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Entrevista: Joe Satriani, o mestre

Entrevista: Joe Satriani, o mestre

Redacção

Em Abril de 2008 Joe Satriani passou pelo Coliseu de Lisboa, aproveitámos para trocar umas breves palavras com o guitarrista.

Com o passar dos anos, alguma vez mudou o teu sentimento ou maneira de ver a música? A maneira como tocavas quando foi gravado o “Not Of This Earth” e a maneira como sentias a música nessa altura mudou em relação ao “Professor Satchafunkilus and the Musterion of Rock”?
Bem, tecnicamente, naquele primeiro álbum, era como um miúdo num estúdio de gravação, a tentar descobrir o que era possível fazer. Sabes, isso já foi há  muito tempo, há cerca de 22 anos. E 22 anos é muito tempo. O que nós pensávamos naquela altura ser possível fazer para se gravar um álbum a solo é muito diferente do que pensamos hoje. Não tínhamos muito dinheiro e as poucas pessoas que tínhamos disponíveis para realizar a gravação do primeiro disco tinham de ser bem aproveitadas. Logo, foram tomadas muitas decisões técnicas apenas baseadas no orçamento disponível, pois não podíamos passar muitas semanas com uma banda em estúdio. Foram usadas caixas de ritmos porque eram a única coisa para a qual o orçamento chegava… Nós não tínhamos muita fita disponível para takes alternativos, logo essa foi uma das razões para termos que usar caixas de ritmos, porque só precisamos de um take (risos), e nesta altura estávamos a gravar em fita de 2” e só tínhamos duas bobines. Estávamos a lidar com um orçamento de 5000 dólares. Já nessa altura era muito difícil esticar
esse orçamento para se poder realizar a gravação do disco. E sentíamo-nos sortudos por estarmos em estúdio, então tínhamos a tendência para gravar músicas com uma grande variedade de sons, e isso teve a ver com o facto de ser muito estranho nos encontrarmos dentro dum estúdio, pois isso não significava que se passasse alguma coisa… não havia aqui carreira nenhuma, nós não tínhamos sucesso e não tínhamos expectativas de sucesso. Por isso é que fizemos o que queríamos e o álbum saiu a soar tão estranho. Nas gravações fizemos coisas erradas de propósito, porque simplesmente sentimos uma espécie de liberdade ao sermos ignorados. Por outras palavras, se estiveres a fazer um disco e souberes que ninguém o vai passar na rádio, não tens que o fazer “radio friendly”. É como um cantor quando está a escrever letras e sabe que ninguém o vai ouvir… pode fazer e dizer o que quiser (risos). Era mais ou menos isto que sentíamos, por isso é que fizemos as coisas de maneira tão estranha, só porque percebemos que o podíamos fazer. Agora ninguém nos deixaria.

Mas agora, vindo de 1986 para 2008, às vezes não te apetece voltar a fazer coisas estranhas?
Sabes, é engraçado, percebemos que temos aquela liberdade incrível em sermos ignorados, e em não ter sucesso nenhum. Como tinha dito antes, sermos ignorados é a melhor liberdade! Mas também te apercebes que qualquer que seja o estado de espírito em que te encontres, está enraizado nele uma espécie de
barreira. Tudo depende da maneira como pensas. Mesmo com todo o dinheiro do mundo isso não significa que faças um bom álbum, mas se em vez de teres
um dia tivesses uma semana, talvez as coisas pudessem ser feitas de uma maneira melhor. Olhando agora para o avanço da tecnologia, uma das coisas que nos teria ajudado era o Pro Tools. Isto porque é uma ferramenta de edição não destrutiva, que nos permite gravar mais de 150 takes – e mesmo que isso nos atrase o único problema que nos coloca é o de escolhermos qual é que vamos usar (risos). E permite-nos trazer um amigo para tocar alguma coisa, e deixá-lo tocar, criar algo em vez de o forçar a fazer tudo num só take que ele poderia a vir fazer bem melhor do que o que tinha feito. Podemos aproveitar e dizer: “experimenta todas as ideias que tens!”. Tudo isto só vai depender do espaço que tens em disco (risos). Mesmo assim vai-nos levar algum tempo, mas permite ao produtor – ou ao artista que se está a produzir – usar os outros músicos mais eficaz ou artisticamente. Isto porque podem experimentar todas as ideias, por mais loucas que
sejam. Logo, o Pro Tools permite-nos captar essa essência e se houver algum problema resolvê-lo e trabalhar melhor esse take. Logo, toda esta tecnologia permite-nos ser mais criativos. Mas nunca descurando o tempo despendido para este tipo de experiências, pois é preciso alguma estrutura, já que geralmente as pessoas são preguiçosas.

O Pro Tools é uma ferramenta de edição não destrutiva, que nos permite gravar mais de 150 takes – e mesmo que isso nos atrase o único problema que nos coloca é o de escolhermos qual é que vamos usar.

A tendência está a ser tocar menos e gravar mais…
É precisamente isso que eu tento explicar quando falo em disciplina. O Pro Tools não nos ajuda a tocar mais ou menos, ou até mesmo melhor. É simplesmente um programa, apenas isso. Portanto, é o factor humano que é importante. As pessoas são simplesmente humanas, preferem não fazer nada a ter que fazer alguma coisa. E temos sempre que lutar contra isso, quer estejamos a trabalhar com fita ou com o Pro Tools. Eu tenho que ter a guitarra sempre ligada, e não desligá-la, arrumá-la e ficar ali a olhar para o nada. Estou sempre a lembrar-me que aquilo é apenas um meio de gravação e é apenas para isso que serve.

Por acaso usaste o teu pick up de assinatura Mo Joe ou o teu novo pedal, o Satchurator? 
Oh, claro que sim! Os Mo Joe estão em todas as guitarras que usei na gravação deste álbum e já tinham sido instalados na minha guitarra aquando da minha
última tour. Eu nem usei muitas guitarras neste álbum: usei duas (Ibanez) JS 1000 e uma JS 1200… isto para gravar o disco todo. Tive vários protótipos do meu pedal que estavam ainda em testes enquanto ia gravando o álbum, e foram usados na “Andaluzia”, “Asik Vaysel”, “Out Of the Sunrise”, e em mais algumas que não me lembro, mas foram sempre usados de maneira diferente. Alguns com a coluna “micada” outros com simuladores de amplificação e com diferentes “cabeças” de amplificador.

Até que ponto um guitarrista que compre o “Satchurator” consegue ficar perto do teu som?
Oh, sem dúvida que fica, pois é o meu som de assinatura. Vendo as coisas da minha perspectiva, a coisa torna-se muito simples. Cada vez mais viajamos pelo mundo inteiro em tour e os custos são astronómicos, certo? Por exemplo, quando cheguei aqui a Portugal não trouxe os meus amplificadores, os Peavey JSX. Mas quando cá cheguei já tinha uns iguais (cedidos pela marca) aos que tenho em casa, que são exactamente os que se podem comprar nas lojas. Eu dependo do som do amplificador que eu ajudei a criar, mas é o som que as pessoas podem encontrar indo à loja comprar. O mesmo vai acontecer com o Satchurator. E, claro, o mesmo se passa com o meu modelo de guitarras, pick ups, etc. Basta-me ir a uma loja e alugar o equipamento ou comprar e o som vai ser o mesmo!

Foi usado mais algum tipo de efeitos além do Amplificador JSX e do Satchurator? Porque eu sei que usas o Whammy 4 da Digitech… Quais são as diferenças do teu rig ao vivo e em estúdio?
A grande diferença é que num rig de estúdio só usas, ou melhor, só ligas o que vais usar para gravar, certo? Isto porque sempre que ligas mais alguma coisa o som vai-se alterando pelo caminho… E começas a pensar: se estou a gravar, porque é que vou necessitar de toda aquela degradação do som e ruído? Se estou a tocar uma música em que só uso distorção, porque é que hei-de ter os pedais Wha-Wha ou o de Delay ligados? Muitas das minhas gravações são feitas apenas com a guitarra ligada ao amplificador… Mas se mais tarde decidires que queres adicionar ali um efeito, é muito melhor adicioná-lo do que usar plug ins e ter todos os equipamentos desnecessários ligados para adicionarem ruídos. Mas claro que ao vivo as coisas funcionam de maneira diferente. Tocamos música atrás de música e eu toco cerca de 5 a 6 partes de guitarra completamente diferentes, com setups completamente diferentes, e temos de ter uma performance muito convincente, e ter muitos pedais… há quem goste de usar racks cheias de equipamentos e ter mais pedais ainda… O espectáculo é tão diferente… Nós fazemos de tudo para que o espectáculo seja convincente e sem falhas.

E as tuas guitarras trazem o Edge Pro. Alguma razão em especial?
Simplesmente gosto da tensão e do toque que ele tem. Tenho várias guitarras com esse tremolo, o ZR2, e trabalha bem, mas eu continuo a preferir o Edge Pro.