10 DIAS DE ESTRADA NA AMÉRICA LATINA COM FAITH NO MORE
Em 2011, Nuno Cruz da Roadies DC viveu dez dias com os Faith No More, actuando como Production Manager em quatro concertos que a banda deu na Argentina, Uruguai, Chile e Brasil. Este é o seu diário desses dias.
Há dez anos atrás, os Faith No More reuniram-se para uma digressão. Passavam 12 anos desde que a influente banda alt-metal editara “Album Of The Year”. “Sol Invictus”, o mais recente álbum de estúdio, chegaria em 2015. Entre ambos os discos, Nuno Cruz (fundador da Roadies DC) passou dez dias com os Faith No More, actuando como Production Manager em quatro datas no continente sul-americano em 2011.
No seguimento dessa aventura, Nuno Cruz (o nosso Cruzeta), escreveu-nos um relato sobre dias extraordinários e música ainda melhor. O artigo foi publicado, originalmente, na edição impressa AS#23. Artigo que replicamos integralmente, agora que os Faith No More se preparam para um grande anúncio…
VOU SORRIR ATÉ AO FIM
Quando comecei, em Maio de 1990, com um programa do Júlio Isidro, o “8 ou 80”, gravado em Tróia, estava longe de saber o que a vida me reservava. Muito tem acontecido e muito tenho feito por vontade própria. Acredito que o sentimento que devemos ter presente é que não somos melhores nem piores que ninguém, somos apenas mais um. Devemos, no entanto, dar sempre o nosso melhor e de uma forma ou de outra, calculo que tendo do nosso lado o factor sorte, mais cedo ou mais tarde seremos recompensados pelo nosso esforço e dedicação.
05 Nov. | Depois de um almoço com o meu único e magnífico Tomás (razão da muita força que procuro ter) nos seus ingénuos e brilhantes 8 anos, junto com família, amor e amigos, celebro os meus 40 anos, completamente diferentes do que tinha programado há 2 meses atrás. Nada de festas, nada de 100 convidados e jam sessions como magicado. Fica de lado o festim na Fábrica da Pólvora. Este almoço acontece em casa e de malas feitas, com um frenesim e nervoso miudinho que há muito tinha afastado. Passo o tempo a olhar para as horas e a “checkar” emails e estou assim de forma inesperada e até aqui só sonhada de uma forma rápida em rodapé e meio “tocado”: fazer parte de algo maior do que eu e daquilo que me rodeia – estou a braços com o convite de ser Production Manager dos Faith No More, para quatro datas na América latina – Argentina, Uruguai, Chile, Brasil.
O convite surgiu no Brasil, no Rock in Rio 2011, onde fiz pela segunda vez Mondo Cane. Fiz o RiR como Stage/Production Manager do Palco Sunset, mas comecei o meu advance com o Tim Moss (manager de FNM e Tour Manager de MC) e Rob Marcus (Agente Internacional de FNM e MC, entre muitos outros) em Lisboa. No meu primeiro contacto fiz questão de salientar que já tinha feito Mondo Cane no Sudoeste 2010 e FNM no SW 2009 e Optimus Alive 2010. Acho que criei aqui alguma química ou ligação, enfim… Durante o trabalho no Brasil e depois de muita troca de email e de acertarmos o que havia a acertar, surge um email simples, do Tim Moss, onde pergunta: «Hey!!! Nuno, fazes muito Production Manager para bandas fora dos festivais?». Assinado: FNM Management. Não sabendo bem o que aí vinha ou se era apenas graxa, não me entusiasmei muito (vá, um bocadinho. Ok. Muito, mas com cautela, podia ser apenas o calor do momento). Retribui com um email simples: «Hey man! Fiz isto e aquilo, actualmente faço isto, tenho as minhas limitações, mas let’s talk. Quando estiveres aqui em palco, se houver oportunidade falamos». No dia seguinte fui aos ensaios de Mondo Cane com a Orquestra Heliópolis e o Moss apresentou-me ao Mike Patton, que me disse «Puta Mierda», deu-me um abraço e avançou: «Lembro-me de ti do SW». Pensei: «Muito estranho, isto está montado, devem estar a preparar alguma… Ok, Cruzeta, controla os impulsos, what the hell is going on». O Tim Moss volta a abordar-me: «O que é que fazes em Novembro?» Em estilo de gozo, disse-lhe: «Faço 40 anos» e ele retorquiu: «Estou a pensar numas datas na América Latina, que dizes?» (sem me revelar de quem se tratava). «Parece-me bem, não tenho nada para fazer, sempre fico entretido», respondo.
A 05 de Novembro fiz os 40, almocei e estou a caminho do Aeroporto, sempre apoiado pela minha companheira, com uma amiga meio bezana a gritar «Cruzeta és o maior» e arranquei num Voo nocturno de 10 horas, saída 23 horas para Buenos Aires, via São Paulo… ETA – hora prevista de chegada a BA 12h30, Local Time. Nervoso, a suar das “manápulas”, a magicar o que raio me espera, com a minha pasta de produção e laptop, aí vou eu… Cruzeta goes International. What the fuck!? A vida é feita de surpresas. A viagem faz-se a dormir…
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06 Nov. | Wake up! No avião ouve-se «senhores passageiros estamos a descer para São Paulo, blá, blá, blá». De novo noutro avião e 3 horas depois lá vou sozinho na minha odisseia para terras do Tango, nunca antes visitadas. Aterro em Buenos Aires e lá está a Verónica da produção local. Improviso o meu Portunhol e lá sigo com a sigla de “PM de FNM”, algo importante e com um peso tremendo para quem me recebe – afinal de contas, não sabe que sou um simples portuga ali caído de pára-quedas. Yup, that’s me, dude! O Cruzeta DC. Check-in no Sheraton de BA e sou abordado pelo Nico Antonietti, um milanês que faz monitores e com quem já tinha estado em Mondo Cane, também ele novo na equipa de FNM – penso que somos a muleta um do outro nesta 1ª fase. Aproveitei para cumprimentar a equipa que estava no lobby, deixei a bagagem no quarto e fomos almoçar. O meu primeiro contacto com a equipa que tenho de liderar – afinal, e depois de contas feitas, é a mim que têm de responder.
Conheci o Michael Brennan, o técnico FOH, um escocês que é um “granda” cromo e muito bem disposto – sempre diplomata e cavalheiro para as senhoras, mas um escocês para a equipa. Nickname Bishop, trabalhou com Primal Scream, The Cure, entre outros. O seu pai, também destas lides, andou pela estrada e tem uma empresa de aluguer de equipamento; o MB aka Bishop até tem a sua própria mesa Digidesign Profile. Segue-se o Guitar Tech Anthony Oates, inglês que vive em França e que tem por hobby observar pássaros e com quem já tinha estado com Tindersticks e Nick Cave/Grinderman, com os nossos alugueres de backline da Roadies DC. A conversa é: «Claro que te conheço, és o backline supplier em Portugal, o melhor e o único [gargalhadas]». O Don McAuley, de costelas também escocesas, mas americano, é o Drum Tech. Trabalhou com Neil Young, entre tantos outros, e também tem uma empresa de aluguer de backline, coisas mais vintage, essencialmente bateras. Ah! E faz móveis, ou recria. Ficam a faltar o Chaz Martin, técnico de Iluminação que, depois de uma tour intensa de Tears For Fears anda todo trocado e ficou a descansar, e o Aaron Havril, Bass e Keyboard Tech, que chega amanhã e é técnico de Lou Reed, Queens of The Stone Age, entre outros. Depois de longo almoço e de optarmos por não nos deixarmos vencer pelo jet lag, acabamos numa tasca de rua junto à estação ferroviária – feirantes, bagunça e lá estamos os europeus a “buer” Quilmes, cerveza Argentina, e temos marcado um Lobby Call para as 19h, steak time com a banda…
Primeiro cruzamento no lobby: aparece o Mike Patton. «Hey Nuno, I’m glad you did it. Great to see you again». Claro que nesta cabecita de Cruzeta penso: «What the fuck, faço parte desta merda, c’um c*ralho». Sou apresentado à banda e apresento-me eu ao Mike “Puffy” Bordin. «Olá, sou o teu PM, prazer em conhecer-te», e o gajo diz-me: «Ainda estás a sorrir?» A minha resposta sai pronta: «Vou sorrir até ao fim!». Resposta: «I like you, welcome dude!»
Jantarada, o Puffy e o Billy (baixista), ao meu lado, só pensam em comer bem e beber bom vinho. O Billy conhece perfeitamente Lisboa, falei-lhe do Johnny Guitar e mandei-lhe um abraço do Zé Pedro dos Xutos. O gajo lembra-se e conhece tudo, até sabe o que é Morcela (“Muxela assada”) – tenho de lhe mandar uma da Maria Emília, da Ataija de Cima. Boa jantarada e MUITO bom ambiente. O Mike Bordin passa o tempo a falar de bateras, da sua Yamaha Drums (modelo de assinatura) e da sua tour com o Ozzy, onde tocou com o “Módié” de Metallica, Trujillo. O mundo é pequeno e lá está o Cruzeta sentado à mesa com os FNM, em Buenos Aires… O Billy diz-me que o restaurante é tão bom que da última vez estiveram 3 dias e foram ao mesmo restaurante 5 vezes. O Jon (guitarra) é o gajo reservado, com medo dos contactos humanos e de apanhar vermes nos cumprimentos de mão e abraços, mas lá vai um bacalhau do Cruzeta e um pleased to meet you, e o Rod é o teclista homossexual assumido, que por vezes se apresenta com o seu namorado, tipo armário “Marine”, mas boa praça, discreto e impecável.
Vamos a pé para o hotel, encostamos no bar e lá fico com o Sr. Mike Patton a dizer-me: «Nuno, you saved our ass in Brazil». Claro que tenho de lhe dizer: «Bacano, o prazer é meu, afinal eu é que ouvia a tua banda na escola». Vai um abraço e um palavreado em italiano e espanhol, ele é inteligente e está sempre em cima da jogada, gosta de provar o que é local e tentar falar a língua. Lá ficamos nos copos e entre muitas coisas o gajo diz-me: «Nuninho, Nuninho». Já tocado pela cervejola lá lhe digo: «Vamos lá esclarecer isto; o que tu falas é português do Brasil, que é um pussy portuguese. Na minha terra tens de dizer Nuno». Respostas: «C*ralho! You rock, mother fucker».
07 Nov. | Lobby call às 16h e ida para local, o Microestadio Malvinas Argentinas – o contacto local é curioso, sinto algum respeito, além de ser o PM de FNM e ser o gajo que tem estado há um mês e meio a enviar emails, sou portuga e arranho o castelhano, poucos estavam à espera e vou marcando pontos. Este é o primeiro espectáculo onde os FNM se apresentam num palco vestidos de branco e com apontamentos de flores, muitas, de todos os tipos e o mais coloridas possível – tal como expresso num email do TM: «Think white fucked up hippy vibe cult». Claro que não é fácil, o mesmo que se passa aqui acontece em alguidares de baixo e no meu primeiro Fuck Dude (do género, isto não está a funcionar como previsto), a malta toda diz-me: «Bem-vindo à América Latina». Lá arrastamos o nosso setup até às 22h30 e arrancamos para jantar.
08 Nov. | Microestadio Malvinas Argentinas – Buenos Aires, Argentina. Capacidade 7000 Pax. Muita coisa ficou por fazer da noite anterior. Lobby call às 10h, chegada ao local e preparar tudo para um ensaio com banda às 16h. E, depois de duas semanas de ensaios em LA, prepara-se a apresentação de uma música nova. As instruções são: pestana aberta, nada de câmaras, fotografias, vídeos ou qualquer m*rda que possa acabar no YouTube. Ensaio feito, tudo a postos, jantar no recinto, “conbíbio” com os músicos e, lá estou eu, como se fizesse parte de tudo isto há muito tempo – sou parte integrante da equipa e o gajo que tem respostas para todos… Fucking awesome! Ainda bem que faço os trabalhos de casa. Tudo a postos, abertura de portas às 18h30. Local support act às 20h, Los Tormentos, um som surf guitar. 20h45, change over de FNM. Os nossos 45 min, pedidos no Technical Rider, são preenchidos com acertos e detalhes próprios da mudança. Programo uma eventual ida do Patton ao pit de segurança, vejo se está tudo no sítio, coloco as p*tas das flores e tiro fotos para os promotores que se seguem. Pergunto à equipa: «Are we ready to rock? Posso trazer a banda? Vamos arrancar?»
A casa está ao barrote. 6300 pessoas. 21h30 and there you go: FNM On stage. Posso dizer com ar suspeito que a casa vem abaixo. Setlist pensado, “Evidence” em espanhol, encore com música nova e “We Care A Lot” fecham o primeiro dia com algo inexplicável nas minhas emoções.
Coordeno a desmontagem, arrumar, tratar da empresa de carga e ter a certeza de que tudo segue para o Uruguai. Depois de mais umas parvoíces com o cromo do Patton e o Mr. Michael Brennan, “bazo” na carrinha com o Billy Gould e o Mike Bordin, mais parte da Crew. Hotel, banhoca, boxer para a caminha e recebo telefonema do Moss: «Estás nu?» Quase! «Come on sweet! Vem cá abaixo, que tenho papelada para ti e o bar ainda está aberto». Bolas, ia dormir; lobby call às 6 da matina, mas também não me nego. E lá fui ao encontro Moss, Patton e Juan JR Molas, o nosso promotor. «Nuno, toda a equipa diz que és “DC”, fizeste um trabalho do cacete». E o Patton remata: «Uma vez disse-te, no Brasil, que eras capaz. Easy brother. You are the man, I’m glad you did it». Claro que este entusiasmo e confiança deles acabou por fazer passar para mim mais tarefas. Cool!
SAÍMOS DE CASA PARA DAR UM CONCERTO DE ROCK
09 Nov. | Teatro de Verano Ramón Collazo – Montevideo, Uruguai. Capacidade 4200 Pax. Wake up call às 06h. Temos uma ida para o aeroporto de cerca de 40 min, um check in e seca de poucas horas para um voo de 35 minutos para o Uruguai – Montevideo. À nossa chegada está o Fabian com uma folheca a dizer FNM CREW. Ida para o Sheraton Hotel, uma volta curiosa e bonita. Passamos pela zona dos ricalhaços, tudo casas bonitas e bem arranjadas, tipo Cascais, Quinta da Marinha lá do sitio, fazemos o trajecto junto à costa e devo ter passado umas 10 praias, sem exagero. Check in no hotel, Dry Cleaning das roupinhas, para os Srs. usarem no gig de hoje à noite, almoço no recinto, Teatro de Verano. Toda a gente num good mood brutal. O equipamento é limitado, o palco é ao ar livre e é uma cúpula que nos traz várias dificuldades técnicas, mas o problema, tal como disse o Michael Bennan num email: «hey ladies, thanks for your concerns, but I’ve been on this shit before»… Tudo se monta. Curiosidade: não há alcatifa branca no Uruguain e avançamos com uma beige.
Aproxima-se uma tempestade marada, muita chuva. O promotor está aflito, mas o Tim tranquiliza-o: «Saímos de casa para dar um concerto de rock e é isso que vais ter. Ou tocamos antes ou depois da tempestade, nem que mande a banda para o Hotel e voltem 2 horas depois». Brutal esta disponibilidade e vontade de fazer acontecer tudo isto, tal como os Motörhead em Paredes de Coura, há uns anos atrás. Depois da actuação dos Santullo, local act, arrancámos com FNM e a p*ta da chuva retraiu-se e parou. Foi um bom espectáculo. Dou ordem para house lights, música no PA, e oiço no rádio «Nuno hold on, the band wants to go for another one». Ok, sem problema, estamos prontos e arrancamos com mais “sonzaço” à Faith No More. Acabou-se, “embrulhamos” tudo… 45 volumes via Cargo vão regressar à Argentina e depois seguir para o Chile, onde só chegarão no dia 11, à noite. Connosco levamos o essencial para fazer ensaios em Santiago, no dia seguinte – guitarra eléctrica, guitarra, acústica, MAC, ferramentas… O básico. A equipa do Uruguai foi uma das melhores. Apesar das várias limitações, foi bastante esforçada e merece o nosso reconhecimento. Amanhã, Chile e ensaios. O espectáculo do Chile é no Festival Maquinaria. A banda vai tocar na íntegra o álbum “King for a Day… Fool For a Lifetime”, com uma secção de metais e coros e Trey Spruance. Regresso ao hotel e descanso.
10 Nov. | Lobby Call: 8h30. Saímos do hotel e, no último banco da carrinha sigo eu e o Roddy, que aproveita para me questionar onde vivo, o que costumo fazer e como é a vidinha por Lisboa – conversa simpática. O Roddy é bom gajo e discreto. Aeroporto, check in, avião LAN; destino: Santiago do Chile. Chegada umas horas depois. O Chile é um local importante para os FNM, têm uma grande legião de fãs, somos instruídos pelo Moss para tratarmos de toda a bagagem, pois à chegada a banda vai ser abordada para fotos e autógrafos. Ainda no controlo de passaportes já os homens estavam rodeados de funcionários e polícias em busca do seu momento com os FNM. Uma meia hora depois, lá conseguimos mostrar o passaporte e chegar à recolha de bagagem, somos encaminhados ao Sheraton e apressamo-nos para o Teatro La Cúpula, espaço destinado a passar a tarde em ensaios dos FNM com a secção de metais e coros e “checkamos” equipamentos. Montamos o equipamento de backline alugado (o nosso ainda está em trânsito), almoço rápido e chegada a banda. Neste ensaio, temos também o Trey Spruance, guitarrista que gravou o álbum “King For a Day…” e vai partilhar o palco com o Jon Hudson.
O primeiro ensaio arranca com a secção de metais composta por cinco músicos chilenos (saxofone, 2x trompetes e 2x trombones). O tema é “Star A.D.”, os trabalhos de casa foram feitos e os gajos vêm entusiasmados, basta passar a música 3 vezes e está na batata, igual ao disco. O Puffy vira-se para trás e aplaude de pé o quinteto chileno. Segue-se o coro local de 20 pax, também bem ensaiado e quase melhor que o original. Acabamos os ensaios por volta das 21h, arrumamos o pouco equipamento que trouxemos connosco e regresso ao hotel. Chuveirada rápida e vamos jantar ao Ligúria, tomámos uns Pisco Sour, bebida própria do Chile, boa jantarada. Bastante animados, trocamos uns WhatsApp com o Moss que estava no La Batuta, onde o Billy Gould foi tocar com os Como Asesinar A Felipes, banda chilena de quem é produtor. Quando chegamos já o Billy tinha tocado, mas isso não nos impediu de fazer a festa e ter uma noite rock ‘n’ roll e acabar numa discoteca privada e de acesso restrito dum amigo de Patton, qualquer coisa chamada Zebra Club – parecia suspeito, mas saímos de lá de manhã, além de ser bar aberto para nós, abria às 4 da matina, hora da nossa chegada… Ui!
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Ser headliner tem destas coisas, são sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair.
11 Nov. | Longo descanso para o esqueleto, afinal não temos dormido tanto assim. Ser headliner tem destas coisas, são sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair. Almoço no bar do hotel e espero pelo Tim Moss, que entretanto se tinha mudado para o Hotel W, com a banda. Vamos ao recinto ver como estão as coisas. Tenho algum receio, pois de todos os espectáculos este foi aquele que menos respostas obtive durante o meu advance e adivinho algumas falhas. O recinto do festival Maquinaria é num centro hípico, onde todos os dias há provas e outras actividades de manutenção com os cavalos. A rotina é a mesma há cerca de 120 anos e nem pensar em alterar o que quer que seja. Para chegarmos ao palco/recinto temos de atravessar a pista de corrida, que por vezes está fechada, implica limitações de acesso, seca e atrasos. Confirmo uma série de assuntos, algumas falhas, mas lá se chega a algumas conclusões, o problema maior e do qual depende o nosso trabalho agendado para esta noite é a chegada do nosso backline que vem do Uruguai, via Argentina, e tem chegada prevista para as 12h30. Pedi à equipa técnica que viesse para o recinto, jantamos e fazemos o que podemos, decidimos que é escusado reter toda a equipa até à chegada de equipamento e fico eu, para receber e confirmar a carga, e o Chaz, que fica a programar (iluminação). Teremos novo lobby call bem cedo, às 06h. Acabo por receber o nosso BK às 01h15 e quando regresso ao hotel são 02h.
12 Nov. | Club Hipico de Santiago – Santiago do Chile. Capacidade 70.000 Pax. Load In: 07h, chegada ao palco e tudo o que tinha ficado por fazer, que me tinha sido garantido que ia estar pronto para o nosso load in, falha! Falta alcatifar tudo a branco e “vestir” os estrados, que são uma valente m*rda. Para o Guitar Rig e Bass Rig tivemos de improvisar uns estrados com “sk8’s” do PA e umas placas de madeira. Às 08h30 temos a tal alcatifa, que entretanto tinha ficado presa do outro lado da pista. Estamos a atrasar tudo. Com muita insistência, lá montamos tudo e fazemos linecheck, a banda balda-se ao soundcheck nos festivais, somos nós que fazemos e a mim tocou-me passar o rig da guitarra do Trey. Almoço, passamos o resto da tarde no recinto e ainda luto por algumas respostas, nomeadamente as flores que pedimos no technical rider: «We will need a mountain of flowers. Don’t be surprised if we send you out to get more, so please get more than you think you will need. We want the stage covered in flowers». Só as tenho depois de jantar.
O Chile é um local de culto onde os FNM reinam. O promotor local diz-me que espera 60 a 70 mil pessoas. Pelo que vi não paravam de chegar e, de facto, a casa estava cheia, arrepia ouvir a massa gritar «FAITH NO MORE»! Duas curiosidades para este gig: a banda toca na íntegra o álbum “King For a Day…Fool For a Lifetime”, com convidados, e a equipa vai fazer uma surpresa à banda. Vamos todos vestir de branco. Temos 01h30 de Change Over, tempo de actuação de Chris Cornell no palco Transistor ao lado. Antes de FNM, tocaram os Alice in Chains. Tenho finalmente as flores, os estrados estabilizados, acertamos tudo e dou o OK via rádio para o Moss trazer a banda dos camarins, que são do outro lado da pista. Nesta noite fechámos o palco, segurança apertada.
Início do espectáculo e um arranque brutal, toda a banda dá o seu melhor e o Mike Patton transforma-se em palco – imediatamente antes e depois de estar em palco é um gajo completamente diferente. O espectáculo é intenso, mantenho-me sempre alerta e com algo para fazer durante todo o tempo. A entrada dos metais dá-se com “Star A.D.” e acabam o set com “Just A Man”, onde temos a presença do coro – brutal! Mais um encore, apresentação da nova música e a memória de um grande espectáculo. Tarefas habituais, arrumar tudo e despachar para o Brasil. Regresso ao hotel e, como sempre, “abancamos” no bar. Entretanto chega a equipa dos Megadeth, com quem convivemos um bocado… 200 e tal dólares depois de despesa, “bazo” para o meu quarto.
WE CARE A LOT
13 Nov. | Aeroporto. Cruzamo-nos com a banda e crew dos Megadeth, Alice in Chains e Duff McKagan. Tocámos todos no Maquinaria e temos como destino o SWU Fest, em São Paulo, onde nos espera uma valente chuvada. Somos encaminhados para o Tivoli Hotel (esta tour prima pelo excelente alojamento e refeições que fazemos com a banda; aliás, no technical rider referimos que gostamos de comer). Chegados, só temos tempo para ir rapidamente ao quarto e meia hora depois lobby cal. 20h45. Temos jantarada marcada com a banda, rodízio de carne e temos como convidados a mulher do Moss, Clementine, que é baterista em projectos como Bottom, Zepparella e The Solid, a mulher do Billy, Margarette, responsável pela actualização da página dos FNM e Twitter, e o John, companheiro do Roddy. Temos também à mesa o Paulo Xisto Pinto, baixista dos Sepultura, e o KCal Gomes, convidado dos FNM para o espectáculo no SWU – um poeta da favela, promotor de leitura e traficante de livros. Os seus pais eram traficantes e consumidores de crack e KCal manteve-se à margem de tudo isso através da paixão pelos livros, daí o seu documentário “A Mão e a Luva, Traficante de Livros”. Foi através da visualização deste documentário que o Billy contagiou os outros elementos e entenderam convidá-lo a participar – já no Chile os FNM se envolveram e referiram os problemas actuais com a educação; são de alguma forma activistas e defensores de causas. Depois de mais uma overdose de carne, caipirinhas, Brahma e bom convívio, regresso ao hotel à uma da manhã. Lobby call às 05h.
14 Nov. | Parque Brasil 500, Paulínia, São Paulo, Brasil. Capacidade 70.000 pax. Arrancamos do hotel às 05h05, destino SWU cidade Paulínia, que fica a duas horas de distância de condução, debaixo de chuva torrencial. Questiona-mo-nos se haverá espectáculo. Chegada ao Palco Energia, que fica “face to face” com o palco Consciência. A chuva entretanto parou e apesar de estar tudo molhado e enlameado, o Palco está seco e seguro. Avançamos com os trabalhos. O SWU é, sem dúvida, o melhor espaço onde actuámos em termos de estrutura e capacidade organizativa. É “o” festival. Numa área de 1.700.000m², e com o mote do desenvolvimento sustentável e energias renováveis, tudo é cuidado ao pormenor e a única coisa incontornável é, de facto, a Mãe Natureza.
Conseguimos estender o nosso Setup/LineCheck/Soundcheck até às 11h. Temos de intercalar com os Megadeth, que estão no palco da frente e claro que temos choque de som. Lá conseguimos concluir os trabalhos, até porque é fácil para mim dizer-lhes para pararem, pois eu, FNM, sou headliner e tenho primazia (ahah!) e isso torna algumas coisas mais fáceis de acontecer. Terminados os trabalhos, faço o reconhecimento dos camarins, também estes afastados do palco, e encaminho a equipa para o catering dos artistas. No espaço dos Dressing Rooms, ficamos lado a lado com os Stone Temple Pilots e Megadeth, passamos o resto do nosso dia neste espaço, os FNM vão para palco às 01h30 (já dia 15 de Novembro). Aproveito para visitar alguns amigos da Gabisom, zucas e tugas, temos lá o Pedro Parreira (Audiomatrix) e o Gonçalo (Audiomatrix), que está no meu palco, entre outros camaradas zucas com quem estive no Rock In Rio – RJ 2011. No Brasil, sou bastante bem recebido, conheço muita gente, desde fornecedores de equipamento áudio, luz, Gabisom e backline SóPalco, o próprio Production Manager é um amigo de longa data, o Cézinha, com quem fiz o primeiro Rock in Rio Lisboa 2004.
Antes de jantar, aproveito para ver em palco com o resto da minha equipa o que se julga ser um dos últimos espectáculos dos Sonic Youth – foi um bom espectáculo. Aproxima-se a nossa hora, no palco Energia (nosso palco) estão em palco os STP e fazemos pressão para que terminem às 23h30. O Moss, habituado às manias do Scott Weiland, receia que este se estique e não cumpra o alinhamento. Tensão, pressão, gritaria, ameaças tipo «vou mandar isto abaixo» e passados cinco minutos lá acabam e saem de palco. Começa a nossa mudança e agitação. Já vestidos de branco ,preparamos o palco branco, todo florido, para o que seria um espectáculo memorável: cerca de 60 mil à chuva a gritar «C*ralho! FAITH NO MORE». O espectáculo está no YouTube. Palavras para quê? É ver!
Apesar dos problemas técnicos que tivemos com o teclado (tivemos de usar o Rig B), acabou por ser um espectáculo brutal, intenso. Durante o tema “Gentle Art Of Making Enemies”, o Patton salta para a câmara que está em frente dele, senta-se no lugar do cameraman e vai filmando e cantando; desvairado, escorrega e cai, levanta-se com o cabo de micro à volta do pescoço e não contente salta para o Pit de segurança, onde vou eu e o Moss atrás a dar cabo ao “bicho” e com a tarefa de o trazer de volta. O set termina com “Just A Man”, aqui também com um coro convidado, são adolescentes femininas da favela, entre os 15 e 17 anos, o coro Heliópolis, não tão bem ensaiado ou com a pujança do coro do Chile, mas ainda assim peculiar. Os FNM voltam para encore e estimavam voltar mais uma vez para terminar em grande no SWU de Paulínia, com “We Care A Lot”, mas o Patton transmitiu à banda que não dá, «I’m done» – o homem não pára do princípio ao fim e nem as caipirinhas o conseguem fazer voltar.
Acompanho primeiro o Mike Bordin e depois os restantes membros da banda e volto para ir buscar o Patton, que ficou a tirar fotos com as miúdas do coro. Chego-me a ele e indico-lhe o caminho, o gajo chama-me, agradece-me e diz-me: «Nuninho, Nuninho, thanks for the great job, you kick ass». Muito obrigado, Mike, para mim foi um prazer enorme – e a questão do “Nuninho, Nuninho”, como me tratou todos os dias, era para me dar baile, por lhe ter dito que as terminações inho eram português maricas e melado do Brasil. Novamente término do “Show”, arrumar o nosso equipamento, fazer contagem de volumes, carregar para regressar a L.A. e “idiot check”, para ter a certeza de que nada fica para trás. Arrancamos para os camarins onde ainda ficamos com a banda e bebemos as caipirinhas que sobravam, mais uns abraços e agradecimentos e a fotografia da praxe que andava a evitar… Myself and Mike Patton. Regresso ao hotel, mais duas debaixo de chuva e a dormir. Chego às sete da manhã.
15 Nov. | Despedidas repartidas por todos. Partimos em horas e voos diferentes, destinos USA, Itália, UK, França, Portugal. O Moss e o Billy ficam em São Paulo e depois vão passar uns dias ao Rio. Abraço ao Tim Moss, agradecendo esta excelente e única oportunidade à qual ele me retribui, «nem penses, fizeste a Hell of a Job e conto contigo para o que houver, tu tornaste tudo mais fácil, ao fim do primeiro dia já tinha percebido que podias ir à frente e tratar de tudo». Fui durante estes dias Production Manager, Tour Manager e Stage Manager, acho que a dada altura estas “patentes” se misturam e de alguma forma se acumula funções.
Escusado será dizer que das muitas experiências que tenho tido esta foi mais uma muito gratificante e que me realizou a 100%. Não sei o que vem a seguir, se muito, pouco, tudo ou nada, acho que já ganhei a minha memória e algo que só por sonho e em rodapé almejei alcançar. Esta é uma memória minha e muito marcante, não conseguirei nunca de forma alguma expressar com fidelidade o que sinto ou que me vai na alma. Uma coisa é certa: sem fama e sem glória… Just a Man.