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ENTREVISTA Fat White Family: A Influência de Lou Reed e Kanye West, Métodos de Escrita e Pressão Editorial

ENTREVISTA Fat White Family: A Influência de Lou Reed e Kanye West, Métodos de Escrita e Pressão Editorial

António Maurício
Domino

O vocalista Lias Kaci Saoudi esteve em Lisboa a sintetizar a criação do novo álbum “Serf Up!”, a reflectir sobre os benefícios de um estúdio próprio e a expor a relação com a Domino, a sua nova editora.

Numa manhã de sol, sentado numa esplanada da Linha d’Água, em Lisboa, Lias Kaci Saoudi cruzava as pernas enquanto esperava por uma sandes mista. Apanhámos o vocalista dos Fat White Family sozinho em Lisboa, pouco tempo antes da edição de “Serfs Up” (19 de Abril), o novo álbum da sua banda – podem fazer pre-order na Domino. Conversámos sobre as influências presentes durante a cronologia de criação, métodos de composição de letras (a sua especialidade) ou a relação com a Domino, a sua nova editora.

O novo álbum de Fat White Family, “Serfs Up!”, é editado no dia 19 de Abril. Que motivações e influências existem por trás de todo o trabalho?
Influências musicais? O Lado B de “Club Tropicana”, dos Wham!. Pode parecer uma piada, mas chama-se “Blue (Armed With Love)” e foi uma enorme inspiração, porque tem um estilo irreverente e uma subtileza que me cativaram. Outra influência foi uma compilação chamada “Music From Saharan Cellphones”. É uma espécie de música da África de Norte misturada com um pouco de auto-tune e, sendo argelino, queria fazer algo com a sonoridade do meu país. Outra grande influência foi Kanye West, com o álbum “Yeezus”. Na verdade, ignorei-o quando foi editado. Ouvi o nome Kanye West e associei-o a parvoíces e música comercial, que não costumo ouvir. Mas, posteriormente, li um artigo escrito por Lou Reed sobre o “Yeezus”, para a TalkHouse. Lou Reed é o capitão do meu barco, é por ele que acerto o meu relógio. Tive que ir ouvir. E adorei o álbum. É muito feroz e cínico mas, ao mesmo tempo, completamente optimista. É como uma janela para a alma do homem, mas também tem partes hilariantes, especialmente quando ele diz «despachem-se a trazer os meus croissants» (risos). Possui um ambiente esquizofrénico porque salta, muito rapidamente, entre sonoridades. E pensei, porque é que não tentamos fazer algo deste género? Se os Fat White Family tentarem emular algo neste panorama, quais serão os resultados? Talvez resulte numa falha, mas será uma falha interessante [risos].

O teu próprio estúdio oferece-te segurança num mundo que não é seguro para os músicos.

CHAMPZONE

Gravaram o novo álbum no vosso próprio estúdio, “ChampZone Studios“. Porque é que decidiram criar um estúdio?
A razão principal foi a de não querermos estar sempre a olhar para o relógio. Somos conscientes o suficiente para perceber que quando pensamos sobre o tempo de produção para um álbum dos Fat White Family, é melhor duplicá-lo. Por isso, precisávamos de algo nosso e em que pudéssemos estar todo o dia e toda a noite a fazer o que quiséssemos… é o nosso espaço. Não queríamos qualquer tipo de limitação. Se não estivermos na editora certa, pelo dinheiro certo, podemos continuar a fazer o nosso trabalho. O teu próprio estúdio oferece-te segurança num mundo que não é seguro para os músicos. Foi esse o nosso pensamento.

Têm alguma unidade especial no estúdio? Algum equipamento que se destaque?
Temos uma grande colecção de sintetizadores. Temos um Korg Polysix, um Juno 106 e muitos outros. Foi o meu irmão mais novo que comprou todo o equipamento para o estúdio e não estou muito dentro disso. Sei que tínhamos pré-amps incríveis e uns Teletronix.

Quais são as sonoridades do novo álbum?
Seguirá um caminho mais pop, talvez dance. É menos tresloucado e é mais articulado em termos melódicos. Mais pessoal e não um ataque tão forte ao ouvinte. Mantém cinismo a borbulhar na superfície.

É muito difícil encontrar letristas que realmente admiro.

Também trabalham com o Baxter Dury no álbum. Como é que o conheceram?
Já o conhecemos há imenso tempo. Trabalhou no primeiro álbum do Saul [guitarrista dos Fat White Family] e é um amigo nosso. Mais importante do que isso, admiro imenso o trabalho dele. É muito difícil encontrar letristas que realmente admiro e o Baxter é das poucas pessoas que entram nessa categoria. Ele e o Jason Williamson, dos Sleaford Mods, são os dois letristas que tentam ultrapassar os limites. Foi uma participação perfeita. A música em que participa é um espécie de homenagem a Londres Ocidental e à torre Grenfell [o prédio que ardeu em 2017, cujo incêndio vitimou 72 pessoas]. Era impossível encontrar alguém melhor para um tema desses.

ESCREVER

És tu quem escreve todas as letras de Fat White Family. Qual é o processo?
Só começo o processo de escrita depois de terminar a digressão. Fui para a Ásia sozinho, mas andei sempre acompanhado por pequenos cadernos. Todos os pensamentos que me passavam pela cabeça eram apontados. E, na altura de gravar, depois de um ano de composição, isolei-me a ler livros. Acumulei imenso material. Textos imaginários, rimas, referências, o que seja. Estudei aquilo tudo, li literatura que achei ser relevante e roubava ideias de vários sítios e modificava-as. Contornava-as para combinarem comigo. Depois ia para o estúdio, com a maior parte das letras escritas, e alterava-as de acordo com as músicas e as melodias. O resto da banda estava a trabalhar em alguma parte do som e eu estava no canto da sala a terminar as letras.

Geralmente, se estiver a ler muito, consigo escrever muito.

Alguma dica para aqueles que gostam de escrever, mas não conseguem criar letras para músicas?
É muito difícil… E já escrevi muitas letras. Devo ter escrito 50 músicas ou mais. Para bandas diferentes, pessoas diferentes e também para mim. É daquelas coisas que nunca fica fácil. A única maneira de te tornares bom a escrever letras é ao estudares letras de outras pessoas e leres muita literatura, a literatura certa. Ler peças muito líricas no seu conteúdo e com jogos de palavras extremos. Gosto muito de ler livros franceses. Leio muito Céline, Genet, cenas desse género, peças muito poéticas. Geralmente, se estiver a ler muito, consigo escrever muito. As ideias vão acabar por sair. Mas agora, por exemplo, estou em modo promoção de álbum, não estou a pensar em letras. Nem me consigo lembrar da última vez que escrevi. Agora escrevo posts de Facebook e dou entrevistas [risos]. Foi por isso que fui sozinho para a Ásia, depois do último álbum. Costumo escrever quando estou completamente isolado. O aborrecimento, a leitura e solidão são as melhores coisas que te podem acontecer se quiseres escrever.

DOMINO

Os Fat White Family entraram numa nova editora, a Domino. Mudaram a ética de trabalho ou algo na vossa música para se encaixarem na editora?
Queríamos fazer um álbum mais pop e isso foi música para os ouvidos deles. Por isso, não se envolveram muito e ajudaram-nos a conhecer algumas pessoas, como o Clive Langer. No final, existiu um momento onde se começaram envolveram mais… Queriam mais músicas e nós queríamos acabar o álbum. Foi difícil de ouvir na altura mas, em retrospectiva, as últimas músicas produzidas ficaram fantásticas.

Então acabou por ser uma coisa positiva?
Sim, foi positivo. Na altura estava extremamente zangado e só pensava: «Não posso continuar a fazer isto, quando é que vai acabar? Já estou a trabalhar neste álbum há mais de dois anos». A editora incentivou-nos a dar mais um pouco de nós na etapa final. Esta é a minha opinião. O Saul sentiu-se de forma diferente, ficou genuinamente chateado e acredita que a editora se envolveu demais. Mas estou a ser honesto quando digo que esse envolvimento foi útil.