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MEO Kalorama 2022: Nick Cave Louva-a-Deus!

MEO Kalorama 2022: Nick Cave Louva-a-Deus!

2022-09-03, MEO Kalorama
Miguel Grazina Barros
Inês Barrau
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No último dia do novo festival MEO Kalorama, Nick Cave foi cabeça de cartaz e encantou novamente um público que se entregou devotamente aos seus braços.

Apenas três meses após o fabuloso concerto no Parque da Cidade do Porto no âmbito do festival NOS Primavera Sound, o “padre” voltou a Portugal – desta vez à capital. O nome mais esperado da noite não é nenhuma novidade no que toca à intensidade dos seus concertos – mesmo os “crentes” insistem em experienciar múltiplas vezes o efeito Nick Cave, uma verdadeira força da Natureza que não deixa ninguém indiferente. Se o concerto no Parque da Cidade do Porto marcou a fase inicial da tour do australiano, a actuação no Parque da Bela Vista encerrou uma tour que se prolongou por três meses.

Pelas 21h de dia 3, a multidão perante o palco MEO não se aproximava à intimidante enchente que marcou o segundo dia de festival – onde os britânicos Arctic Monkeys foram cabeça de cartaz. No entanto, os fãs mais acérrimos rapidamente ocuparam as filas da frente onde estava colocada a famosa plataforma que se estendia desde o palco até ao público. Quem já conhece os habituais concertos de Nick Cave, sabe que o músico australiano passa a maior parte do espectáculo a balançar-se nessa mesma plataforma – e desta vez não foi excepção. Warren Ellis entra em cena, um dos músicos mais carismáticos dos Bad Seeds que é recebido com fortes aplausos. “Get Ready for Love” foi o tema de arranque, e Nick Cave rapidamente se atira para as primeiras filas do público agarrando as mãos dos espectadores e olhando-os nos olhos – uma entrada triunfante e poderosa, semelhante ao que aconteceu no Porto há três meses. Sempre intensamente presente durante toda a actuação, Nick Cave aproveita para “brincar” um pouco com o público – agarra uma bandeira Portuguesa, um “sapo cocas” chama-lhe a atenção, aceita presentes do público. “Obrigado! Isto é gigante, estou bastante longe da minha banda. A minha linda banda.” exclamou da plataforma, completamente embrulhado no público.

Obrigado! Isto é gigante, estou bastante longe da minha banda. A minha linda banda.

Com uma atitude algo profética, Cave não se inibe de balbuciar entre canções, adaptando a sua linguagem e movimentos ao contexto do espectáculo – remetendo muitas das vezes à “spoken word” improvisada. “From Her to Eternity” foi a terceira canção do alinhamento acompanhada pelos infalíveis Bad Seeds, onde mais uma vez constam três cantores gospel admiráveis, que no final do concerto também tiveram a oportunidade de brilhar perto do público, ao pisarem a célebre plataforma com o auxílio de seguranças. Sempre bem vestido, cabelo penteado para trás e uma silhueta cujo holofote espelha a sombra semelhante a um “Louva-a-deus” – a figura de Nick Cave é inconfundível e a sua coragem é deslumbrante. Os microfones com fios serão sem dúvida o seu pior inimigo  (partiu dois microfones em momentos de êxtase), pois nada nem ninguém tem o direito de restringir os movimentos de Cave pela plataforma, a maneira como “toca” o público, como encara individualmente cada espectador como se apenas ele soubesse a “verdade” absoluta. Como era de esperar, poucas vezes pisa o gigante palco MEO – muito pontualmente, quando se dirige ao piano de cauda Yamaha, como é o caso de “Children” que foi dedicada a uma espectadora aniversariante chamada “Paula”. “Jubilee Street” foi novamente um ponto alto do concerto, com a delicada guitarra de Warren Ellis entretanto sobreposta pelo final épico e orquestral. “Bright Horses” e “I Need You” obrigam-no a regressar ao piano, onde pode despir-se completamente do instrumental dos Bad Seeds e realçar o seu grande poder vocal – lágrimas nos olhos, em ambas as canções. “Apenas respira”, exclama repetidamente no final de “I Need You”, em modo de desespero controlado.

“Red Right Hand” é um clássico instantâneo, retirada da banda sonora da série da Netflix “Peaky Blinders” – ninguém conseguiu resistir a acompanhar o tema vincado pelo icónico “sino”, proporcionado pela secção de metais no palco.

“White Elephant” foi entregue somente com Nick Cave e Warren Ellis, um momento de intimidade entre amigos que é sempre bonito de se ver. Um encore de quatro canções fechou um concerto que durou cerca de duas horas – compreensível por ser a despedida da tour, mas algo “exagerado”, levando muitos espectadores a abandonar o concerto mais cedo. Não poderia deixar de faltar “Into My Arms”, o hino que foi ilustramente dedicado a Beatriz Lebre, a jovem assassinada em 2020 que adorava a mesma canção. “The Weeping Song” foi a despedida incontornável capaz de emocionar pela segunda, terceira ou quarta vez a plateia – “Obrigado. Muito obrigado por nos verem. A sério, não consigo explicar o quanto isto significa para nós”.