Greta Van Fleet, Quando as Estrelas Descem à Terra
2023-12-06, Campo Pequeno, LisboaNum Campo Pequeno ao rubro, os Greta Van Fleet foram recebidos como semideuses. A banda de Frankenmuth, Michingan brindou-nos com um espetáculo magnânimo pautado por narrativas musicais etéricas, secções instrumentais épicas e um imponente jogo de luzes e de pirotecnia. Parece que a coqueluche do rock que em tempos dividia opiniões é agora uma das maiores bandas de rock do mundo.
Quando em 2019 escrevemos o artigo “Who The F*ck is Greta Van Fleet?” aquando da estreia da banda em Portugal com um concerto no NOS Alive, que aconteceu fruto de uma alteração de última hora devido a um cancelamento, o grupo era ainda algo desconhecido do grande público. Com os EPs “Black Smoke Rising” (2017) e “From The Fires” (2017) e o álbum de estreia “Anthem of the Peaceful Army” (2019) no catálogo, a banda começava a dar que falar, principalmente devido à rodagem dos singles “Highway Tune”, “Safari Song” e “When The Curtain Falls”. No entanto, na ordem do dia estavam sempre presentes as comparações com os Led Zeppelin.
Sem se abalarem com essas alegações com fundamento, os Greta Van Fleet foram crescendo aos poucos enquanto buscavam a sua identidade sonora. Essa identidade acabaria por chegar com o seu segundo álbum, “The Battle at Garden’s Gate” (2021), um registo com temáticas mais profundas, como a religião, a filosofia ou a espiritualidade, e com uma moldura sonora mais carregada, dinâmica e com contornos cinematográficos. “Starcatcher” (2023), não foge desse mesmo registo, contudo apresenta-se como uma expansão sonora do seu antecessor, e traz temáticas fortemente ligadas ao esoterismo e misticismo.
Ao vivo os Greta Van Fleet traduzem toda esta conceptualidade e moldura sonora rica num espetáculo com um grande aparato cénico, onde os figurinos, o jogo de luzes e a pirotecnia são extremamente importantes para ilustrar as suas composições. No Campo Pequeno, isso não foi exceção, e naquela que foi a última data de 2023 da tour de “Starcatcher”, os Greta Van Fleet reluziram e mostraram-nos o caminho para as estrelas através da sua música.
HANNAH WICKLUND
A abrir a noite de concertos esteve Hannah Wicklund. Proveniente da Carolina do Sul, a guitarrista e vocalista trouxe a escola do blues/ southern rock do sul dos EUA e mostrou-nos alguns temas do seu álbum a solo “The Prize”. “Hell in The Hallway”, “Witness” e “Songbird Sing” colocaram em evidência a voz soulful de Hannah e os seus solos carregados de feeling e com um tone encorpado. Num deles Wicklund até recorreu a uma talk box. Em cerca de 30 minutos de atuação. Hannah teve ainda tempo de espreitar o seu trabalho com os The Steppin Stones através das músicas “Strawberry Moon” e “Bomb Through The Breeze”.
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BLACK HONEY
«A primeira vez que tocámos numa arena fora do Reino Unido foi aqui», disse a vocalista e guitarrista dos Black Honey, Izzy Phillips, referenciando o concerto que deram no Campo Pequeno em 2017 como banda de abertura dos Royal Blood. Entretanto, passaram-se cinco anos, e os Black Honey já têm na bagagem três álbuns de estúdio: o homónimo (2017), “Written & Directed” (2021) e “A Fistful Of Peaches” (2023). Para o seu set trouxeram um bocadinho de todos os seus trabalhos, com intuito de ilustrar o seu indie/garage rock. “All My Pride”, “Charlie Bronson” “I Like the Way You Die”, “Run for Cover” foram carregados de guitarras fuzz, alguma atitude punk e uma Izzy Phillips a fazer lembrar Debbie Harry no seus tempos áureos.
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GRETA VAN FLEET
Um palco rodeado de panos não permitia ver o que estava a ser preparado. A ânsia aumentava, e sempre que se ouvia alguns acordes de guitarra, notas de baixo e pancadas na bateria vindos do line check era notória a antecipação do público através de um enorme coro de assobios. A certa altura começou também a ouvir-se um quarteto de cordas a afinar, como acontece antes de um concerto de música clássica, rapidamente passou-nos pela cabeça a ideia de que os Greta Van Fleet (GVF) não iriam estar sozinhos em palco.
Apagadas as luzes, eis que começou a tocar a “Starcatcher Overture”, uma abertura sinfónica com um medley dos GVF tocado pelo suposto quarteto de cordas. Com a tensão a aumentar ao longo da peça eis que chegou o momento da cortina cair acabando por revelar apenas os quatro “caçadores de estrelas” numa plataforma situada na parte detrás do palco.
«Boa noite!» atirou o vocalista Josh Kiszka com a sua voz esganiçada, antes de uma explosão pirotécnica anteceder “The Falling Sky”, tema que apresentou um interessante solo de harmónica de Josh. “The Indigo Streak” manteve o alinhamento em “Starcatcher”, com Josh depois a dirigir-se ao público para anunciar que estávamos perante a última data de 2023 da tour de “Starcatcher”, e por isso todos deveriam encarar aquele momento como uma celebração. “Built By Nations” foi o mote dado para a continuação de todo aquele aparato solene, já “Meeting The Master”, com Jake Kiszka a dedilhar uma Gibson 50s J-45 e Sam Kiszka nos teclados, trouxe a vertente mais espiritual dos GVF, com a banda a invocar uma entidade superior que lhes transmite sabedoria e conhecimento.
Em “Heat Above”, uma faixa com contornos gospel, Sam saltou do seu Nord Stage 2 para o Hammond B-3, já em “Broken Bells” Jake puxou da sua Martin D-28 e demonstrou, mais uma vez, que as faixas acústicas dos GVF são das melhores composições da banda ao apresentarem texturas riquíssimas e dinâmicas bem articuladas. Nesta última, temos que dar uma palavra de apreço ao baterista Danny Wagner que, sem tocar padrões rítmicos intricados, procurou apenas servir a música com pequenos apontamentos que embelezam e elevam a composição, como é o caso dos toques subtis nos pratos durante os versos ou das batidas nos timbalões de chão no refrão.
Ao vivo os GVF estendem muitas das suas músicas em jams carregadas de solos improvisados e “Highway Tune” foi uma das ocasiões em que Jake ficou possuído pelo espírito da pentatónica.
A primeira visita ao EP “From The Fires”, que lhes valeu um Grammy em 2019 na categoria de Melhor Álbum Rock, surgiu com o já clássico “Highway Tune”. A reação do público foi de grande euforia, e foram muitos os que acompanharam Josh non versos «You are my special/ You are my special/ You are my midnight, midnight yeah» e no refrão «So sweet/So fine/So nice/All mine/Mine mine/Mine mine/Ooh». Ao vivo os GVF estendem muitas das suas músicas em jams carregadas de solos improvisados e “Highway Tune” foi uma das ocasiões em que Jake ficou possuído pelo espírito da pentatónica.
Se em “Broken Bells”, Danny Wagner apresentou um estilo de tocar minimalista, no seu solo de bateria o músico teve a possibilidade de mostrar todas as suas valências, das quais se destacam a sua pancada pesada no bombo à la Bonham e o seu groove no ride.
Chegados a meio do concerto, foi altura de preparar o palco para o set acústico que iria acontecer. Antes disso, já Josh se tinha dirigido a um compartimento dentro de uma das plataformas espelhadas que ladeavam o palco para trocar de indumentária, algo que foi recorrente ao longo do espetáculo. Já de regresso ao palco, e enquanto os roadies preparavam o material do set acústico, Josh juntou-se a Sam para interpretarem uma cover do clássico “Unchained Love” de Hy Zaret & Alex North, algo que fez lembrar a cover de “A Change Is Gonna Come”, de Sam Cooke, que os GVF gravaram para o EP “From The Fires”.
Já com os quatro músicos na dianteira do palco, e com Danny a trocar a bateria por um bandolim, os GVF atiraram-se a uma performance intimista de “Waited All Your Life” e “Black Smoke Rising”, esta última também uma das mais entoadas pelo público. Terminado o set acústico Josh desceu até às grades para, às cavalitas de um roadie, distribuir várias flores brancas pelas primeiras filas.
O regresso ao set elétrico fez-se com “Faith of the Faithfully” e com Jake a trocar as suas Gibson Les Paul SG ’61 por uma Fender Telecaster. Jake fez depois a ponte com “Sacred The Thread” com um solo que, apesar de improvisado, apresentou um riff como base que o guitarrista utilizou como ponto de partida. Nesta faixa Sam regressou à dianteira do palco para ocupar o seu lugar, por vezes esquecido, de baixista. Ora empunhando um Rickenbacker 4003, ora recorrendo ao seu icónico Fender ’50’s Precision Bass Reissue em Seafoam Green, Sam segurou sempre o groove com um tone robusto e bastante audível através do P.A..
“The Archer” trouxe-nos um dos melhores momentos pirotécnicos do concerto. A faixa que originalmente possui 5 minutos de duração foi estendida até aos 13 para que Jake, desta vez agarrado a uma Gibson ES-355 Custom com um Bigsby, pudesse solar de forma hipnótica com grandes labaredas a surgirem por detrás do palco. A imagem deste momento vista do local onde estávamos situados foi deveras mágica e causadora de alguns frissons.
Para o encore ficou reservada mais uma cover, “Rhapsody in Blue” de George Gerswhin, que foi tocada ao piano por Sam com alguns apontamentos de Danny. Seguiu-se “Light My Love”, uma das faixas que maior comunhão gerou entre os fãs e a banda. Esta é uma faixa que fala disfarçadamente sobre a homossexualidade de Josh Kiszka, que só foi revelada publicamente em Junho de 2023, e como sinal de suporte para com o vocalista foram muitos os fãs que levaram bandeirinhas arco-iris para abanar durante este tema.
“Farewell for Now” diz tudo. A última faixa de “Starcatcher” foi a escolhida para encerrar o concerto, e representou exatamente aquela dificuldade em dizer adeus a um momento que queremos que perdure no tempo. Como estrelas cadentes que aparecem e desaparecem num abrir e fechar de olhos, os Greta Van Fleet saíram do palco exatamente da mesma forma como entraram, alinhados ao centro do palco sob a plataforma situada na parte de trás a receber uma imensa ovação de uma plateia rendida a estes quatro novos astros do rock.
No final, e apesar das críticas estes quatro putos mostraram que é possível continuar a reviver os tempos áureos do rock.
SETLIST
- The Falling Sky The Indigo Streak Built by Nations Meeting the Master Heat Above Broken Bells Highway Tune Drum Solo Unchained Melody (Hy Zaret & Alex North Cover) Waited All Your Life Black Smoke Rising Fate of the Faithful Sacred the Thread The Archer Rhapsody in Blue (George Gershwin Cover) Light My Love Farewell for Now