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Petbrick: Música Experimental, Espírito Punk e Perigo ao Vivo

Petbrick: Música Experimental, Espírito Punk e Perigo ao Vivo

António Maurício

A Arte Sonora conversou com Iggor Cavalera e Wayne Adams em Lisboa. Com base no álbum “I” editado em 2019, tentámos perceber a mentalidade necessária para a criação e manutenção de um projecto experimental. Também abordamos técnicas de produção, equipamento e “perigo ao vivo”.

Os Petbrick estavam a fazer o soundcheck antes do seu concerto no Musicbox, em Lisboa, quando entrámos na sala de espectáculos, pouco antes da hora de jantar. O objectivo era equilibrar o som da bateria de Iggor Cavalera com o arsenal electrónico de Wayne Adams, uma mistura potente, intensa e até caótica, que poderá ser catalogada como um imenso caldeirão metal, punk ou hardcore experimental.

A dupla editou o álbum “I” no dia 25 de Outubro de 2019, o primeiro projecto longa-duração, que mostrou em grande escala o poder experimental. Editaram um novo single já em 2020, uma remix de “GRINGOLICKER”. Inclui a participação de Mutado Pintado, e de acordo com a página da banda no Bandcamp, as manobras de electrónica emulam a ciência de Aphex Twin e entram em choque com a atitude intensa dos Ministry.

Depois do soundcheck, entrámos no backstage para desconstruir o funcionamento dos Petbrick. Como é que se escrevem peças tão caóticas? Quais são os maiores desafios ao vivo? A tecnologia é um elemento essencial na música? Lê a entrevista completa abaixo.

Vamos começar com a pergunta mais genérica. Como é que se conheceram e de que forma é que se complementam?
Iggor Cavalera: O nosso primeiro contacto foi num espectáculo em que o Wayne estava com a sua outra banda, chamada Big Lad. Fui ver o concerto e foi aí, em Camden, Londres, que nos conhecemos pela primeira vez, depois continuámos em contacto. A certo ponto, descobri que o Wayne tinha um estúdio de gravação e através de um interesse mútuo com algum do meu equipamento, decidimos encontrar-nos. Depois desse encontro, voltamos a estar em estúdio e dissemos «vamos fazer música». Nem começou como música, era mais uma jam. Essa foi a primeira abordagem, mas negámos a intenção de ir directamente para um projecto. Era só uma ideia de duas pessoas.

Quando estavam no estúdio, experimentaram com os instrumentos e todo o equipamento que tinham ou pensaram num som e trabalharam para o alcançar?
Wayne Adams: Foi definitivamente a primeira estratégia. Começamos a utilizar tudo o que estava pelo estúdio, sintetizadores e pedais.

Cavalera: Foi divertido porque não tínhamos nenhum tipo de base. Levei uma data de coisas que tinha comprado e o Wayne estava a mostrar-me algumas coisas que tinha por lá. Havia tanta coisa… Levei uma caixa com material que andava a coleccionar. Levei um synth modular Eurorack e muito pedais. Coisas boutique que podes construir.

Adams: Tinha uma TR-8 Drum Machine, um MS-20 que utilizamos bastante. Ainda utilizamos!

Sentem que é mais fácil começar com a sintetização e depois adicionar a percussão na criação musical, ou começam com a bateria em primeiro lugar?
Cavalera: Tem graça, porque levei uma bateria pré-gravada para a nossa primeira sessão juntos. Guardo sempre sons de bateria das minhas sessões e coisas que posso cortar e encaixar em novos sítios. Por isso, levei algumas dessas partes e experimentámos um bocado. De repente, a bateria já lá estava e o Wayne disse «queres experimentar um blastbeat por cima desta linha de sintetizador?» e alinhei. A partir desse momento, estava a pensar «isto é tão fixe». Porque, normalmente, em muitos estúdios, principalmente quando estou a lidar com a bateria, é complicado configurar… Sem me aperceber, o Wayne já me estava a dizer «ok, envio-te algumas coisas e vês o que achas» e depois também enviei algumas coisas de volta e foi assim que começámos a criar algo que parecia música.

Adams: Sim, foi muito rápido! Das primeiras vezes que nos encontrámos, estávamos a pensar que podíamos criar qualquer coisa com os nossos sons. Por isso continuamos a trabalhar para ver onde podíamos chegar.

A parte complicada é escolher o que podemos utilizar e o que vai causar impacto. Mas isso também é um exercício muito bom para qualquer músico, porque dá-te uma ideia muito boa do que podes fazer em qualquer situação.

Já referenciaram que havia muito equipamento no estúdio, mais do que conseguem recordar. Como é que preparam um concerto? Como é que escolhem os instrumentos que vão utilizar ao vivo?
Cavalera: Não diria que é difícil, é um desafio. Porque quando fazes algo deste género, queres ter um som poderoso, mas também não queres ter uma produção massiva. Estamos a falar de música underground, com um budget limitado para todos. Não queres cobrar um valor elevado nos bilhetes, o promotor não tem assim tanto dinheiro para andarmos a voar com montes de equipamento.

Adams: Nem quero transportar tanto equipamento, porque é um stress [risos]!

Cavalera: Sim, também não queremos andar com tanta coisa. A parte complicada é escolher o que podemos utilizar e o que vai causar impacto. Mas isso também é um exercício muito bom para qualquer músico, porque dá-te uma ideia muito boa do que podes fazer em qualquer situação. Tens que estar confortável com o que há disponível. Fazer as coisas funcionarem, mesmo com o mínimo.

Adams: As músicas funcionam de formas diferentes, porque também utilizamos muitas vozes de músicos convidados. Queremos incluir essas vozes e fomos ver bandas como os Battles ou algo desse género e como é que eles trabalham. Eles simplesmente fazem samples das vozes. Também fui ver como é que o pessoal do hip-hop faz, com as MPC… Não podes ter medo de partir a música, tens de pensar «ok, tenho esta nova forma de tocar a música numa MPC». Depois, tenho um sintetizador muito simples em que posso adicionar algum peso. Actualmente estou a utilizar o Ableton, mas depois o sintetizador que tenho é só um Microbrute com um pedal de distorção HM-2 e um delay. E é só isso.

Iggor, actualmente és endorser Yamaha, mas usas um módulo da Roland…
Cavalera: Sim, uso o Roland SPD. E já falei com a Yamaha, porque eles não têm nenhum módulo com muita memória. Até conseguirem algo que consiga aguentar com imensa memória tenho que continuar a utilizar este da Roland. Mas é algo que pode ser feito com qualquer coisa. Utilizo um pad Simmons.

Adams: Que acabou de ficar em pedaços [risos]!

Cavalera: É muito antigo, muito simples. Tentei não complicar as coisas.

Adams: Até falámos sobre isso, porque assim tocar ao vivo torna-se divertido. Não queremos que seja uma actividade desgastante. Se for simples e ao vivo, fantástico. Temos espaços para improvisar e quanto mais tocamos, mais ficamos à vontade.

Cavalera: E o facto de tocarmos sem “click” adiciona um elemento extra de diversão. Aprecio o “click” em determinadas coisas, mas neste tipo de projecto é muito importante ter este elemento de coisas a baterem certo e errado, dependendo da noite e do estado de espírito. É algo que quando bate certo, bate muito certo, mas quando bate errado nem nos preocupamos muito, olhamos um para o outro e pensamos «wow, aqui fizemos merda» [risos]. Porque não é esse o objectivo. Não é sobre sermos perfeitos. É sobre tentativa e erro, e estas coisas só funcionam assim.

Adams: Quando estás a apresentar algo como o nosso álbum ao vivo, é importante utilizares o portátil para simplificar, mas se fosse só a faixa de acompanhamento com o Iggor a tocar bateria por cima, ninguém ia querer ver isso! Não há perigo!

Cavalera: Não quero dizer que é batota, mas é demasiado fácil. Vimos o Alessandro Cortini ao vivo na noite passada, um dos nossos produtores favoritos. Ele tinha um espectáculo que era muito seguro, só pressionava play e deixava as coisas acontecerem… Essa apresentação, vinda de um tipo que sabemos que consegue fazer tanto, foi uma grande decepção. A questão não é ele ser capaz, é porquê? E antes deles, a Suzanne Ciani estava a fazer coisas que estavam a correr mal durante o set inteiro… Conseguias ver que algumas coisas não estavam a funcionar e estás a ver aquilo e a torcer para que resulte e quando realmente funciona é uma festa! Para nós foi um espectáculo fantástico! É a mesma coisa com os nossos espectáculos. à vezes algumas coisas vão ao lado, mas depois quando se encaixam é fantástico. Gosto muito mais disso do que carregar no play do Ableton Live e estar ali parado…

Adams: Quando conheces a tecnologia e estás a observar ao pormenor alguém a tocar assim, nem te apetece ver. Já sabes o que vai acontecer.

Tu é que tens que fazer com que a bateria tenha um bom som. Independentemente da bateria que tens, é uma combinação de afinação e o teu modo de toque, dependendo de como a bateria reage a ti.

Mudam muito a bateria ou costumam manter a mesma configuração durante longos períodos de tempo?
Cavalera: Mudo a bateria em todos os projectos de faço. Gosto de me desafiar e mudar a configuração e isso faz-me adicionar peças extra e tirar peças. Enquanto baterista, fazer essas alterações é um exercício muito positivo, para não ficar demasiado confortável no nível onde estou. Tenho esta coisa comigo, sempre que vou fazer um álbum, configuro a minha bateria de forma diferente. Depois, na música que tenho que tocar, é do género, «agora tenho que reaprender as coisas antigas nesta configuração». Gosto de o fazer, mas é uma coisa de maníaco [risos]. A maior parte das pessoas perguntam «porquê?!» e eu respondo «porque sou um gajo estranho».

Adams: Gosto desta tua configuração actual, basicamente é uma bateria punk.

Cavalera: Tenho esta “cena” que é um bocado bizarra. Uma “cena” de baterista em que acredito: tu é que tens que fazer com que a bateria tenha um bom som. Independentemente da bateria que tens, é uma combinação de afinação e o teu modo de toque, dependendo de como a bateria reage a ti. Algumas baterias, se as atingires com muita força, vão reagir pouco, outras baterias, se atingires com pouca força, vão responder com muita potência. É uma coisa técnica. Já tivemos noites em que a bateria estava a responder de forma muito diferente. É um desafio muito interessante. No nosso último concerto, por exemplo, a bateria tinha um som muito particular, por causa das peles, e estávamos a vir para aqui e disse ao Wayne: «Acho que vamos utilizar as mesmas baterias». Depois cheguei cá e disse: «Olha boa, uma bateria diferente» [risos]! Um novo desafio (risos)!

Adams: O essencial é não ficares demasiado confortável, mas também não te colocares com pressão e stress desnecessário, para que te consigas divertir. Tens que abordar qualquer coisa, quer seja o meu equipamento ou a bateria do Iggor, e conseguires pensar «isto vai ser divertido, vou experimentar coisas novas» e não ficar em stress. Para mim esse é o espírito punk que temos.

Cavalera: É engraçado, lembro-me de tocar num festival com montes de bandas e ouvir um baterista a dizer «esta bateria é uma merda!». Vou lá tocar nessa mesma bateria e o pessoal que estava com ele diz «meu, tu pareces um palerma. Viste como a bateria tem um bom som quando aquele gajo foi lá tocar»… Lá está, o gajo não devia estar a queixar-se, devia estar a pensar como é que ia tocar aquela bateria.

Agora existe um enorme mercado para baterias electrónicas. Mas também existem muitos músicos que dizem que as baterias acústicas são as melhores e nunca vão ser substituídas pelas electrónicas. Qual é a vossa opinião?
Cavalera: Não sou um purista, depende do que queres alcançar. Se queres um determinado tipo de som, só vais conseguir com uma acústica. E vice-versa. Não existe melhor nem pior. Mas tenho a dizer que venho de uma geração que viu as primeiras baterias electrónicas… Eram péssimas. Hoje em dia, são fantásticas. Em termos de toque, possibilidades de afinação, coisas que nem sonhavas… Antigamente só tinham o trigger, tocavas e dava um som. Só isso. Agora já evoluíram muito, mas acho que falar em melhor ou pior nem é uma discussão. Desde que as pessoas saibam o que estão a procurar, podem utilizar qualquer uma. Agora oiço um álbum e por vezes nem consigo perceber se a bateria é acústica ou electrónica. Mas também posso ouvir música e pensar «gostava que tivessem utilizado algo mais orgânico». Especialmente na música electrónica, em que repetem os mesmo sons de bateria em tudo. Agora só utilizam 808 ou 909 e penso «vá lá, tentem uma coisa diferente». Ou o som de uma bateria de metal, que utiliza o mesmo reverb em todas as faixas. Essas coisas para mim são mais irritantes do que o debate bateria electrónica contra bateria acústica.

Adams: É uma coisa muito estranha, especialmente no metal. Porque tenho um estúdio de gravação e as pessoas costumam ficar preguiçosas e a tecnologia ainda agravou mais a situação. Especialmente na gravação de baterias, onde podes fazer tanta coisa. Se quiseres um som de bateria especifico, é só ir buscar. Estamos num espaço estranho onde os equipamentos acústicos encontram-se com a tecnologia e talvez isso não seja necessariamente um encontro positivo. Mas os 909 e os 808, por exemplo, esse lado da percussão…

No mainstrem estão em todo o lado…
Cavalera: Agora estão em todas as músicas de trap e em grande parte do hip-hop. Há uns tempos atrás, tinhas talvez o Marvin Gaye, com um 808, ou o Phil Collins. Agora até estão a usar os mesmo padrões. É um bocado irritante.

Gosto de ter uma boa mistura entre equipamento velho e novo. Podes utilizar algo velho e aprender como utilizar algo novo e também podes aprender algo num dispositivo novo e aplicar esse conhecimento em algo antigo.

Existe algum sintetizador que querem mesmo ter? Algo vintage ou raro?
Adams: [Risos] Acabei de passar por isso! Sim, de momento existem várias reedições de equipamento vintage que não conseguias comprar. É fascinante, porque continuam muito caros mas já consegues comprar se fizeres muita questão.

Cavalera: Costumavam ser o preço de uma casa!

Adams: Exacto. Agora os preços continuam muito altos, mas como tenho o estúdio e faz parte do meu trabalho posso justificar o investimento. Acabei de comprar o novo Korg 2600! Só foram fabricados 3000 nos anos 70 e ficaram estupidamente caros. Agora a Korg comprou a ARP e voltou a editá-lo. Mas ainda está em pré-encomenda, por isso ainda não o tenho! Deve chegar daqui a um mês e provavelmente vão fazer uma fila à porta da minha casa para o experimentar [risos]. Gosto de ter uma boa mistura entre equipamento velho e novo. Podes utilizar algo velho e aprender como utilizar algo novo e também podes aprender algo num dispositivo novo e aplicar esse conhecimento em algo antigo. Combinar tecnologia para mim é o mais interessante e as opções são ilimitadas.