Kikagaku Moyo: Sabedoria Japonesa na ZDB
2016-06-19, Galeria Zé dos Bois, LisboaVindos do outro lado do mundo, nenhum palco seria grande o suficiente para a magnitude sonora dos Kikagaku Moyo. Vieram, então, ao menor de todos eles, e o resultado beira o indescritível.
É curioso, de facto, o quão propenso é o recinto da Galeria Zé dos Bois a proporcionar-nos belas surpresas. Um olhar para o seu cartaz nos meses que se antecipam dificilmente revelará nomes muito conhecidos, mas em cada um deles reside o potencial de uma pequena grande experiência boémia, um espectáculo inusitado entre as quatro apertadas paredes do Aquário da característica associação. E mesmo que nem todos cheguem a atingir esse nível, calhou que, numa quente noite de domingo, uma ZDB esgotada fosse palco para uma dessas performances verdadeiramente grandiosas.
Os inquietados fãs foram forçados a esperar, não obstante, já que a abertura da noite ficara a cabo de uns Asimov que, infelizmente, estiveram abaixo do seu potencial. Tão agressiva quanto ensurdecedora, a banda moía incessantemente os seus riffs retirados das mesmas 3 ou 4 referências (notava-se Black Sabbath, Sleep, e mais um qualquer cunho de blues rock que fica a critério do ouvinte), sem que, no entanto, se efectivasse o efeito “mantra” desejado ao grupo stoner. Por mais potentes que fossem as suas investidas e barulhentas as suas malhas, pareceu faltar a combinação certa para render os ouvidos da plateia (como quem parte o cubo mágico a tentar solucioná-lo), ainda que esta apreciasse, passivamente, o espectáculo com alguns abanares de cabeças tímidos.
Com os Kikagaku Moyo, a história seria invariavelmente diferente. Desde já, porque trocávamos a relativa simplicidade de uma dupla guitarra/bateria pelo mais requintado set-up de um quinteto, com direito a duas guitarras, uma excepcionalmente dotada bateria e uma inconspícua sitar, que marcava desde já a variedade tonal trazida à mesa. E não era qualquer quinteto, também: com toda a audácia característica de uma valorosa banda de rock psicadélico, os Kikagaku Moyo traziam ainda o apelo etérico do space rock, a minuciosidade performativa do post-rock e, quando era chamado ao barulho, o furor enérgico de quem não esquece as raízes do rock e do punk. O resultado não poderia ser senão inesquecível: contrapunham, em palco, a absoluta magnificência da sua música com o estoicismo introvertido e irresistível de quem andava, minutos antes, pelo recinto a distribuir abraços e palavras de carinho por um público que, certamente, não esperava. Tendo vindo para apresentar o mais recente “House in the Tall Grass”, deste ano, ficou como máximo expoente da noite a ecléctica “Smoke and Mirrors”, que circulava entre padrões irregulares, calmarias e explosões frenéticas a bel prazer da plateia, que acompanhava os estados de espírito veiculados pela banda a par e passo.
Despediram-se, relutantes, apenas para voltar momentos depois sob os gritos incansáveis da pequena multidão que os admirara, trazendo um último tema para tocar e a promessa de retornar ao país no próximo ano – “We love Portugal”, admitia o frontman Tomo Katsurada. O sentimento, fazia-se óbvio, é mútuo, e não podemos esperar pelo antecipado retorno.