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O Trilho Onírico dos Keep Razors Sharp

O Trilho Onírico dos Keep Razors Sharp

Nero

Surgiram como um trovão no final de 2014, conquistando imensos louvores no álbum de estreia. Um dos raros supergrupos da cena rocker portuguesa com vigor estético e sónico.

Os Keep Razors Sharp regressam aos concertos em Lisboa, para uma actuação especial na Praça do CCB, a 25 de Julho pelas 21h. Originalmente previsto para Maio, a data foi adiada por forma a permitir agora um espectáculo ao ar livre, seguindo todas as regras de segurança. A banda vai apresentar um espectáculo único que vai percorrer os seus dois discos. A estreia homónima e “Overcome” estão entre a nata do underground rocker nacional. Os Keep Razors Sharp têm vindo a seguir o seu percurso de acordo com as suas próprias regras e, antecipando o concerto, vale a pena olhar a sua discografia.

Um ano depois da edição do seu segundo álbum, “Overcome”, os Keep Razors Sharp surpreenderam com a edição de um single inédito que conta com a participação de Calcutá. “Summer Nights” é o primeiro tema de Keep Razors Sharp com colaborações externas. A participação da Teresa Castro (Calcutá) surge de uma admiração mútua. Todos os visuais são de Joana Linda. A jovem actriz Mia Tomé participa no vídeo.

Na edição impressa #62 da AS figuram cerca de 30 páginas dedicadas a “Overcome”. Aí, passámos pelos Black Sheep Studios, aproveitando as remodelações de que foi alvo, para falar com os produtores e engenheiros residentes sobre a sua filosofia de gravação e produção. Um estúdio pivotal no desenvolvimento do segundo álbum dos Keep Razors Sharp. O making of do álbum, que foi um dos nossos eleitos para os melhores do ano de 2018, é desvendado numa aprofundada entrevista com Afonso Rodrigues e Carlos “BB” António. No total, a revista são 150 páginas de mais uma edição histórica de Arte SonoraPODES ENCONTRÁ-LA NA NOSSA LOJA.

Nessa conversa, Afonso Rodrigues confessou-nos, na altura em exclusivo: Temos uma música, que gravámos com a Teresa Castro (Calcutá), que acabou por não entrar no disco e isso talvez um dia venha a sair assim, com qualquer coisa isolada. Apesar de gostarmos muito da canção, era um bocado um OVNI no meio do disco. Tinha outra estética, outra vibe. Porque como as sessões de composição eram sempre muito livres, às vezes acordávamos e fazíamos uma malha sixties garage, depois fazíamos uma malha surf e depois uma psychobilly e percebíamos: «Isto é fixe, mas não é o que queremos para este disco».

Tal como no álbum de estreia, “Overcome” foi composto e gravado em sessões de estúdio espalhadas no tempo e de espírito tão livre quanto a composição. Como o baterista Carlos “BB” refere, há diferenças que foram introduzidas nos Keep Razors Sharp, de um disco para o outro. Ainda que, tal como no homónimo álbum de estreia, este disco não tenha sido o resultado de elaborados planos estruturais. «Foi acontecendo. Foi-se falando». Por exemplo, no primeiro disco, o recurso a teclados, a sintetizadores, já havia sido uma possibilidade. Algo que só foi assumido agora, porque «calhou assim».

A espontaneidade é uma filosofia da banda. Até porque, como refere o baterista, «quanto maiores os planos são, maiores são as cabeças». Os Keep Razors Sharp são uma banda cujos planos passam somente por tocar ao vivo e curtir. «Esse é o nosso grande plano. E acho que esse devia ser o plano de muita gente». Talvez o segundo álbum seja, afinal, menos complexo que o primeiro, mas “Overcome” é mais inspirado e subtil e possui maior exploração sónica, com recurso a mais instrumentos e efeitos, ao mesmo tempo que tem maior equilíbrio dinâmico. A banda também parece soar mais colada, ainda que o disco tenho sido feito de forma bastante fragmentada.

Com malhas mais concisas, redondinhas e propulsivas, o álbum tem um charme rocker irresistível. “Always And Forever”, “Let The Storm Rage”, “Comedown”, “Eye Sweat”, o tema título, et cetera et cetera, formam uma impressionante colecção de canções que vos vai agarrar imediatamente. No final, isso resulta num álbum que, acima de discussão de influências, conquistou o enigma da audição ininterrupta.

A riqueza harmónica deste álbum, tal como no primeiro, será o seu maior triunfo. O som cheio e vivo impregna os temas de uma solidez material que tantas vezes está ausente neste tipo de projectos e nesta estética algo desert rock. Mas também é um disco diferente do primeiro e talvez seja melhor.

Non intervalo entre ambos os álbuns, aceitaram o desafio da Antena 3 em recriar um êxito que tenha marcado os 20 anos (até aí) da estação pública. O tema que escolheram foi o insuspeito “Can’t Get You Out Of My Head”.

Não é coisa muito comum em Portugal, isto dos “supergrupos”. E daí resultarem bons discos será coisa ainda mais rara. Na sua estreia homónima, os Keep Razors Sharp optaram por unidade em vez de egos, e foram desde logo eleitos para os melhores álbuns nacionais de 2014. Nesse trabalho, assumiram algo do psicadelismo texano, mas deram-lhe o músculo tradicional das gravações dos estúdios Black Sheep. Não vive só do consumo dos fumos de The Black Angels, nota-se a devoção Dylanesca herdada de um projecto como os Slowriders e a comunhão geracional em torno do “Oásis” de Manchester.

Na altura, bastava ouvir-se um phaser para fazer subir a febre do psicadelismo. A associação do grupo que junta Afonso Rodrigues e Luís Raimundo, nas guitarras, Bráulio Alexandre, no baixo, e “BB”, na bateria, com os fumos deste ressurgimento do género era quase imediata, mas para a própria banda essa era uma falsa questão. «Não há uma aproximação assim tão grande ao que, de facto, está em voga, neste momento, quando as pessoas usam a palavra psicadelismo», afirma Afonso. O frontman, digamos assim, admite laivos genéricos, mas acrescenta que o foco esteve numa abordagem situada no final dos anos 80 e nos anos 90. Longe, portanto, de uma “Renascença Phaser Californiana”. Afonso reforça a espontaneidade e improviso das sessões de ensaios e composição, «saiu com uns “toques” psicadélicos, como com alguns de post-rock ou shoegaze, como poderia ter sido outra direcção completamente diferente». Inevitavelmente, as pessoas ouvem música música e fazem associações, mas para a banda é claro que o seu álbum de estreia não está particularmente ligado ao suposto género.

E, de facto, o som cheio e vivo impregna os temas de uma solidez material que tantas vezes está ausente neste revivalismo psicadélico, mesmo nos momentos mais trippy, como “Africa On Ice” e “Scars & Bones”. No final, isso resulta num álbum que, acima de discussão de influências, conquistou o enigma da audição ininterrupta. “Keep Razors Sharp” é dotado de outra raridade na indústria musical nacional. Não tem a ver com som, mas tem a ver com o culto pelo álbum. A capa deslumbrante é autoria de Sara Feio.