MEO Kalorama 2022: O Fenómeno Kraftwerk, os Espalhafatosos Chemical Brothers e os Discretos Moderat
2022-09-01, MEO Kalorama, LisboaO primeiro dia do novo festival lisboeta MEO Kalorama ficou marcado pelo ecletismo de três bandas electrónicas bastante distintas.
Injustamente posicionados no palco secundário do festival MEO Kalorama, os Kraftwerk voltaram a arrebatar corações e a despertar as emoções mais sublimes à flor da pele. Formados em 1970 na Alemanha, os homens-máquina foram responsáveis por desenvolver toda uma estética synth-pop e electro-pop, provando ao mundo que as “máquinas” também conseguem ter sentimentos. Apenas Ralf Hütter sobra da formação original da banda, depois da morte de Florian Schneider em 2020 – substituído em palco por Stefan Pfaffe. As suas composições minimalistas, robóticas, austeras mas doces impulsionaram a música electrónica para o mainstream, retirando a lacuna da “musique concrète” associada à electrónica pré-Kraftwerk. São sem dúvida um dos grupos mais inovadores do século XX, estabelecendo os alicerces para a música electrónica contemporânea. É com este peso que os Kraftwerk se apresentaram em palco, não fugindo à mesma fórmula que nunca variou durante todos esses anos de banda – e continua a funcionar tão plenamente como antes.
Avistam-se os icónicos quatro pódios em cima do palco quando se começam a distribuir óculos 3D pelo público – era difícil encontrar alguém que não tivesse direito a um par de óculos. Subitamente, pelas 22h do dia 1, leds verde neon perfilam os mesmos pódios e o palco. Entram em palco os quatro visionários, dando imediatamente início à primeira canção “Numbers / Computer World / Computer World 2”, acompanhados por belíssimos gráficos com código binário – semelhante à imagética de “Matrix” – que ganham vida através dos óculos 3D. “Spacelab” vai ainda mais além com os gráficos, ao mostrar uma projeção com imagens da cidade de Lisboa – naturalmente recebido com aplausos pelo público. “Man Machine” é outro êxito do álbum homónimo de 1978 cuja maioria da plateia sabe de cor, cantada ao vivo por Hütter com um microfone headset que processa a voz com vocoder, uma técnica muito popularizada pela banda. No entanto é “The Model/Das Model” que se assume (sem surpresas) o maior êxito dos Kraftwerk – aplausos que confirmam que o que estamos a observar é, sem dúvida, um concerto. Apesar de fazer parte do próprio show manter em segredo o que se esconde por trás dos pódios de cada um dos quatro membros da banda, um vídeo desmascarou um potencial exemplo do que os “homem-máquina” podem estar a fazer – controladoras MIDI, tablets, pads e sintetizadores. Cada membro parece ter uma função muito específica, comprovado pelo final do concerto ao actuarem “Music Non Stop”, em que ao abandonarem o palco um a um, o instrumental ficou cada vez menos completo e vazio assim que abandonavam o seu instrumento. O som esteve durante todo o concerto irrepreensível – os graves bem posicionados e presentes, sem se sobreporem ao resto das frequências sonoras. Foi mais um concerto para recordar, esperemos que venham mais.
Pelas 23h30 no palco MEO – o colossal palco principal do festival – actuou o duo britânico The Chemical Brothers que se encaixa aproximadamente no lado oposto aos Kraftwerk no espectro da música electrónica. Com o dever de encerrar o palco MEO na primeira noite do novo festival, a dupla foi certamente a escolha infalível – com doze actuações em território português desde a sua formação em 1989, não é novidade que os seus concertos não poupam nos artifícios e na energia. Completamente artilhados de máquinas electrónicas em palco, rodeados de fumo e lasers que disparavam do palco e que transformaram o parque da bela vista numa pseudo-rave dos 90’s, animações sincronizadas com os beats e luzes estroboscópicas, os Chemical Brothers devem grande parte da sua energia em palco a uma mistura eufórica de drops intermináveis, breakbeats, linhas de baixo acid distorcidas e industriais – não é fácil categorizar a sua música, nem será possível encaixá-la num destes rótulos.
Os únicos membros da plateia que permanecem estáticos são os mesmos que tentam assimilar todo o aparato que se encontra à sua volta – onde quer que olhássemos, estava sempre a acontecer que nos roubava a atenção. Uma setlist com exatamente vinte canções reuniu êxitos como “Block Rockin’ Beats”, “Go”, “Mah”, “Hey Boy, Hey Girl” e “Under the Influence” tem direito aos conhecidos robôs gigantes em palco, que movem as cabeças e disparam lasers dos olhos – agora sim, impossível desviar a atenção do palco, acabando em êxtase com “Galvanize”. Um concerto que não apostou sem dúvida no minimalismo (como é o caso dos Kraftwerk) mas que provou mais uma vez a potência da música electrónica ao vivo. Vivam os anos 90!
Nascidos há precisamente 20 anos, os Moderat são uma das bandas electrónicas provenientes de Berlim que conquistaram todo o mundo. Filhos de uma electrónica proveniente dos Kraftwerk, faz todo o sentido que os Moderat actuassem no mesmo palco, três horas mais tarde. Embora não tão exibicionistas como os Chemical Brothers, o trio sempre foi conhecido pela potência dos seus concertos sublimes. A setlist reuniu alguns dos maiores sucessos como “Bad Kingdom” e “New Error”, mas grande parte do concerto incidiu no recente álbum “MORE D4TA” – um anagrama do próprio nome da banda – depois de um hiato que durava deste 2017. “Fast Land” é a faixa de abertura do álbum, que soou incrivelmente imersiva com os seus sintetizadores que oscilam na afinação – no palco, os músicos fizeram recurso a controladores MIDI para disparar samples, mas também alguns sintetizadores e o clássico MPC. Não faltaram beats poderosos, melodias que ficam no ouvido e baixos distorcidos que se entranham e vibram no corpo – no entanto, um pouco exagerado pois acabou por roubar espaço para a voz de Apparat brilhar – numa mistura eclética de IDM, trip-hop e industrial. Em palco, umas faixas led que mudavam de cor proporcionavam o decor minimalista perante um recinto meio-cheio do palco COLINA. Foi sobretudo um concerto com boa música, mas após o concerto altamente meticuloso dos Kraftwerk e do concerto intenso dos Chemical Brothers, o espectáculo dos Moderat pareceu a meio-gás. Talvez ainda estejam a aquecer.
De registar o episódio grave e um pouco triste: 2 Many DJs e Tiga estiveram em cena pouco mais de 20 minutos devido e segundo palavras da organização: «a conflitos de som entre os palcos MEO e Colina, fomos obrigados a interromper a atuação dos 2manydjs b2b Tiga. Pedimos desculpa pelo inconveniente e prometemos tê-los na próxima edição.» Algo a rever urgentemente até 2023.