Lou Reed & Metallica, A Revolta de Lulu
Para o bem e para o mal, Lou Reed e os Metallica tiveram a coragem de fazer um dos álbuns mais arrojados, dentro da indústria mainstream, dos últimos anos. Não é o álbum perfeito, mas está longe de merecer a “porrada” a que foi sujeito.
Quando era difícil de esperar que um álbum de Metallica sofresse ainda mais contestação que os gémeos “Load” e “Re-Load” ou “Death Magnetic”, eis que surgiu “Lulu”, que já estava a ser contestado ainda antes de ser lançado. Pode dizer-se que este é um álbum de Lou Reed (porque é, de facto), mas isso não mudou o facto de que seriam sempre os Metallica a ficar debaixo de julgamento.
Os temas são, na sua maioria, reinterpretações da banda sonora da peça “Lulu”, do dramaturgo Frank Wedekind, que o próprio Lou Reed escreveu. No início do projecto ponderou-se a regravação de alguns temas obscuros de Reed, mas foi decidido avançar-se com a banda sonora em questão.
O visionário mentor dos Velvet Underground afirmou, em defesa do álbum, que havia sido conseguido um casamento perfeito e no qual se deparou com a perfeição. As reticências quanto ao papel dos Metallica foram clarificadas pelo guitarrista Kirk Hammet: «Não se sente que sejamos a banda de Lou Reed, mas que somos uma banda diferente, numa situação na qual nunca estivemos», enquanto Trujillo afirmou, na altura, que viu a banda crescer com este trabalho.
“Lulu” não merece a “porrada” que tem levado, e também não necessitaria do zelo dos seus autores na sua defesa, pelo simples facto de ser um álbum do cacete. Quer conceptualmente, quer musicalmente, consegue responder à história que narra, desde os seus sonhos, estados emocionais e relacionais, capaz de dinâmicas musicais que nos conduzem desde a calma à esquizofrenia. Nesses momentos nota-se a condução de Lou Reed, num estilo que foi sempre seu, e os Metallica acrescentam qualquer coisa a este disco, para lá do simples sentido de risco ou de procurar chocar sensibilidades auditivas.
A obra-prima de Lou Reed – David Bowie
A verdade é que, sob a batuta de Lou Reed, a banda consegue aqui dos seus momentos mais pesados e negros, sem comprometer a sua sonoridade própria, mas abrindo essa mesma sonoridade a sonoridades mais contemporâneas, até ao noise rock em certos momentos. Exemplo sublime disso é um tema como “Pumping Blood”, com uma abertura dentro dos padrões do art rock, em desenvolvimento até ao clássico thrash da banda californiana e para um final em jam. Essa mistura consegue estar uniformizada ao longo de todo o álbum.
“Lulu”, para o bem ou para o mal, continua a ser motivo de debate e, com certeza, irá motivar ainda mais intermináveis discussões. Contudo, acabou por tornar-se um dos marcos mais significativos no rock desta década, mesmo que para alguns não tenha feito mais que revelar-se apenas como um exercício de pretensiosismo. Mas, na verdade, se pensarmos em Lou Reed e na estreia dos Velvet Underground, na altura, as primeiras reacções também não foram entusiasmantes e o tempo acabou por confirmá-lo como um dos mais marcantes projectos da sonoridade eléctrica.
Aliás, quando Reed foi postumamente induzido no Rock and Roll Hall of Fame, Laurie Anderson, a sua viúva contou no discurso de entrega do prémio que Bowie era um fã acérrimo do disco. «Foi um enorme desafio [fazer o álbum] e custa-me ouvi-lo. Possui demasiados conflitos e muita radiância. Após a morte de Lou, o David Bowie fez questão de me dizer: ‘Escuta, este é o melhor trabalho do Lou. A sua obra-prima. Dá-lhe tempo e será como o “Berlin” [o álbum de 1973 de Lou Reed]. Vai demorar um pouco a assimilá-lo».
O álbum não está nas principais fontes de streaming (excepto no Tidal), mas podem ouvi-lo integralmente no site que lhe é exclusivamente dedicado, AQUI.