ENTREVISTA | Hot Chip: O Novo Álbum, Estratégias de Composição e Equipamento de 35,000£
Os Hot Chip estiveram à conversa com a Arte Sonora sobre o novo álbum “A Bath Full of Ecstasy” e pelo meio revelaram a posse de algumas peças de gear incrivelmente cobiçadas.
Os Hot Chip produzem centralmente música electrónica, mas a sua aventura sónica incorpora elementos de vários géneros. O novo álbum, “A Bath Full of Ecstasy”, editado no passado dia 21 de Junho, pretende explorar ainda mais esta versatilidade.
O sétimo disco dos Hot Chip foi gravado em Paris e Londres, e desta vez Owen Clarke, Al Doyle, Joe Goddard, Felix Martin e Alexis Taylorthe decidiram pela primeira vez trabalhar com produtores externos, em vez de ser a própria banda a responsável por esse trabalho. Escolheram Philippe Zdar (Cassius, Phoenix) e Rodaidh McDonald, que já colaborou com bandas como The XX, David Byrne ou Sampha.
O álbum tem o selo da Domino, com distribuição portuguesa pela Domino Portugal, que trouxe a banda a Lisboa, para uma acção de promoção ao disco. Assim, estivemos à conversa com Joe Goddard e Owen Clarke numa esplanada alfacinha para perceber os caminhos percorridos durante a produção deste novo trabalho e aproveitámos para conversar sobre gear.
Vale a pena lembrar que Hot Chip é um dos concertos marcados para o dia 11 de Julho do NOS Alive’19. Os britânicos sobem ao Palco Sagres no primeiro dia do festival. Faz scroll para a entrevista completa.
São mundialmente conhecidos por criarem música indie electrónica. Como é que, pessoalmente, descrevem o vosso estilo musical actual?
Joe: Sim, a categoria geral é a electrónica, mas se tivéssemos de descrever de forma mais detalhada diríamos que é música moderna de house e disco. No entanto, é uma generalização, porque no novo álbum temos coisas altamemente influenciadas por R&B moderno e, ocasionalmente, hip-hop. Por vezes, também existem influências de UK Garage, por isso a definição mais fácil é música pop electrónica. Os estilos variam ao longo do álbum.
A inclusão de dois produtores externos na composição foi uma novidade neste projecto. A nova direcção foi influenciada por estas novas participações ou existiu um pensamento em grupo?
Owen: Tentamos sempre criar um novo som em cada trabalho e incluir produção que faça sentido, de acordo com as músicas. Neste caso, os produtores tiveram impacto porque foram vozes exteriores. Trouxeram a utilização de equipamento diferente, mas também ideias e questões diferentes. Quando trabalhas em conjunto durante algum tempo, essas ideias e questões podem tornar-se verdadeiramente úteis.
Se quiseres ouvir o disco enquanto fumas uma ganza deitado na banheira, estamos confiantes que dará bom resultado.
Onde é que aconselham a audição da vossa música? No quarto? No carro? Numa discoteca?
Joe: Criámos o álbum como um bom álbum disco, para funcionar extremamente bem numa festa ou numa discoteca, mas existem camadas nas composições e nas letras que as tornam elegíveis para audição em casa, com auscultadores. Funciona igualmente bem nestas duas situações, porque projectámos as músicas para estas duas vertentes. Em termos da produção sónica, tentámos tornar a produção interessante e detalhada para que também seja agradável com auscultadores. Tendo dito isto, se quiseres ouvir o disco enquanto fumas uma ganza deitado na banheira, estamos confiantes que também dará bom resultado.
Essa compatibilidade relaciona-se com a mistura e masterização, certo? Para que soe bem em auscultadores, telemóveis ou grandes colunas. Quem ficou responsável pela mistura?
Joe: A mistura foi toda feita pelo Phillipe Zdar, que também é um dos produtores com quem trabalhámos e possui um enorme historial enquanto mixer. Começou a carreira a fazer álbuns de hip-hop, há mais de 30 anos, na editora Mo’ Wax e produziu grandes nomes do hip-hop francês, como MC Solaar. Depois mudou-se para a música house e fez projectos com os Cassius, que têm álbuns excelentes e que resultam extremamente bem em discotecas. Também já trabalhou com bandas rock, como os Phoenix, ao produzir e misturar os seus álbuns, outro tipo de experiência. Além disso, colaborou com os Beastie Boys, em hip-hop, e com a Cat Power, em música folk. Tem uma vasta gama de experiências em termos de mistura e decidimos que seria uma boa opção para nós, porque tentámos incluir muitas dessas diferentes referências na nossa música.
Vamos falar sobre o título do novo álbum, “A Bath Full of Ecstasy”. Há algum significado profundo?
Joe: Não é super profundo. Primeira produzimos a faixa com esse nome e pensámos que o nome era fixe. Para mim é evocativo de Barry White ou desse tipo de música soul suave dos anos 70, muito glossy, rica. Tentámos incluir essa sonoridade quente, com muito baixo, e esse título pareceu relacionar-se. Achámos que o nome funcionava com o álbum inteiro, porque queríamos transmitir a ideia de um trabalho caloroso.
Owen: É inclusivo e convidativo. Nem pensámos que poderia ser potencialmente controverso… Existe uma certa particularidade com as palavras, porque quando as vemos impressas tornam-se completamente diferentes. Produzimos t-shirts quem diziam “A Bath Full of Ecstasy” para vender em concertos, mas também tínhamos outras, com o mesmo design, a dizer simplesmente “Hot Chip”. Porque se alguém não quiser uma t-shirt com a palavra “ecstasy” no meio, se quiser oferecer ao filho, por exemplo, tem uma alternativa.
O ponto crucial é utilizares todos os métodos diferentes e não te limitares a um só.
A propósito do que o Joe referiu. Como é que começam a compor uma nova música? Pela percussão, pela melodia…
Joe: Acho que é importante enquanto produtor alterar a forma que utilizas para criar música e tentar todos os métodos diferentes. Pessoalmente, às vezes entro no estúdio de manhã e fico entusiasmado para fazer um loop de bateria e depois tudo se desenvolve a partir desse groove e constróis os graves e tudo o resto por cima. Outras vezes, quando estou a pensar numa perspectiva de composição de canção, numa emoção particular, vou começar com alguns acordes e a percussão torna-se secundária, só aparece depois, porque não é o foco principal do que estou a tentar fazer.
Não é possível criar emoções com percussão?
Joe: Sim, até certo ponto. Algumas faixas são mais dominadas pela percussão. Normalmente, começo com percussão ou uma linha de baixo. Às vezes até entro no estúdio com um ritmo ou uma melodia muito simples para uma linha de baixo na cabeça e esse torna-se o ponto de partida. O ponto crucial é utilizares todos os métodos diferentes e não te limitares a um só.
É difícil terminar definitivamente uma música? Quando queremos adicionar ou retirar elementos, pode tornar-se uma obsessão quase infinita…
Joe: Se és um produtor a trabalhar com um computador, terminar uma faixa é a parte mais difícil. Tens loops, centenas de possibilidades, tudo funciona bem em conjunto e escolher os melhores elementos para cada secção de uma música é uma das coisas mais difíceis. É muito importante aprender a não gastar demasiado tempo só a tentar todas as opções possíveis, tens que te comprometer com alguma logo no início. Tens de agarrar na base central da ideia e estratificá-la sem grandes confusões, simplificando as inúmeras possibilidades da música. Tenho a certeza que já perdi imensas músicas, boas músicas, ao trabalhar demasiado tempo na sua composição e a tentar centenas de possibilidades sem chegar à melhor decisão. É das partes mais difíceis durante a produção de uma música no mundo moderno.
Ainda ficam excitados ou ansiosos quando editam um novo álbum?
Owen: Só no dia em que a cópia física sai. Tento imaginar como vai ser o dia de lançamento e provavelmente só vou tirar uma foto com os nomes das faixas. Porque já não é um sentimento fantástico, mas existe sempre aquele sentimento de passar o trabalho para as outras pessoas e isso é sempre divertido. Também a praxe de enviar mensagens aos meus familiares a perguntar se já compraram o álbum e o primeiro feedback por parte das pessoas. É tudo sobre antecipação e feedback.
Alguns sintetizadores foram essenciais e estão presentes em várias músicas. Um dos mais importantes foi o Yamaha CS-80, que está no meu estúdio e em inúmeras faixas deste álbum.
Na internet, as pessoas falam muito… Preocupam-se com os comentários online?
Joe: Para ser honesto, nem por isso. As pessoas falam muita porcaria, principalmente nos comentários do YouTube, mas aí também tens uns muito engraçados.
Owen: Gosto quando levas quase dois anos a fazer alguma coisa e depois alguém simplesmente escreve: «não gosto». Sabes que provavelmente há um fundamento, mas… Não podes levar essas coisas demasiado a sério.
A vossa música já foi utilizada em filmes como “Boy A”, “Sound of My Voice”, ou em jogos como “Grand Theft Auto V”, “Fifa 09”, etc. São fãs destes projectos? Qual é a sensação do vosso trabalho completar outros trabalho?
Joe: Alguns foram fantásticos. Também tivemos uma música nos The Simpsons (“Boy From School”) e é uma sensação gratificante. Gosto do facto que no Grand Theft Auto V o pessoal pode estar a conduzir e a nossa música começa a tocar no rádio. O meu irmão às vezes liga o jogo e fica parado só para ouvir a rádio (risos). É uma boa referência para dizeres aos teus pais que a tua carreira musical está a correr bem.
Qual foi o gear principal utilizado neste álbum, aquele material que realmente moldou o som?
Joe: Alguns sintetizadores foram essenciais e estão presentes em várias músicas. Um dos mais importantes foi o Yamaha CS-80, que está no meu estúdio e em inúmeras faixas deste álbum. É interessante porque comprei-o há uns cinco anos, e comprei-o porque vi um vídeo no canal de youtube do Phillipe Zdar. O som era incrível e queria mesmo ter um para conseguir utilizá-lo e ouvi-lo ao vivo. É um teclado fantástico, era um dos favoritos de Stevie Wonder, e quando tens alguém que é mesmo bom teclista, como o Alexis, o teclado dá imensa expressão e podes fazer inúmeras coisas. Depois, no outro lado do espectro, utilizámos sintetizadores de modulação Eurorack muito modernos, para produzir arpejos e, provavelmente, estão presentes em todas as músicas. O Felix ficou extremamente bom a incorporar samples de voz e a passá-las pelo sistema Eurorack para criar pequenos refrões rítmicos. Em três ou quatro músicas criámos refrões e partes muito importantes ao retirar pequenos samples e a produzir padrões rítmicos a partir daí. Temos muito poucas guitarras eléctricas e baixos eléctricos no álbum. Os graves são normalmente produzidos em sintetizadores, mas temos algumas músicas com baixos. Não utilizamos pedais cruciais ou nada desse género, está tudo simplificado. Temos baixos da Fender de alta qualidade, mas sem grandes efeitos.
E possuem algum equipamento raro? Difícil de obter?
Joe: Imensos sintetizadores raros. O ARP 2600, por exemplo. Já não existem muitos por aí e cada um vale mais ou menos 8,000 libras. O Yamaha CS-80 também é muito valioso e tenho um MOOG IIIC que, provavelmente, ronda as 35,000 libras. As partes de Eurorack também são bastante preciosas, porque cada módulo vale aproximadamente 200 libras e devemos ter uma caixa com 20 módulos. Alguns efeitos como o Eventide Harmonizer, que não é raro, mas é caro. Um TR-808 original e um Space Echo da Roland e um Mu-Tron Bi-Phase, que é um dos melhores pedais phaser dos anos 70. Os Pink Floyd utilizavam-no bastante.