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Criatura: Aurora na Casa do Alentejo

Criatura: Aurora na Casa do Alentejo

2016-04-09, Casa do Alentejo
Bernardo Carreiras
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Por muito que procurássemos pela capital fora não iríamos encontrar local mais apropriado para a apresentação deste disco. A tradição e séculos de história que saem pelas paredes da Casa do Alentejo,“a colónia alentejana em Lisboa”, formaram o clima perfeito para o nascer da “Aurora”.

A Criatura é mais que uma simples banda.Trata-se de um colectivo de artistas que unem os seus múltiplos talentos e expiram energia por todos os poros. Nessa mesma tarde, quando chegados ao local do concerto, ao olharem para aquela sala adornada dos mais bonitos azulejos e frescos de origem alentejana, pressentiam já cedo que algo muito especial estava prestes a acontecer. Entre os onze elementos que compõe o palco, podemos ver um pouco de tudo, desde o mais tradicional ao mais experimental. Aos adufes, guitarra portuguesa ou aerofones, aliam-se guitarra eléctrica, baixo ou os teclados de Edgar Valente, o cérebro por detrás da Criatura. Por cima de todos os instrumentos, juntam-se as harmonias de vozes de todos e o experimentalismo de Gil e Eloísa, vocalistas principais.

O concerto começou com uma boa meia hora de atraso, como aliás manda a tradição portuguesa,  aliada a alguns problemas técnicos durante as duas primeiras musicas. O pedido por parte da banda para o público se colocar de pé e vir junto para o palco resultou, seguido pela explosão do single “Pastor Sem Cajado”, uma das músicas mais energéticas do álbum.

A partir desta música, a criatura começou a despertar. Seguiu-se a música que dá nome ao álbum, que foi provavelmente o momento alto da noite. O solo inicial de guitarra portuguesa gelou as vozes do público e provou, a quem ainda a duvida restasse, o quão bem estes músicos estão a cuidar no presente daquilo que é verdadeiramente de todos, a terra e as raízes. Da tempestade nasce a bonança ou, neste caso a “Aurora”, música que dá nome ao disco e que culmina com uma entrada de arrepiar do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, que costuma acompanhar a banda com o cante alentejano às costas.

Os momentos que se seguiram foram repletos de surpresas. Para além da música, o espectáculo está cheio de espaços para a representação e até humor. Depois do adormecer da banda, um a um em silêncio, deu-se de seguida o regresso do grupo coral que  sozinho interpretou “Alentejo Alentejo”, uma moda que demonstra tudo o que grupo defende com os versos: «A terra paga em vida/Eu pago à terra em morrendo».

Todos nós somos a Criatura.

Mais do que um concerto acontece uma verdadeira catarse em palco e fora dele, o nascer de uma só voz em uníssono. O final da aurora trouxe uma sala inteira a bater o pé ao som de “Bem Bonda”, música que está fora do álbum, mas possui uma força de tremenda, carregada de mensagem de intervenção. Nos agradecimentos finais, transparecia na cara dos artistas a emoção e o espanto pelo que tinha acabado de acontecer. A forma genuína e a entrega desta família a este projecto materializou-se num fenómeno único naquela sala.

Por cá, o desejo é de que nos cruzemos com a Criatura num futuro próximo.

Fotos: Dewis Caldas