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Van Wissem, liturgia de cordas

Van Wissem, liturgia de cordas

2015-02-05, Zé dos Bois, Lisboa
Timóteo Azevedo
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Josef Van Wissem regressou a Portugal, desta vez, para concertos em várias cidades (Lisboa, Barcelos, Vila Real e Caminha) trazendo como motivo o lançamento do seu mais recente trabalho. Foi na galeria Zé dos Bois em Lisboa, no passado dia 5 de Fevereiro, que o vimos e ouvimos a apresentar o álbum “It Is Time For You To Return”.

Foi há menos de dois anos que perdi, mais uma vez, a oportunidade de ver este holandês a tocar o seu belo alaúde, que passou pelo Amplifest e pelo DocLisboa em 2012. Era imperioso vê-lo. Pensei eu e pensaram também as muitas pessoas que esgotaram a sala. Ainda vimos algumas lá fora, entre lamúrias de quem se atrasa, a não conseguir entrar.

Em Brethren of the Free Spirit – projecto que o juntou ao guitarrista James Blackshaw em dois álbuns interessantíssimos lançados em 2008 e 2009 – recebemos a visão mística do cristianismo que os dois músicos partilham, e ficamos com as directrizes da música que Van Wissem procura fazer. Padrões repetitivos e uma estética minimalista que desvendam o poder meditativo oculto deste instrumento antiquíssimo, que Van Wissem procura reinventar de alguma forma, num atitude que o próprio afirma como “punk-rock”.

É através das colaborações que acaba por dar-se a conhecer ao mundo. Principalmente após colaborar com o realizador Jim Jarmusch, tanto em álbum, como em filme, levando-o a ganhar em 2013 o prémio de Melhor Banda Sonora em Cannes, com o “Only Lovers Left Alive” de Jarmusch.

Apesar de “It Is Time For You To Return”, lançado no final de 2014, ser um álbum que admite novas linguagens, como o uso de alguns apontamentos electrónicos e voz (pela primeira vez na carreira do músico), é sozinho e despojado de aparato que o vemos em palco. Os temas que, por vezes, versam um lado mais pastoril, outras vezes mais misterioso e negro, ganham novas abordagens com Van Wissem a fazer uso do posicionamento dos microfones para dar efeitos no timbre do instrumento, movendo-o em torno destes. Um exemplo dessa nova estética, foi o tema “Temple Dance of the Soul”, que em álbum inclui uma discreta batida electrónica, e ao vivo, torna-se mais “medieval” e com uma quota parte de peste negra, quando despido desses elementos.

Apesar de o motivo ser o novo álbum, isso não o impede de começar com músicas do álbum “Nihil Obstat”, como a “How You Must Have Suffered” e “Where You Live and What You Lived For”, ou ainda “He is Hanging by His Shiny Arms…” do álbum de colaboração com Jarmusch, “Concerning the Entrance Into Eternity”. Vestido de preto, parcamente iluminado e por vezes envolto em nevoeiro, Van Wissem atrai para si um ambiente misterioso e peculiar, tornando o concerto um lugar que nos remete para um passado mítico, ancorado algures num Sétimo Selo de Bergman. O concerto, não muito longo, termina sem que antes Van Wissem volte a palco, chamado pelos aplausos incessantes, para um curto encore.

A abrir a noite esteve Manuel Dordio, que nos mostrou uma abordagem à guitarra muito própria. Numa liberdade e despojamento que nos remete para alguns dos registos de Marc Ribot, Dordio apresentou temas próprios mas também uma surpreendente interpretação free do Choro N.1 de Heitor Villa Lobos.