Bon Iver, O Triunfo da Beleza
2022-11-11, Altice ArenaOs Bon Iver fecharam a digressão europeia de suporte ao álbum de 2019, “I,I”, com um concerto magnífico. Uma inesquecível demonstração da força de ideais como a beleza, o amor e a paz interior, feita através duma viagem pela discografia da banda (mais focada nos dois últimos álbuns) que é evidência de que Justin Vernon é um dos maiores compositores da sua geração.
Bon Hiver é a saudação entre si dos habitantes de Cicely, na série televisiva “Northern Exposure”, aquando da chegada das primeiras neves (e mal transcrita por Justin Vernon a braços na altura com uma mononucleose), e agora endereçada da boca daqueles que preencheram a Altice Arena. O concerto fez prova de que a beleza não é exclusiva da arte – é também da inspiração. Não está somente na capacidade de reconhecê-la, mas no que suscita, em como emociona. O reconhecimento da beleza é dependente da “transformação embelezante” do sujeito contemplativo e ninguém terá terminado o concerto do passado dia 11 de Novembro de 2022 menos belo do que lá chegou.
“Perth” inaugurou essa experiência embelezante, uma quase marcha militar para soldados caídos nas trincheiras dessa guerra que é amar e onde se começou a manifestar o poder arrasador de Bon Iver ao vivo, quando Sean Carey e Matthew McCaughan começaram a troar juntos ambas as baterias. “666 ʇ” traz consigo mais sintetizações e depois aquelas explosões de tambores. Uma fusão perfeita dos mundos electrónicos e acústicos da música. Um som fascinantemente actual, enraizado no passado e apontado ao futuro.
Porque há muito do mais angular prog rock da década de 70 no som de Bon Iver – que nos álbuns soa mais próximo de Peter Gabriel e ao vivo dos Pink Floyd. Porque consegue fundir o soul, a pop e o neo folk actuais de modo singular, e porque a forma como quebra todas as regras da música popular aponta caminhos a seguir. “Heavenly Father” jamais será um tema de rádio, mas a forma como propicia a convergência e a comunhão, apontam um futuro musical e social que todos nos devíamos concentrar em concretizar.
O domínio que a banda possui de todos os seus recursos é espantoso, conseguindo deslumbrar na condução de pianos de “U (Man Like)” ou nas extravagantes e síncopadas frases de sintetização de “Jelmore”. Mas, por vezes, sucedem momentos de maior distanciamento entre o deleite dos músicos no diálogo que estabelecem e as sensações que pretendem traduzir para a plateia. Nessas ocasiões, o silêncio ainda não é, de maneira nenhuma, um dado adquirido entre a multidão. Há muitas conversas, mais ou menos ruidosas, a abafar a concentração nas músicas e só progressivamente o talento da banda vai angariando todas as atenções, isto sucede em quase todas as canções. É nesses momentos que os Bon Iver introduzem formas menos abstractas, como “Faith” (passe o paradoxo).
Diante da arquitectura de iluminação e dos jogos de luzes, do extraordinário domínio dinâmico e coesão dos seis músicos que estão no palco, é difícil focar-nos nas ferramentas que cada um deles usa. Mas há alguns modelos que gritam por atenção, como a guitarra de assinatura de Jenn Wasner com a Reverend, a JW-1. Um belíssimo modelo em korina que combina o poder da Charger HB com a estética dos projectos de Jenn (Wye Oak, Flock of Dimes, Dungeonesse), num grafismo alcunhado“Optic Interruption” e cujo efeito visual é tão dinâmico como o seu som. Justin Vernon também usou modelos Reverend, as Jetstream, uma réplica de uma LP Goldtop e uma réplica de uma Rocky Strat. Em “Skinny Love”, mais perto do final, cantada a plenos pulmões pela Altice Arena, usou a sua rara resonator, uma National Duolian da década dos anos 30. O Dave Smith Instruments Prophet 6 está no setup de mais do que um dos músicos; o Teenage Engineering OP-1 está na plataforma de Vernon; mas é o poderoso Yamaha CP-70 comandado por Sean Carey que mais impressiona. Uma besta sónica!
A maquinalmente espartana “10 DEATH BREAST” é depois contrastada pelo solo de voz/sintetização de “715 CREEKS”. São temas mais radicais no que respeita à electrónica, extraídos do tão divisivo quanto aclamado trabalho de 2016, “22, A Million”. Entretanto “iMi” e “Hey, Ma” trazem-nos novamente para o disco de 2019,”iMi”, trabalho onde Vernon parece ter estabelecido pontes sólidas entre o arrojado esforço de 2016 e aqueles que o antecederam. E por falar em antecessores, “Blood Bank” é um enorme blast into de past! É uma daquelas músicas que qualquer músico desejaria ter escrito. Mas o futuro, estabelecido no referido disco de há seis anos atrás, está em marcha e assim somos magnetizados com “45”, “33 GOD” e “8”. Depois chega mais uma vez a pacificação dos impulsos criativos com o legado anterior do novo álbum. “Salem” soa extraordinária.
Ao fim de 25 anos, os Bon Iver são uma banda cada vez melhor e Vernon tornou-se um compositor sem paralelo.
Há outro motivo para se sentirem os temas de “I, I” de forma mais plena. É que se tratam de manifestações mais colectivas, nas quais cada um dos músicos é chamado a intervir, por contraste com o isolamento de Vernon nas canções mais despidas de “22, A Million”. E se há coisa em que os Bon Iver sempre se manifestaram como uma das melhores bandas da sua geração, é ao vivo. A já referida “Skinny Love” fecha mais um Acto do concerto. E, antes do encore, tem lugar a sequência mais pungente e na qual a banda se permite criar mais clímaxes, com “Holocene” e mais duas do disco de 2019, “Sh’Diah” e “Naeem”. Triunfal!
Não admira, portanto, o estrondoso e insistente aplauso que chamou de volta a banda ao palco. “Flume” e “The Wolves (Act I & II)” eram ansiosamente aguardadas, mas “RABi” deixou bem claro que 25 anos depois do seu primeiro disco, os Bon Iver são uma banda cada vez melhor e Vernon tornou-se um compositor sem paralelo. O tema faz uma síntese perfeita da discografia da banda e de “I,I”, que é o mais completo do ciclo de álbuns das Estações.
A voz de Vernon sente-se despojada. Não há lugar ao quintessencial falsete – o tipo de vocalização que enfatiza o som sobre a articulação das palavras – e não há efeitos adicionais, camadas ou ecos. Despoduradamente Vernon foca-se na clareza das palavras. São feitas perguntas, mas nunca há uma resposta. E essa é a questão: não há solução, não há forma de absolver o mundo da negatividade. “RABi” diz-nos que sossegar a mente é uma impossibilidade no mundo actual. A luta diária contra a desgraça é inevitável e “RABi” propõe uma mudança de perspectiva em vez de uma fuga – uma atitude de copo meio cheio. Escolhendo ver a bondade e o belo, mesmo quando tudo parece mau e feio.
Nota: Bon Iver não permitiram que fotógrafos profissionais fizessem a habitual reportagem fotográfica.
SETLIST
- Perth
666 ʇ
Heavenly Father
U (Man Like)
Jelmore
Faith
10 d E A T h b R E a s T
715 – CREEKS
iMi
Hey, Ma
Blood Bank
____45_____
33 “GOD”
8 (circle)
Salem
Skinny Love
Holocene
Sh’Diah
Naeem
Flume
The Wolves (Act I and II)
RABi