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Netflix: Fyre Festival, o pior festival de sempre?

Netflix: Fyre Festival, o pior festival de sempre?

António Maurício

Assistimos à ante-estreia do documentário sobre o Fyre Festival produzido pela Netflix e retiramos algumas lições de trabalho, vida e moral.

Se já ouviste falar no Fyre Festival, provavelmente não foi por uma boa razão. Anunciado e publicitado como um festival de luxo numa ilha nas Bahamas (ilha que pertenceu na Pablo Escobar) em 2017, tornou-se num dos maiores fiascos de sempre na história dos festival de música. Billy McFarland, CEO e cara do evento, foi encarcerado por fraude (entre outras ilegalidades) durante 6 anos. A história contada por membros da equipa (incluindo imagens de Ja Rule e McFarland) participantes e habitantes das Bahamas será apresentada pela Netflix – num novo documentário intitulado “Fyre: o grande evento que nunca aconteceu”, com estreia no próximo dia 18 de Janeiro. A Arte Sonora assistiu à pré-estreia e mostra-te seis pontos a reter.

1.Um festival de grandes dimensões não é pêra doce
A organização de um evento torna-se simultaneamente mais difícil e complexa em prol da sua dimensão. Se um festival dito “normal” possui longos tempos de preparação (meses ou até anos), quanto será o tempo necessário para a produção de um festival numa ilha das Bahamas? Não sabemos, tal como toda a equipa do Fyre Festival não o sabia. O primeiro dia de festival gerou um caos humano que foi referido pelos festivaleiros como «Inferno na Terra» – as tendas (previamente anunciada como salas de luxo) não eram suficientes, a água não era suficiente, a comida não era suficiente nem de qualidade e claro, todos os artistas cancelados, mas esse era o menor dos problemas.

Ja Rule e Billy McFarland

2.Poder dos “influenciadores” digitais
O Fyre Festival ganhou rapidamente popularidade na internet através da publicidade e de uma excelente campanha de Marketing. O festival foi inicialmente apresentado através de um trailer de sonho, e em seguida, divulgado por dezenas de “influeciadores” do Instagram, com milhares de seguidores. Este fluxo de publicidade em redes sociais criou um enorme mexerico online e foi documentado como a razão principal pela qual o festival foi tão bem-sucedido na venda de bilhetes, que esgotou em poucos dias. Apesar da tragédia posterior, a equipa de marketing e publicidade (constituída por profissionais de alto calibre) executou um trabalho inigualável e impulsionou rapidamente uma marca desconhecida no mercado. Uma curiosidade, o Fyre Festival foi apresentado na edição de 2016 da Web Summit que se realizou em Lisboa e em “Fyre” podes assistir a esse momento.

3.Expectativa vs. Realidade
«A melhor comida, estadia e música» – uma promessa que foi substituída por: sandes em pão de forma com fatias de queijo processado, tendas em segunda mão previamente utilizadas como protecção de emergências para vítimas de tempestades e música aleatória disparada num palco vazio. A desilusão dos participantes também é apresentada, com descrições, histórias e imagens em primeira pessoa. Imagina pagares 500€ por um fim-de-semana de luxo e, em vez disso, encontrares um cenário pré-guerra onde não podes voltar para casa porque os aviões estão sobre lotados.

4.Quando a esmola é muita, o pobre desconfia
Além do marketing praticado por estrelas do instagram, o preço dos bilhetes acabava por ser atractivo nas categorias mais baixas. Os bilhetes de 750 dólares incluíam uma viagem (ida e volta) de avião, acomodação, comida de luxo e entrada em todos os palcos, basicamente, tudo pago numa ilha nas Bahamas. Foram várias as pessoas que compraram este “pacote” com o intuito de desfrutarem de férias paradisíacas, onde a música era apenas mais extra. Várias entidades tentaram alertar os compradores e até cancelar o evento com informações que rebatiam a impossibilidade destes preços, como o Twitter fyrefraud.

5.Redes Sociais
As redes sociais foram paralelamente a ferramenta de construção e destruição do festival. Proporcionaram um enorme buzz, com dezenas de fotos e vídeos promocionais que rapidamente fizeram vender todos os bilhetes de uma primeira edição de um festival, sem referências, e organizado por alguém sem experiência. Por outro lado, as redes sociais foram igualmente as responsáveis pela queda livre do festival em velocidade astronómica. Os participantes apressaram-se a partilhar fotos, vídeos e actualizações sobre o não-festival como forma de protesto. Este material, em poucos minutos, tornou-se em memes e propagou-se por todo o mundo. A risada de alguns, o desespero de outros.

6.A destruição e os danos irreversíveis
Contas feitas: um festival que nunca aconteceu, um CEO preso durante seis anos, clientes que nunca receberam o que pagaram (à excepção de raros reembolsos), entre outros problemas que nunca encontraram solução. A mão de obra local que trabalhou a alto ritmo nunca foi paga, a entidade responsável pela instalação de todos os palcos e colunas nunca foi paga e MaryAnn Rolle nunca foi paga – a proprietária do Resort Exuma Point expressa no documentário um comovente discurso sobre todo o trabalho que efectuou (com promessas de pagamento) e que a deixou endividada até aos dias de hoje.