As Coisas que Aprendemos com The Pedal Movie
Os pedais de efeitos receberam finalmente o tratamento que mereciam: o filme The Pedal Movie. Vamos conhecer melhor este documentário e aquilo que podemos aprender com ele.
A evolução dos pedais de efeitos tem sido incrível. Há-os para todos os gostos, tamanhos, feitios e, claro, preços. E a própria natureza do fabrico destas caixinhas mágicas já indispensáveis deu às pequenas empresas uma oportunidade de causar um enorme impacto no mercado. Por tudo isso e muito mais, os pedais já mereciam um filme: The Pedal Movie, já disponível para compra ou aluguer.
Este tão aguardado documentário é a fascinante visão sobre o passado, presente e futuro dos pedais de efeitos, destacando uma série de pessoas inspiradoras que têm trabalhado para ajudar os músicos a obterem o melhor som possível – designers, visionários, produtores, músicos, curiosos e personagens carismáticas que fazem dos pedais de efeitos uma das componentes mais excitantes da indústria.
Antes de entrarmos nos pormenores, convém informar que este filme exaustivo de 2 horas e 20 minutos eleva a fasquia com altos valores de produção, ritmo, entrevistas e narração de histórias excepcionais. Os pedais conseguem finalmente o destaque que merecem com uma história assente numa profunda pesquisa. Só há um problema. Muito provavelmente, este filme vai fazer com que se queira comprar mais pedais.
TUDO SE DEVE A UM FELIZ ACIDENTE
O filme traça a evolução cronológica dos efeitos desde logo com George Snoddy, engenheiro que trabalhou com o cantor country Marty Robbins no tema “Don’t Worry” (o b-side do single “Like All The Others”, de 1961). O baixista era o lendário músico de sessão Grady Martin e, como explica o fundador da JHS Effects, o guru da história dos pedais Josh Scott, o músico estava a usar um baixo Danelectro de seis cordas ligado directamente a uma mesa de mistura novinha em folha. O pormenor que mudaria a história da música: ninguém sabia que havia transformadores defeituosos nessa mesa.
O efeito resultante no som de baixo de Grady Martin causou uma discussão no estúdio: Marty Robbins gostou imediatamente do “fuzz tone” e o engenheiro Glenn Snoddy também. É, hoje, difícil de compreender como este som (ousado naquele tempo) foi recebido pelos ouvintes. Mas certo é que outros engenheiros e artistas queriam aquele som, incluindo Nancy Sinatra. Glenn Snoddy não podia confiar apenas num equipamento defeituoso para o reproduzir e criou então uma solução com a ajuda do engenheiro Revis Hobbs. E, em 1962, nascia o Gibson Maestro FZ-1 Fuzz-Tone, a um preço de 40 dólares. Estava criado o primeiro pedal de distorção do mundo.
OS HERÓIS DA GUITARRA
Os primeiros 25 minutos do filme são dedicados aos pedais de fuzz, com Billy Corgan a falar, obviamente, sobre o clássico Big Muff, da Electro-Harmonix. Mas há mais músicos a falarem sobre as suas descobertas ao longo das suas carreiras. Steve Vai e Dweezil Zappa saúdam o trabalho de Frank Zappa ao alargar os limites dos sons na sua música, Peter Frampton fala sobre o seu primeiro encontro com a Talk Box do guitarrista Peter Drake, testemunhos de Dave Knudson, da lenda Dennis Coffey, Nels Cline (Wilco), J Mascis (Dinosaur Jr.), Paul Gilbert, Joe Bonamassa, Kevin Shields, Graham Coxon, Doyle Bramhall II, até do baterista Patrick Carney, dos Black Keys, com os seus primeiros pedais Earthquaker Devices. E a lista continua. É igualmente excitante ver Billy Corgan e J Mascis tocarem, assim como Graham Coxon (Blur), que toca o solo de “Coffee And Tv” no seu fuzz Shin-ei (FY-2), além de todos os conhecimentos interessantes que têm para partilhar com os espectadores.
O REGRESSO DOS PEDAIS BOUTIQUE
O filme acompanha os enormes passos dados na década de 1980 com efeitos digitais e produção em massa, mas o ressurgimento das operações analógicas e de pequenas equipas não podia – e não foi – ignorado. Andrew Barta, com a sua SansAmp (Tech 21), cuja primeira unidade foi construída na sua cozinha, é igualmente entrevistado, assim como outros colegas construtores de pedais boutique, incluindo Mike Piera (Analogman), Zachary Vex (Z. Vex) – que nos mostra o Fuzz Factory original -, Jeorge Tripps (Way Huge), Dave Fruehling (Strymon), Robert Keeley, Jamie Stillman (Earthquaker Devices), Brian Wampler, Fran Blanche (Frantone Electronics) e Joel Korte (Chase Bliss Audio).
Mesmo os principais construtores que não são entrevistados recebem homenagens dos seus colegas, incluindo Jack Brossart da Prescription Electronics ou Dan Coggins da Lovetone. Infelizmente, Mike Fuller recebe crédito dos seus pares pelo seu trabalho com pedais como o TOC (Fulltone), mas não integra o ilustre painel de entrevistados. Ficámos igualmente a saber que o construtor Josh Scott (JHS Effects) gostou da mudança do hair metal para o grunge e também descobrimos que há muito espaço tanto para o mercado de massas, como para as pequenas marcas.
Há uma grande secção a meio do filme sobre as cenas alternativas e o grunge no início dos anos 1990. J Mascis (Dinosaur Jr.) abraçou os efeitos mais antigos à medida que a sua banda alcançava sucesso nos anos 1990. «Sabia que gostava de fuzz e de barulho. Nunca compreendi efeitos subtis do tipo: “Oh isto é transparente”. Não compreendo. Isso sempre me desconcertou». A certo ponto, J Mascis salienta: «Quando estava a aprender a tocar guitarra estava a aprender a tocar efeitos ao mesmo tempo».
CRAIG ANDERTON E RG KEEN, FIGURAS-CHAVE
O livro de Craig Anderton “Electronic Projects For Musicians”, de 1980, tornou os esquemas acessíveis a uma geração de pessoas que levariam, depois, as suas vidas como construtores de pedais. O livro/manual alimentou uma mentalidade de bricolage que foi absolutamente crucial para esta indústria. «Penso que os tipos com quem estava a aprender cresceram com esse livro de Craig Anderton», diz Brian Wampler, que acabaria por escrever um livro chamado “How To Modify Guitar Pedals”.
RG Keen foi outra figura-chave com o seu trabalho na Usenet – um pioneiro por colocar esquemas na Internet que os futuros construtores poderiam utilizar. A partilha de conhecimentos é a chave para qualquer comunidade, e para os pedais a evolução da Internet amplificou esse facto de forma massiva. Não é por acaso que a quantidade de empresas de pedais aumentou com o crescimento da web.
O FUTURO É BRILHANTE
O último terço do filme inclui um olhar atento sobre o estado actual do mercado e os novos e corajosos mundos sónicos explorados por marcas como a Earthquaker Devices, a Walrus Audio ou a Death By Audio, assim como o lugar que os pedais têm agora na vida dos guitarristas.
É sabido que os pedais são uma regra e não uma excepção e bandas como Radiohead ou The Mars Volta viram os seus músicos a manipular eficazmente os efeitos em palco como se fossem instrumentos em si mesmos. A música alternativa alimentou o mercado dos pedais e, por sua vez, esses efeitos de nicho conduzem as canções. O lado boutique da indústria também provou ser incrivelmente resistente, o que é uma óptima notícia para amadores que passaram a ser empresas.
Mas para onde vamos a partir daqui? O filme também olha para o futuro como um destino excitante. As variáveis das componentes ainda estão a ser exploradas, as subtilezas que permitem uma enorme variedade de pedais também, para não falar do processamento de sinais digitais. Destaque para marcas como a Meris, a Strymon, a Source Audio, a Line 6, a Walrus Audio ou a Chase Bliss, que abriram ainda mais portas para pedais com DSP.
Alguns pedais vão expandir a musicalidade. Alguns irão sempre favorecer a escola de pensamento mais transparente e de melhor gosto. E isso é o melhor dos pedais, há algo para toda a gente.
O filme também olha para os altos e baixos do marketing das redes sociais que permitiu mais concorrência no mercado. E enquanto os fóruns outrora ajudaram a comunidade de bricolage a prosperar, há agora um lado mais escuro nessa realidade.
Numa nota mais positiva, é óptimo ver The Pedal Movie dedicar algum tempo às mulheres e às minorias na indústria, num filme que mostra, sobretudo, que a originalidade continua a prosperar na indústria do fabrico de pedais. A conclusão que se retira de The Pedal Movie é que os criadores de efeitos continuam a apoiar-se mutuamente, mas querem continuar a elevar a fasquia. E isso… só pode ser uma tremenda notícia para os músicos.
Enfrentamos tempos de incerteza e a imprensa não é excepção. Ainda mais a imprensa musical que, como tantos outros, vê o seu sector sofrer com a paralisação imposta pelas medidas de combate à pandemia. Uns são filhos e outros enteados. A AS não vai ter direito a um tostão dos infames 15 milhões de publicidade institucional. Também não nos sentimos confortáveis em pedir doações a quem nos lê. A forma de nos ajudarem é considerarem desbloquear os inibidores de publicidade no nosso website e, se gostam dos nossos conteúdos, comprarem um dos nossos exemplares impressos, através da nossa LOJA.