The Legendary Tigerman, Guitarristas Preferidos & Influências
Paulo Furtado, o Legendary Tigerman, revela como começou a tocar guitarra e quais os guitarristas que tiveram um papel determinante na sua paixão pelo instrumento e no desenvolvimento da sua linguagem musical.
Para criar algo especial para uma edição que, em 2018, celebrou 10 anos de publicações queríamos algo que fosse inédito ou, no mínimo, incomum, na nossa imprensa musical. Isto, claro, além dos artigos sobre instrumentos e equipamento musical de sempre. Então surgiu a ideia de reunir numa edição histórica dez grandes guitarristas portugueses.
Um dos escolhidos foi Paulo Furtado, o Legendary Tigerman. Aos 15 anos era um ávido consumidor de garage e rock ‘n’ roll que começava a descobrir o blues. Não quis pegar numa guitarra acústica (só uma década mais tarde viria a ter uma), sentido um maior apelo pela eléctrica. «A primeira guitarra que comprei, já nem me lembro que marca é que era, foi a única que havia para canhotos. Por acaso é a única guitarra que não faço ideia o que é que lhe aconteceu. De repente, um dia já lá não estava. Dos 15 aos 17, nas férias, ia trabalhar para a Suíça, apanhar tabaco e fazer aqueles trabalhos de Verão para ganhar algum dinheiro e depois ia passear pela Europa. Na altura, a minha irmã estava em Hamburgo, fui visitá-la e lembro-me que entrei numa loja de música e a única guitarra que havia para canhotos era essa, uma solid-body». Anos mais tarde, os Tédio Boys promoveram o aprofundar da relação com o instrumento.
Para a entrevista completa, podem adquirir um exemplar da revista na nossa loja, para descobrir os heróis do Tigerman, basta fazer scroll.
Foste autodidacta?
Fui sempre autodidacta. Tive algumas aulas, que não podem exatamente serem consideradas aulas, mas fui sempre aprendendo muito com outro pessoal. Sempre tive um olhar muito curioso, especialmente nos primeiros tempos, quando era mais puto nunca tive grandes problemas em perguntar e tentar aprender e, especialmente durante as digressões com os Tédio Boys houve muita gente, outros guitarristas, que me foram ensinando afinações. Nessas primeiras digressões na América era inacreditável. Até numa bomba de gasolina, no Sul, apanhavas um gajo a pôr gasolina que toca guitarra melhor do que tu e tem qualquer coisa para te ensinar [risos]. O meu período mais fértil de aprendizagem e de influência exterior foi aí. Depois, apesar da vida paralela em WrayGunn, onde a forma de tocar era diferente, o meu modo de tocar guitarra ficou muito refém do que fazia como one-man band e do modo como queria soar e do que queria criar. A tocar guitarra ao mesmo tempo que tocava a bateria e bongo e ao mesmo que estava a compor, comecei a ir numa direcção de «ok, quero que isto soe a um gajo a tocar baixo e, eventualmente, dois gajos a tocarem guitarra de uma maneira muito simples, mas que haja um som distinto». Passei a trabalhar muito na separação de sons, a filtrar e passar para octaves para simular baixos de um lado, pôr algumas guitarras em série… Na gravação do “True”, cheguei a ter as duas Gretsch em stereo, com um pickup mais pequeno que apanhava as cordas os bordões numa e apanhava as duas cordas mais finas na outra, para poder trabalhar efeitos e tonalidades diferentes. Fui direccionando mais a minha técnica de tocar guitarra para essa coisa de soar a vários instrumentistas e servir o projecto e menos para aquela curiosidade de progredir tecnicamente na guitarra. Comecei numa direcção um bocadinho particular e mais rítmica, mais repetitiva e mais hipnótica…
Muitos canhotos começam por aprender como um destro. Isso aconteceu-te?
Os primeiros sete ou oito anos como guitarrista, tocava das duas maneiras. Demorei um bocado a ter uma guitarra fixe para canhoto, se bem que, por vezes, tinha guitarras emprestadas. Sempre foi uma coisa que achei piada e ainda tenho uma duas guitarras que estão destro para compor. Acho fixe não saber exactamente o que é que está a acontecer [risos].Há coisas mais intuitivas que acontecem, que depois tens que fazer algumas contas para perceber. Sempre tive um bocadinho a relação com a guitarra das duas maneiras.
Experimentas muitas afinações, mas há alguma em que te sintas mais em casa?
O Open G. Se bem que muitas vezes ainda sou surpreendido pelo Open G, em coisas que faço inconscientemente ou que vão acontecendo quando vais tocando guitarra. É a escala perfeita para o que faço. Não é exactamente blues, é uma coisa entre o blues, o rock ‘n’ roll e o punk, ou seja, é uma afinação muito intuitiva, “gravalhona” e pesada.
Tem havido uma tendência para a música, de um modo geral, soar mais grave, mais densa…
Por mais que uns façam metal, outros façam blues, rock, pop e outros façam música havaiana ou o que quer que seja, não estamos a imunes a tudo o resto que vai acontecendo à nossa volta. O grave, de repente, começou a ser uma coisa relevante vindo mais da música de dança e música electrónica. De repente, começaste a ouvir graves. Também quero ouvir este tipo de sonoridade naquilo que faço e no rock ‘n’ roll. Um gajo sente-se muito influenciado por todos os sons e por todas as coisas que estão à sua volta.
Isso não é pouco punk?
Achas? Identifico-me muito com o punk de Nova Iorque, não me identifico puto com o punk inglês. E o punk de Nova Iorque quando apareceu, podiam ser os Blondie, os Ramones, os Talking Heads, podiam ser mil bandas que não tinham absolutamente nada a ver umas com as outras. As sonoridades eram diferentes. Percebo o que estás a dizer, mas para mim o punk tem muito mais a ver com o DIY e com a experimentação em si do que um gajo autolimitar-se a determinadas coisas porque é punk.
A forma de fazer música também mudou?
A música está a mudar e vai mudar para sempre. Isto já não vai andar para trás e o rock ‘n’ roll nunca mais vai voltar a ser o que foi ou a música popular nunca mais vai voltar a ser o que foi. Quando começaram a aparecer as primeiras guitarras eléctricas e os primeiros amplificadores, toda a gente que tocava guitarras acústicas e atrás disso achava que as guitarras eléctricas eram uma cagada e que os gajos que as tocavam eram uns “tanguistas”, que era muito mais fácil tocar eléctricas do que acústicas. Houve sempre muita gente a olhar para isto de maneira errada. Quero acreditar que os putos hão de arranjar maneira de fazer rock ‘n’ roll se calhar com sintetizadores, não sei… Ao mesmo tempo que pode ser mais simples começares a fazer alguma coisa com plugins, não é assim tão simples chegares a uma sonoridade que é exactamente tua. Ou seja, o trabalho para fazeres uma coisa válida no que quer que seja tem que ser sempre grande. Há-de haver sempre aquele gajo que tem um talento inato e consegue, sem nada, fazer uma coisa incrível. Mas esse gajo vai sempre fazer uma coisa inacreditável, quer seja com uma guitarra, um piano ou carregar num botão só. Não quero ter aquele olhar negativo em relação a uma data de cenas que podem ser fixes. As guitarras hão de ter sempre o seu espaço. Não podes fazer com um sintetizador ou uma máquina a mesma coisa que fazes organicamente com uma guitarra. Deste excesso de informação digital e de facilidade digital que vai havendo, acho que vão nascer coisas boas e há sempre espaço para o orgânico.