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Under The Doom VI: O Que É Bom Pode Ser Melhor

Under The Doom VI: O Que É Bom Pode Ser Melhor

2018-12-07, Lisboa Ao Vivo
Nero
Joana Cardoso
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Naquela que foi a maior edição do festival Under The Doom, While Heaven Wept, Sinistro e Shining foram os pontos altos, Sólstafir a banda que todos queriam ver.

Aos poucos, Lisboa vai começando a criar sustentabilidade para este tipo de eventos, aumentando o nível de público, a qualidade dos espaços, que possibilitam, por sua vez, o aumento da oferta nos cartazes – seria difícil ter headliners do calibre de Shining, Arcturus e Sólstafir num espaço mais reduzido que o LAV, mais não fosse pelo menor retorno financeiro de uma lotação menor. A pertinência do cartaz será já uma questão subjectiva e se há que saudar o crescimento do Under The Doom, através da perseverança da NotreDame, a verdade é que muitas das propostas do cartaz estão a anos luz daquilo que se foi vendo no Porto, com o Amplifest, ou menos no extremo cartaz do Burning Light, famigerado festival de 2015.

Mas os méritos de uma promotora passam por saber reconhecer aquilo que o público espera, mais do que a imprensa ou nichos elitistas gostariam. E nesse aspecto, o cartaz do Under The Doom também foi capaz de surpreender, desde logo com a estreia dos norte-americanos While Heaven Wept em Portugal, naquela que foi anunciada como a banda como a sua digressão de despedida, e com a possibilidade de se poder assistir à irascibilidade de Niklas Kvarforth a comandar os Shining.

No plano oposto, houve propostas insípidas, demasiado pastiche, como os Antimatter e os Draconian. Contudo, o ponto mais baixo do festival coube aos The Wounded e à sua pueril colagem à sonoridade pós “Eternity” dos Anathema. Com uma prestação ridiculamente hiperbólica, a exabundar dores de coração juvenis, o guitarrista/vocalista Marco van der Velde comandou um concerto desastrado, desinteressante e sacrílego, que foi tão longe como profanar “Smells Like Teen Spirit” – uma das piores experiências musicais que a AS já viveu.

MELODIA & HEROÍSMO

Os Desire batalharam ao longo do seu concerto com os demónios mais antigos que habitam o projecto; a tremenda intermitência nas apresentações ao vivo, que não permitem consolidar as actuações e aquela que é a sua maior consequência, a enorme flutuação nas cadências dinâmicas e no tempo musical. Mas não há como negar o carisma e poder melódico das composições dos lisboetas, que acabaram por engrandecer o concerto.

“An Autumnal Night Passion”; “Scars Of Disillusion”; “White Falling Room”; “When Sorrow Embraces My Heart (Mov. III)” e “The Purest Dreamer”. Numa setlist algo curta para se expressar convenientemente, a banda, acompanhada pelos convidados Rute Fevereiro e o violinista Tiago Flores, viajou pela sua discografia completa e mostrou um tema original, “Scars Of Disillusion”, que fará parte do próximo álbum (a ser gravado em 2019). O novo tema terá sido o que sofreu mais com a natural falta de rodagem da banda. No pólo oposto, o deslumbrante terceiro movimento de “When Sorrow Embraces My Heart” criou o maior impacto emocional de uma actuação que deixou evidente o arrasador poder vocal de Tear. Um ano depois da apresentação da reedição do primeiro álbum, a actuação da banda nacional foi bastante aclamada pela sua cidade.

 

Se houve algo que o concerto dos While Heaven Wept provou de forma esclarecedora, foi que os norte-americanos são uma das bandas mais underrated do underground. Numa discografia desorganizada por tantas mudanças de editoras, singles, EPs e presenças em compilações com as quais a banda procurou estabelecer-se desde o final dos anos 90, destacam-se álbuns colossais como “Of Empires Forlorn” ou “Vast Oceans Lachrymose” e os poderosos dois últimos trabalhos, “Fear Of Infinity” e “Suspended At Aphelion”, editados sob a égide da Nuclear Blast. Mas, por alguma razão, a banda estreou-se em Portugal como uma desconhecida para a maioria do público presente no Under The Doom.

Se a banda revelou algumas imperfeições, nomeadamente a execução algo suja e atabalhoada do líder Tom Phillips na guitarra (muitas vezes all over the place), nos momentos em que o foco foram os poderosos e épicos riffs de canções como “The Furthest Shore”, “The Drowning Years” e a lendária “Thus With A Kiss I Die”, do primeiro álbum da banda, “Sorrow Of The Angels”, o concerto tornou-se arrebatador. “Vessel”, com o seu refrão AOR, criou empatia espontânea com o Lisboa Ao Vivo. Com a soma instrumental da banda maximizada surgia altaneira a soberba voz de Hank Rain Irving. Quem os conhecia e esperou tanto para os ver ao vivo saiu de medidas cheias, quem não os conhecia terá ficado impressionado, afinal este foi um dos melhores concertos de todo o festival. A setlist foi um mimo: The Furthest Shore; Soulsadness; Drowning Years; Vessel; Thus With A Kiss I Die; Empires Forlorn.

 

DÚVIDAS & CERTEZAS

Os Arcturus não aproveitaram a passagem por Lisboa para se redimirem aos olhos do público português, depois de uma passagem desastrosa pelo Vagos Open Air (no seu primeiro formato, em 2012). ICS Vortex teve uma prestação demasiado oscilatória numa setlist abrangente nos temas obrigatórios, como “Kinetic”, “Collapse Generation”, “Chaos Path”, “Master of Disguise”, “Alone”, “Hibernation Sickness”, entre alguns do último álbum e, no final, dois temas do primeiro – “The Bodkin & The Quietus” e “Naar Kulda Tar” – encerrando com “Of Nails And Sinners”. Com o carismático Hellhammer comprometido ao mínimo com a actuação, ficou a sensação de algum vazio de intensidade. No final, permanece a dúvida sobre a capacidade da banda em transpor de forma eficaz a esquizofrenia complexa da sua sonoridade de estúdio para palco.

 

Já no segundo dia, o projecto nacional Collapse Of Light também deixou mais dúvidas no ar que certezas. Com ambos os vocalistas residentes no Norte da Europa (o português Carlos D’Água mudou-se para a Noruega), a distância implica escassez de ensaios, o que marcou de forma evidente o concerto. Além da própria natureza do projecto, que conta com vários músicos convidados, como é o caso de Gonçalo Correia, dos Process Of Guilt, responsável por algumas das baterias do recente álbum, mas ausente do line up ao vivo. A banda revelou bastante insegurança na performance, mas em si, o seu death/doom deixa bons cruzamentos melódicos, cativantes sequências harmónicas e o carisma vocal de Natalia Koskinen. A forma como contornar a distância entre os músicos da banda será o próximo passo.

Os islandeses Kontinuum revelaram-se uma das surpresas do alinhamento do festival. Com uma propensão muito mais ligeira e rocker que propriamente pesada, como foi também apanágio dos headliners do Under The Doom, tiveram uma actuação extremamente sólida, muito dinâmica e directa ao assunto. Sentiram-se tão à vontade num festival underground como se sentiriam num evento como o Primavera Sound Fest, cruzando várias referências e mostrando uma enorme rodagem em palco. Um factor que foi preponderante para fazer a triagem entre os melhores concertos do festival e que serve que nem uma luva nos nacionais, mas cada vez mais internacionais, Sinistro. Este não é o lugar para pseudo moralismos redondos, mas não há ideias melhores nas bandas estrangeiras e piores nas nacionais, não há nenhum segredo místico para se atingir determinado nível enquanto banda, há apenas persistência e trabalho. É apenas devido a isso que os Sinistro se vão tornando uma referência maior a cada ano que passa. Curiosamente, foi a primeira vez que os vimos numa sala lisboeta com um som a fazer justiça ao seu estatuto. Com a bagagem de mais um ano com presenças em grandes eventos do circuito internacional, a banda lisboeta mostrou-se com uma solidez reforçada por uma arrasadora parede de distorção e low end. Sobre o carisma de Patrícia Andrade já falámos inúmeras vezes. Num dos melhores concertos do festival ouviu-se a densidade atmosférica de malhões como “Cosmos Controle”, “Relíquia”, “Partida”, “Abismo” (verdadeiramente sublime) ou “Cidade”.

 

NO FIO DA NAVALHA

Niklas Kvarforth é dono de uma misantropia e feitio bastante peculiares. Irascível, com fases de cocainómano (de resto, retratadas em Lisboa através do tema “Förtvivlan, Min Arvedel”), paradoxalmente metódico com o som dos Shining e feroz na relação com o público, o frontman pode tornar um concerto dos suecos em algo memorável pelos melhores ou pelos piores motivos. Em Lisboa, apesar do caricato stress inicial com o técnico do som de palco, devido ao feedback provocado pela proximidade do seu microfone com a munição, fez o concerto passar de um início titubeante para um dos melhores nos dois dias de festival. Mesmo com o distanciamento propositado com a plateia, através de um alinhamento maioritariamente proclamado em sueco, com o líder concentrado no concerto, a banda sentiu crescer progressivamente a sua confiança, elevando a sua actuação até culminar na excelente “For A God Bellow”.

Através de melodias redondinhas e da capacidade para criar refrões “cantáveis”, mesmo em islandês, os Sólstafir têm vindo a ampliar a sua audiência. Mas se conseguem, de facto, escrever canções cativantes, continuam a deixar algo a desejar enquanto músicos, principalmente considerando o estatuto que vão atingindo. Não lhes é já desculpável que, entre outras coisas, interpretem um par de temas com os guitarristas com a afinação completamente ao lado. É amadorismo e a própria banda não merece ficar refém desses detalhes, até pela atitude de espontâneo “porreirismo” que deixa transparecer em momentos como “Bláfjall”, quando o vocalista/guitarrista Aðalbjörn “Addi” Tryggvason caminhou sobre as grades na frente de palco, já no encore – que iniciou com a inevitável “Fjara”.

Muito pelo ambiente estabelecido entre banda e público, o concerto foi bom. Mas exige-se que façam muito mais.

SETLIST

  • SÓLSTAFIR
  • 78 Days in the Desert
  • Köld
  • Silfur-Refur
  • Ísafold
  • Ótta
  • Ljósfari
  • Hula
  • Svartir Sandar
  • Fjara
  • Bláfjall
  • Goddess of the Ages