra”. Os aplausos foram efusivos, afinal de contas não é tarefa fácil reinventar grande parte de um repertório que se encontra tão bem entranhado nos ouvidos dos fãs.

O espetáculo depois prosseguiu com “The Hanged Man”, que neste contexto não fugiu muito à sua versão original, já “2econd Skin”, trouxe de volta os vocais guturais e incorporou um arranjo de cordas que viajou entre o flamenco da Andaluzia e o maqam do Médio Oriente. “Scorpion Flower” e “Luna” duas das maiores baladas do catálogo dos Moonspell foram antecedidas por histórias, a primeira relacionada com a explicação do seu título, que surgiu fruto de um acaso, e a segunda, com a insistência do produtor Waldemar Sorychta para que a banda colocasse a faixa no álbum “Memorial” (2006), um dos mais pesados da banda. Os arranjos, mais uma vez soaram de forma sublime e com o apoio das vozes de Eduarda Soeiro e Cristiana Félix a elevarem os temas para uma dimensão etérica. “Mute” antecipou “Whiteomega” que, com o seu arranjo latino a roçar o tango, cativou todos os que esgotaram o Cineteatro D. João V.

«Muito se fala da alteração do hino. Nós já temos o nosso hino!», referiu Fernando Ribeiro na apresentação do óbvio “Alma Mater” que contou com a participação especial do guitarrista Ricardo Gordo na guitarra portuguesa. Gordo acabou por se manter em palco com Amorim para protagonizarem um dos momentos da noite, uma interpretação emotiva da rebuscada “Chorai Lusitania! (Epilogus / Incantatam Maresia)” do EP “Under The Moonspell” (1994). Para a reta final ficou reservada a cover de “Os Senhores da Guerra” dos Madredeus. Com uma letra mais actual do que nunca, Fernando entoou «Lá fora estão os senhores da guerra, E cantam já hinos de vitória (…) É tão pouca a glória duma guerra, E os homens que fazem as vitórias, Já não há memória de paz na terra.» A performance terminou com a banda a levantar os dedos em V numa clara alusão ao gesto que simboliza a paz.

Sem encore previamente anunciado, coube ao hino “Full Moon Madness” encerrar um serão onde, mais uma vez, os Moonspell agigantaram-se para quebrar as barreiras espaciais da música. Se dúvidas ainda restassem, ficaram agora dissipadas, o heavy metal tem mesmo lugar nos teatros.

Mais para o final do ano, esperamos uma nova etapa da banda com um concerto orquestral na Altice Arena, que segundo Fernando Ribeiro, não está mau de vendas, mas também não está bem… assim, assim.

SETLIST

  • handmadeGod
    The Southern Deathstyle
    Wolfshade (A Werewolf Masquerade)
    White Skies
    Disappear Here
    Breathe (Until We Are No More)
    The Hanged Man
    2econd Skin
    Scorpion Flower
    Luna
    Mute
    Whiteomega
    Alma Mater
    Chorai Lusitania! (Epilogus / Incantatam Maresia)
    Os Senhores da Guerra (Cover Madredeus)
    Full Moon Madness