O fenomenal álbum de estreia de José Mário Branco, é um dos melhores álbuns de sempre da música portuguesa.
Muito se fala sobre álbuns de estreia com uma aura diferente. Talvez porque, normalmente, contêm todos os elementos de surpresa, mais fúria criativa e são menos controlados por estratégias de mercado. Se a isso juntarmos o contexto político e, precisamente, a estratégia de mercado que poderia haver, um dos grandes álbuns de estreia não só da música nacional, mas também internacional é “Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades” (o tema título é baseado no poema do nosso maior poeta – Luís Vaz de Camões), que José Mário Branco gravou em Paris, em 1971, durante o período em que esteve em exílio (1963-74).
Há quem o chame o “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” da música portuguesa. Este não é um álbum pontuado por psicadelismo, mas o sentido de fusão e experimental que denota – com as miscigenação de estéticas provenientes do fado, do folk (mesmo duma estética medieval) e do blues – tornam-no num marco de composição e som na história da nossa música.
Para lá da expressão social que denotava, com muitas das letras escritas por Sérgio Godinho, como “Cantiga Para Pedir Dois Tostões”, “O Charlatão” ou “Queixa Das Almas Jovens e Perdidas” (da poetisa e romancista Natália Correia) e “Perfilados de Medo” (de outro grande, Alexandre O’Neill), fazia a exclamação das dores de um país através de música genial, que depois outros começaram a chamar revolucionária – à laia de, musicalmente, justificarem banalidades criativas. Também José Mário Branco escreve, “Nevoeiro” e “Mariazinha”, e bem, mas o centro aqui é mesmo musical – e com todo o respeito por tantos grandes músicos que surgiram na contra-resposta cultural à opressão do Antigo Regime, este álbum é a obra-prima surgida nesse contexto.
Vibrante, melodioso, mordaz ou lamentoso – quer lírica, quer musicalmente – este álbum potenciou a herança de Zeca Afonso, porque lhe acrescentou a intensidade da electricidade e amplificou as palavras muito para além da simplicidade canto e viola, enquanto as raízes “rockeiras” e o groove que pontifica em alguns temas ridicularizam a banalidade do “yé-yé” tão popular na altura e que, curiosamente ou não, tem sido revivido nestes tempos.
Um álbum impressionante!