Deserto, o suicídio já não é original
2014-03-14, Stairway Club, CascaisÀ partida não seria bom lembrar que 75% do line-up dos Deserto foi dos Ex-Votos. Porque a sonoridade das bandas tem muito pouco em comum, com um sinal + para a banda mais “recente”. + guitarra, + “patada” e + rock. O que é importante dizer é que Paulo “Gárgula” Basílio [guitarra], Mário João [baixo] e Jô Gonçalves [bateria] tocam juntos de olhos fechados.
Numa altura em que a banda está a terminar as gravações do seu álbum de estreia, os concertos deixam perceber alguns conflitos silenciosos na personalidade sonora das partes – se assumirmos que, na maioria dos temas, a guitarra é o elemento que potencia a sonoridade da banda, há arestas a limar. Desde logo, é necessária ainda uma maior convergência de estilos, pois execução old school do baixo (leia-se isto com um sentido positivo) fica, por vezes numa encruzilhada, entre a agressividade das guitarras e alguma excesso de fills na bateria que, por alguma razão, parece não soar com a força necessária. Isto nota-se especialmente nos momentos que a guitarra tem um som mais negro (“Num Só Dia”), não se trata de falta de técnica, mas de excesso de técnica na bateria!? Confusos? Ouçam Bonham ou Keith Moon! Monstruoso o Mesa Boogie 5:50 Plus de Basílio, a fazer soar uma curiosa Lag Imperador Custom 2000 – curioso também o facto de o último tema, tocado com a Stratocaster de backup, ter soado com mais vida e mais “arejado”. Aquela estalo de palhetada meio punk de baixo de Mário João soa bem de acordo com o cânone através de um Fender Stuart M.
“Faz Frio”, com uma exortação badass como «o suicídio já não é original», tem as linhas melódicas a roçar o estilo de Billy Duffy [The Cult]. “Respiração” é uma malha “à séria”.
Miguel Sousa, o vocalista, tem atitude e garganta. Mas deixa a banda mais exposta a associações a uma certa tipologia do rock português. Parece ser uma questão de mais trabalho nas estrofes e dinâmica dos temas, pois os refrões soam quase sempre orelhudos. Especialmente num tema como “Faz Frio”, com uma exortação badass como «o suicídio já não é original», com as linhas melódicas a roçarem o estilo de Billy Duffy [The Cult]. “Respiração” é uma malha “à séria”. Esses vícios do rock “clássico” português são mais difíceis de engolir no bolcheviquista “Apanha O Avião”. Se os singles podem cicatrizar para sempre uma banda (e há vários casos disso na história da música), este tema não faz a mínima justiça à banda nem à remanescente sonoridade e pode servir para a tipificar negativamente. Que mandem este num avião para bem longe…
A abrir a noite no Stairway Club estiveram os A Marte e os Oaken. As actuações levantam uma questão que Mike Inez [Alice In Chains] debateu com a Arte Sonora em entrevista (#13): há bandas que não soam como banda. Os A Marte precisam de rever urgentemente o seu som, de perceber as suas valias e desenvolver aquilo que mais distingue uma boa banda, dinâmica. Precisam também de decidir se dois bons guitarristas devem submeter-se a um vocalista sem “noção” e desafinado. Os Oaken, são novinhos e o seu trilho haverá de consolidar-se (ou não) daquela forma injusta – com a idade adquire-se mais carácter e sublima-se a identidade. A banda soa sem a procura excessiva de protagonismo das individualidades, tem um som certinho e um vocalista com potencial. É sempre bom ouvir putos tocar “Man In The Box” [Alice In Chais], mas essa cover é sintomática do caminho a percorrer: é preciso ganhar a visceralidade que, por exemplo, a banda original possuía e deixar o som pós-juvenil daquele post grunge à Godsmack, Creed ou Alter Bridge…
No final do concerto, a sessão discotéque mágica do Stairway Club foi o amor [os discos pedidos deram direito a Black Oak Arkansas – inédito em qualquer pista de dança nacional]! Há qualquer coisa de Johnny Guitar ali na pequena cave em Cascais, e não é apenas a nostalgia…
Foto: André Morengo
SETLIST
- Num Só Dia
- Tu
- Febre
- Mal Menor
- Filhos Do Deserto
- Faz Frio
- Respiração
- A Chegar
- Tanto Me Faz
- Ponto Sem Nó
- Apanha O Avião