Keith Richards: Até aos 100 Anos!
Se o rock ‘n’ roll tem um nome é Keith Richards! Nele encerra-se tudo o que é celebrado sob a exuberante égide, o que tem de condenável e de louvável. Além do seu carisma, o seu estilo técnico e as suas composições tornaram-no um dos grandes nomes da guitarra.
O rythm & blues fez rolar os dados na vida de Keith Richards, a exuberância de Chuck Berry e os riffs arrastados de Muddy Waters catalisaram a vontade de desenhar padrões em seis cordas… ou cinco! «Muitas pessoas falam de rock actualmente, o problema é que esquecem o roll», nesse espírito surgiu uma banda que só terá ficado atrás dos Beatles.
Mas se os “scousers” formaram o pop moderno, os Stones mantiveram o cânone vivo e isso foi sempre devido à ortodoxia de Richards, à imagem do seu personagem nos filmes “Pirates Of The Caribbean”, para com a “ética” marginal. Não há maior elogio que a analogia do pirata com honra, do bom malandro que é Richards: «Nunca adoeço a não ser quando tento deixar as drogas (…). Nunca tive problemas com drogas, apenas com a polícia».
O velho pirata foi sempre irredutível e a sua força rítmica, que lhe deu voz própria, impôs-se também no som da banda em estúdio e ao vivo. Como afirmou o antigo baixista Bill Wyman, os Stones são Keith Richards, pois «o Keith é um músico muito confiante e teimoso, por isso pensa, usualmente, que foi outro qualquer a cometer um erro. É possível chegar a meio duma canção e reparar que o Keith trocou o tempo. Ele baixa um quarto ou meio compasso algures e, de repente, o Charlie [Watts] está a tocar no tempo, em vez de o fazer no contratempo – mas o Keith não emenda. Segue obstinadamente até a banda se lhe adaptar. Não nos chateia minimamente, porque todos esperam que isso aconteça. Ele sabe que de um modo geral estão todos a segui-lo, então não se preocupa em dar a volta ao tempo ou se nem sequer se apercebe disso».
Este tipo de prestação na guitarra acaba por, principalmente ao vivo, tornar o guitarrista algo polémico, pois podemos ir a um concerto de Rolling Stones e assistir a uma performance inesquecível ou dar o dinheiro como mal gasto. Mas essa é a mística: nenhuma actuação se repete, mecanizada, castrada por leis teóricas, é tudo instinto. A última vez que os Stones passaram em Portugal foi em 2014, no Rock In Rio Lisboa.
A tecnologia é a coisa menos importante num álbum de rock ‘n’ roll.
Sobre os próprios discos e sonoridade o guitarrista refere que «a tecnologia é a coisa menos importante num álbum de rock ‘n’ roll». Esta personalidade tão acentuada criou uma áurea de autoridade em torno do velho pirata, suportada por um profundo conhecimento de guitarristas lendários como John Lee Hooker ou, o já citado, Muddy Waters. Afinal, para Richards, «se não conheces o blues… não vale a pena pegar numa guitarra para tocar rock n’ roll ou qualquer outra forma de música popular».
Este profundo conhecimento que possui permitiu a Richards desenvolver um estilo de dedilhados rítmicos, através do uso da sua inovação: o uso de apenas 5 cordas, em afinação de acorde aberto, usado para dedilhar e ritmar em vez do slide, como é usual usar-se esse tipo de set up. Richards abdicou do virtuosismo técnico para se tornar a pedra que faz rolar a carreira dos Stones. Enquanto guitarrista tornou-se directo, incisivo e despretensioso.
Além da força rítmica, a forma como interage com o par, no caso passado de Brian Jones e Mick Taylor ou, actualmente, com Ron Wood, é exuberante e provocadora. E depois a forma trancada como faz soar os seus solos… Não é sobre perfeição, é sobre misticismo. Ron Wood diz, em jeito de provocação, que é muito melhor «e ele sabe-o», ao que o velho pirata responde serem «ambos péssimos sozinhos, mas juntos somos insuperáveis».
A verdade é que Keith Richards é um dos mais importantes compositores da segunda metade do século XX, quiçá apenas atrás da dupla McCartney/Lennon. Pela sua postura e atitude, quer pessoais quer musicais, Keith Richards foi-se tornando no Captain Teague, o pai de Jack Sparrow, nos “Piratas das Caraíbas”. Músicas como “(I Can’t Get No) Satisfaction”, “Start Me Up”, “Play With Fire”, “Jumpin’ Jack Flash” ou “I’m Free”, tanto quanto sabemos, eram hinos cantados pelos bucaneiros durante os seus raides de pilhagem!
Em “Life” (a sua estupenda autobiografia) Richards conta-nos que até no período que fez luto de um filho trabalhou. O que contraria muito uma ideia que vinga na sociedade, de que os músicos passam o tempo na boa vida, sem quaisquer sacrifícios pessoais.
Obviamente que tal capacidade para aguentar tudo o que é exigido deriva de algo fundamental a que o músico se refere quando lhe perguntam porque, mesmo nos dias de hoje, depois de tantos anos não pára. «Não me posso retirar até que morra. Penso que ainda nunca conseguiram perceber o que isto significa para mim. Não o faço por dinheiro ou para os outros. Faço-o por mim mesmo». Em 2015, depois de duas décadas, lançou o seu mais recente álbum a solo.
O velho “pirata” está simplesmente a apontar-nos uma das maiores lições da vida e que é tantas vezes descurada, fazer aquilo que se ama mesmo, se um músico não consegue encontrar força e vontade para enfrentar todos os desafios e sacrifícios que tem pela frente… talvez a sua vocação não seja mesmo a música, afinal: “You can’t always get what you want/ but if you try sometimes you might find/ you get what you need”.