OUT FEST: The Fall, Carla Bozulich’s Bloody Claws, Skullflower, HHY & The Macumbas
2013-10-12, BarreiroDeslocamo-nos para o lado sul do Tejo, para a última noite do Out.Fest, que auspicia ser um programa de surpresas mas que acaba por ter tanto de agradáveis confirmações e como de irremediáveis decepções. Sabemos que um nome como “The Fall” vai ser o grande chamariz, e a curiosidade adensa-se.
Primeira presença em palco da noite a cargo dos Skullflower. Projecto curado por Mathew Bower desde o final dos anos 80, adquiriu formas muito díspares na formação e sonoridade, tendo tido membros de Coil, Nurse With Wound e Ramleh fazendo-se tanto em registos do drone/noise até algo mais stoner. Ultimamente Mathew Bower faz-se acompanhar por Samantha Davies no violino, e, neste curto concerto no Out.Fest, a dupla tocou de costas voltadas para o público, numa parceria que resultou num drone barulhento, emulado por guitarra eléctrica, violino com um carrada de efeitos e voz, a soar a algo muito gélido, glacial até. Foi um concerto demasiado curto à volta de um tema demasiado longo, mas não deixou de ter o seu interesse por isso.
Carla Bozulich apodera-se de seguida do palco com grande vontade e prazer, apesar do pequeno incidente protagonizado pela ebriedade de um sexista em frente ao palco, que acaba por ser escoltado pelos seguranças.
A formação que a acompanhou, Bloody Claws, é nome para uma orquestra mutante, recrutada muitas vezes na comunidade local, como foi no caso do Barreiro, em que Carla Bozulich, para além do violinista, que também era percussionista e teclista, que a acompanhava, convidou um guitarrista (cujo o nome lamentavelmente deixei escapar*[nota])”da terra”, para oferecer um concerto intenso, que acontecia, visivelmente, de forma quase improvisada.
A voz de Carla é envolvente e hipnótica, que vai do registo mais “low key” (qual Nick Cave feminino) até ao grito punk, nalgumas músicas a soar a neo-folk, noutras a algo mais noisey e sujo. Dada à crueza, carisma e sinceridade de Carla, foi o concerto surpresa da noite. O Out.Fest tem destas coisas, às vezes é nos nomes que mais desconhecemos que encontramos o melhor reconforto.
“What goes up must come down”. E assim se cumpre o dito com o concerto dos The Fall. Sala cheia, com corpos a apertarem-se perto do palco, para assistir a um triste espectáculo, que só poderia ser pior se fosse num festival de grandes dimensões. The Fall é Mark E. Smith. Podia ser uma banda divertida que junta duas(ou mais) gerações de idades num só acto, mas não é, é só Mark E. Smith. E Mark neste momento é um “velho” que não parece ter qualquer vontade genuína de estar em palco, a não ser o income assegurado pela iconicidade da banda.
Mark é a figura que vem mantendo The Fall em pé, e actualmente é acompanhado por pessoas com muitos anos a menos do que ele, que agem com um certa condescendência para com ele: limitam-se a cumprir com a parte instrumental, sem demonstrar grande feeling enquanto banda.
A atitude de Mark em palco é decadente: cantar (balbuciar, vá) coisas indecifráveis, mesmo para um inglês nativo, desaparecer do palco várias vezes, sentar-se atrás dos amps de guitarra a cantar, mexer no e tirar o som do baixo e teclados. Perante tudo isto, a banda limita-se a olhar em frente e a continuar a tocar, com uma aparente vergonha com o desrespeito de Mark para com o público. Compreende-se o ser “banda de culto”, pois só com fiéis se mantém o estatuto do sagrado, é preciso fé para se aceitar este sacrilégio.
De seguida, um bom número de pessoas abandona a sala e perde aquilo que foi, a par de Carla Bozulich’s Bloody Claws, o concerto da noite.HHY & The Macumbas, banda originária do Porto, é das descobertas recentes mais entusiasmantes no que toca à música nacional. Depois de ter perdido o concerto deles no Milhões de Festa, e depois de ter sido repreendido severamente por críticas muito favoráveis ao mesmo, estava expectante para este concerto.
Os HHY & The Macumbas têm um som ancorado num psicadelismo rítmico, que ao vivo contempla expurgar os espíritos do corpo pela ascensão hipnótica das percussões. Viagens rítmicas de tambores, bombos e chocalhos, acompanhadas por um trompete e camadas misteriosas e selváticas, inspiradas em Sun Ra, na profundidade sónica do dub e na música etnográfica de regiões recônditas de África, América do sul e Pacífico.
O sagrado e o profano juntos num ritual sonoro, esgrimidos por três secções de percussão, uma bateria, um trompete e samples, e mais uma secção de maquinaria, o que faz dos HHY & The Macumbas uma verdadeira orquestra de voodoo musical.
*[Nota editorial]: o nome do guitarrista é Manuel Mota (agradecemos a Marcelo dos Reis pela dica).